CAPITULO 28 - Marcelo (parte 01)

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Eu passei meus braços em volta do pequeno corpo da Luísa e a abracei. Pela primeira vez eu não me sentia tão solitário em compartilhar esta história com alguém. Eu queria contar tudo a ela, mas eu ainda não conseguia. Só de me lembrar do que a minha mente por tanto tempo estava acostumada a ignorar, eu sentia vontade de desmoronar. Era uma avalanche de sentimentos que eu não gostava de sentir. Tristeza, culpa, arrependimento e o principal de tudo: saudade.

— Ela quer falar com você — gritou Lucas, entrando correndo na cozinha.

Eu respirei fundo tentando acalmar aquela maré de tristeza que me atingiu e me afastei de Luísa, mas ela manteve as mãos em meus ombros, e eu agradeci mentalmente por aquele pequeno gesto de apoio.

— Alô? — disse ao pegar o celular da mão de Lucas.

— Ei, está tudo bem aí? Eu falei com o Lucas agora e ele disse que não deu mais febre, mas você está controlando, né? — perguntava Letícia do outro lado. — Mesmo que não dê febre não esquece os remédios dele às dez.

— Está tudo bem. Eu estou medindo a temperatura dele de hora em hora, e eu não esqueci o remédio. Não se preocupe com a gente, qualquer coisa eu tenho o telefone do pediatra dele.

Ela riu do outro lado da linha.

— Você cuida dele melhor do que eu, só estou confirmando.

— Vá aproveitar a noite com seu noivo e pare de se preocupar com a gente.

— A Luísa tá aí, né? O Lucas contou.

Eu ri daquele pequeno fofoqueiro e apertei a cintura da Luísa.

— Sim, ela tá aqui. Inclusive fez brigadeiro.

— Uau, ela ganhou um fã para vida toda agora.

— Eu falei a mesma coisa para ela.

— Eu a conheci essa semana, e ela é realmente linda. Você tem bom gosto.

Eu levantei meu rosto para olhar para Luísa, que ainda tinha aquele olhar preocupado em seus olhos, mas sorria para mim.

— Sim, ela é — confirmei.

— Eu espero que ela enxergue o quão lindo você é também.

Ok, hora de desligar.

— Boa noite, Letícia, só ligue se for urgente, tá bom? Eu te aviso se alguma coisa mudar.

— Só estou dizendo, você merece alguém...

Desliguei o telefone e o coloquei no balcão, eu não queria aquela conversa com a Luísa tão perto. Era um pouco estranho. Eu mantinha um dos meus braços em volta dela, que ainda estava me abraçando. Aquela sensação de paz tomou conta do meu peito, mesmo que minutos atrás ele estava tão apertado. Era como poder respirar tranquilamente depois de ter se afogado.

— Já dá para comer agora? — perguntou Lucas se sentando no banquinho ao meu lado.

Luísa me soltou e foi até a pia pegar o prato com o brigadeiro, e o colocou no balcão à nossa frente.

— Eu acho que já esfriou um pouco, onde tem colher?

Eu apontei para o armário de gavetas atrás dela e ela pegou as três colheres para nós. Estava realmente delicioso, melhor do que aqueles que eu comprava pronto.

— Este é o melhor brigadeiro que eu já comi — disse Lucas lambendo sua colher. — Mas, se a alguém contar para vovó, eu nego tudo.

Luísa riu para ele e cruzou os dedos.

— Eu prometo que não conto, será nosso segredo.

Lucas a imitou e eles começaram a conversar, ignorando totalmente que eu estava na cozinha também. Ela quis saber quantos anos ele tinha, o que estava aprendendo na escola, seu time de futebol e seus filmes preferidos. Ele estava mais do que empolgado em poder contar tudo a ela. Ela não o tratava como uma criança, ela realmente prestava atenção em tudo o que ele contava como se tivesse mesmo interessada em conhecê-lo.

Eu tive medo de apresentá-la para o Lucas, porque é sempre complicado apresentar alguém a uma criança. Se ela realmente gosta de você, ela se apega muito fácil. E o Lucas é uma criança muito amorosa e carente, se ele gosta de uma pessoa ele quer tê-la por perto. Minha última namorada, Andréia, gostava do Lucas. Mas, ela não era uma pessoa muito paciente com crianças, e quando nós terminamos o Lucas vivia perguntando por ela e queria vê-la. Ela inclusive usou disso para se aproximar de mim quando nós terminamos, sempre tentando usá-lo como desculpa para me ver.

É por isso que eu penso muito antes de apresentar qualquer pessoa para meu irmão, eu não quero que ele se apegue a alguém que não vai ficar. E por mais que eu tivesse ainda muitas dúvidas se a Luísa permaneceria em nossas vidas, eu sabia que ela não seria como a Andréia. Se nada acontecesse entre nós, eu a conhecia o suficiente para saber que ela não faria algo para magoá-lo. Ela tinha um bom coração, eu sentia que podia confiar nela.

— Eu não aguento mais doce, nós podemos ver um filme agora? — Lucas perguntou, quando largou a colher e deitou a cabeça no balcão.

Luísa olhou para mim e então tirou o celular do bolso.

— Já está tarde, e eu acho que já vou para casa.

Lucas levantou a cabeça do banquinho tão rápido que ele quase caiu.

— Não — gritou ele. — Você não pode ir agora, você tem que ver um filme com a gente. — Ele se virou para me olhar. — Ela não pode ficar aqui?

Eu ri do seu pedido, ele parecia tão desesperado para que sua nova amiga não fosse embora que era até engraçado.

— Por mim, tudo bem, mas você tem que pedir para ela.

Ele desceu do banquinho e abraçou a cintura da Luísa.

— Você tem que ficar, assiste a um filme com a gente. Só um filmezinho — ele pedia fazendo bico.

Luísa passou as mãos no cabelo dele e olhou para mim, como se pedisse ajuda. Eu levantei as mãos e dei de ombros. Ela que se virasse em falar não a uma criança, eu estava no time do meu irmão.

— Ok, só um filme, e depois eu vou embora.

Ele começou a pular e a puxou pela mão até a sala, pedindo que ela se deitasse com ele no colchão que tínhamos jogado no chão para ver TV. Ela deitou ao lado dele e fui para o sofá, enquanto eles escolhiam a um filme no Netflix.

— Você vai ficar aí? — perguntou Lucas. — Cabe você aqui com a gente.

Luísa o puxou para perto dela, dando espaço para que eu deitasse na outra ponta do colchão, com Lucas ao nosso meio. Com a sala escura e o volume baixo, não demorou muito para que Lucas ficasse sonolento e começasse a encostar-se a mim. Ele sempre me abraçava quando o sono chegava. Meu celular começou a vibrar no sofá do alerta e levantei.

— Aonde você vai? — Lucas perguntou.

— Tá na hora do seu remédio.

Eu pulei os dois no colchão e fui até a cozinha.

— Traga uma colher de brigadeiro — gritou Luísa da sala. — O Lucas disse que o remédio é ruim.

Quando voltei à sala dei a ele uma colher do seu remédio, que devia ser realmente ruim já que era de gotinha, e depois bebeu quase um copo de água antes de comer o brigadeiro. Desta vez ele não fez careta e nem ficou enrolando para engolir, e isso provavelmente era para tentar impressionar a nossa visita. Meia hora depois que voltamos a ver o filme Lucas já estava dormindo, mas o que mais me surpreendeu foi que Luísa também dormia. Desta vez ele estava deitado ao lado dela, que mantinha um braço sobre a cabeça dele onde ela estava fazendo cafuné. Pela primeira vez na vida eu tive inveja do meu irmão.

Eu me levantei e fui até meu quarto pegar os edredons para jogar por cima deles. Quando eu estava cobrindo-os a tela do celular da Luísa, que estava no chão ao lado dela, iluminou com o nome do Vinicius. Era errado que eu não a acordasse, mas eu era egoísta o suficiente para fazer isso. Depois de cobri-los voltei a me deitar no colchão junto a eles. Fiquei olhando para o rosto sereno e tranquilo de Luísa até o sono finalmente dominar minha mente.

BASTA ME ESCOLHER - degustaçãoWhere stories live. Discover now