36. A saudade

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Alexander

Se eu tivesse um trator, passaria por cima desses estorvos imbecis e os transformaria em estampa de piso.

Só assim eu conseguiria atravessar esse aeroporto a tempo. Como presidente da reunião e líder do projeto, não podia me atrasar.

Empreitadas internacionais sempre eram atribuídas a mim por causa dos idiomas que dominava, pela minha competência e habilidades de negociação. Além disso, havia uma vantagem que os demais sócios, casados e com filhos, não tinham: eu era um homem livre.

Mas agora, nem tanto.

No meio daquela confusão de vozes e passos apressados, mal enxergava as pessoas à frente. Inesperadamente, algo familiar capturou minha visão: uma mochila de borboletas.

Senti o coração descompassar, como se alguém tivesse apertado o botão de "pare" dentro de mim.

Fui arrastado para uma memória que pensei ter se perdido. Naquele mesmo aeroporto, há cerca de um ano, Thales parou em uma loja dizendo que era questão de vida ou morte.

— Qual você escolheria? — ele perguntou segurando duas mochilas, com a tranquilidade de quem não estava prestes a perder um voo.

— Para que você quer uma coisa idiota dessas? — respondi, consultando o relógio de pulso.

— É para minha sobrinha. Veja: lilás é a cor favorita dela, e ela gosta de borboletas. É o presente perfeito! Mas a preta com borboletas azuis... não sei — ele apertou os olhos, como se aquela  fosse a decisão mais importante de sua vida e nada mais importasse. — E aí? Qual?

Revirei os olhos.

— Vamos perder o voo, Thales.

— Ah, não seja rabugento, Alex. Me ajude a escolher, vai — Thales balançou as duas com um sorriso instigador.

Suspirei, irritado. Mas ele continuava balançando, com aquele olhar divertido e desafiador que só ele tinha. Thales adorava testar minha paciência, e entrar no jogo dele era a única saída.

Olhei para as mochilas, ambas igualmente ridículas. Apontei para a preta, mais discreta.

— Boa escolha, Alex — ele sorriu, triunfante. — Vou levar a lilás.

Perdemos o voo por um minuto.

Em quatro horas esperando o próximo avião no bar do aeroporto, ficamos completamente bêbados. E transferi um valor absurdo para uma senhora que pediu dinheiro para completar a passagem.

Algo anormal sempre acontecia nas viagens com Thales — provocado por sua espontaneidade e imprevisibilidade —, o que me irritava, mas ele fazia virar história. Sem ele, não era a mesma coisa.

Sentia falta dele. Todos os dias.

Uma fisgada no peito me trouxe de volta ao barulho do aeroporto no presente.

Respirei fundo. Mesmo desviando meus pensamentos para os compromissos do dia, havia algo mais gerando desconforto — uma inquietação causada por alguém de olhos castanhos.

Viajar para outro país sem avisar Sofie me incomodou no embarque, mas ignorei, esperando esquecer. E cá estava eu, incomodado novamente.

Ficar um mês a milhas de distância era negligência com ela. Mas o que eu podia fazer? Cancelar uma viagem de trabalho para segurar sua mão?

Avistei o motorista segurando um cartaz com meu nome, me lembrando do motivo de eu estar ali. Fui direto para a empresa, sem passar no hotel. As horas foram engolidas por reuniões intermináveis e demandas incessantes, mas em cada pausa que tinha, uma preocupação irracional me fazia pegar o celular para ligar para ela — e sempre desistia.

Não imaginei que seria tão difícil estar longe. Algo grave poderia acontecer e não seria possível correr para protegê-la.

E se alguém mexesse com ela na escola?

Bom, ela sabia bater. Podia se defender. Se quebrasse o punho, Gutierre a levaria ao hospital. Ele cuidaria de qualquer situação que surgisse.

Mas e se ela ficasse triste lembrando dos pais? Ou de Thales? E se precisasse de alguém por perto só para saber que não estava sozinha no mundo?

Droga. Precisava me concentrar.

Sofie queria ser tratada como adulta, então tinha que dar um jeito de se virar sem mim.

No fim do dia, exausto e com a cabeça latejando, só queria um café de verdade e não a porcaria servida no escritório. Saí em busca do lugar que Thales e eu costumávamos ir.

Rostos diversos passavam por mim na calçada, mas minha mente só desenhava o dela.

Como Thales conseguia fazer aquelas viagens sem ficar louco de preocupação com ela?

Ainda era o primeiro dia e a única coisa que eu queria era ouvir a voz dela para ter certeza de que estava bem.

Decidido a acabar com aquele martírio, peguei o celular para telefonar.

Descarregado. O maldito carregador estava na mala que pedi para mandarem para o hotel. De repente, o café não tinha mais importância. Dei meia volta. Foi quando algo em uma vitrine deteve minha atenção.

No instante em que vi, soube que aquilo era para ela.

Seu presente de aniversário.

Entrei na joalheria sem pensar duas vezes.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora