Revanche

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Quando Letícia cumprimentou a ex-namorada de Daniel, notou imediatamente algumas coisas sobre ela: Paula era vaidosa, bonita, expansiva e gostava de chamar atenção. O vestido espalhafatoso, a maquiagem exagerada e as joias gigantescas que ela usava pareciam comprovar isso. Quanto a Roberto, o noivo de Paula, não dava pra saber muito. Ele era bem mais velho, bastante quieto e, como Letícia, parecia ter sido arrastado àquele jantar.

Sentados à mesa, os dois casais iniciaram uma conversa amigável e superficial. Embora estivesse sorrindo e falando educadamente, Letícia estava irritada. Ainda não acreditava que Daniel a tinha convencido a fazer aquilo. Ela se distraiu várias vezes, observando a musicista que tocava piano e cantava ao mesmo tempo. Era dia de música ao vivo no restaurante.

Aquele era um lugar bastante agradável, com aquela linda paisagem que podia ser vista através das paredes de vidro e aquela apresentação musical interessante. Letícia só não conseguia entender a utilidade de todos aqueles talheres que estavam sobre a mesa. Qual era a vantagem de comer com três tipos diferentes de garfo, afinal?

– Então, Letícia... O que você faz da vida? - perguntou Paula, animadamente.

– Bem, eu curso Serviço Social na UnB. Também estou fazendo estágio.

– Puxa, é bom saber que ainda existem moças boazinhas que deixam de escolher um curso bom para poder ajudar gente pobre.

Daniel teve que segurar o riso ao reparar que o olhar de Letícia dizia "Como é que é?".

– Serviço Social é um ótimo curso. - defendeu Letícia, o mais educadamente que pôde.

– É claro que é, querida! Mas lembre-se de tomar cuidado quando for tentar ajudar essas pessoas de periferia. Esses favelados andam a cada dia mais perigosos. - disse Paula.

Letícia respirou fundo, tentando conter a irritação, e encarou Daniel com uma expressão de "Eu não vou aguentar isso aqui".

Daniel tentou mudar de assunto, na esperança de que Paula parasse de falar besteira. Foi inútil. A mulher tagarelava como se não houvesse amanhã, falando coisas aleatórias que não interessavam a ninguém. Para não ficar muito entediado, o noivo dela começou a mexer no celular.

– E então, eu disse que não ia sobreviver se não tivesse aquela bolsa. Era uma Louis Vuitton, mas não era como as outras bolsas dessa marca. Ela tinha aquele toque especial, sabe? Eu teria assaltado um banco para comprá-la. Felizmente, não precisei assaltar banco nenhum, porque na manhã seguinte, o Robertinho me deu ela de presente. Eu fiquei louca de felicidade, não foi, amor? Foi tão romântico! Você realmente sabe como é ser romântico, não sabe, Robertinho?

– Ahã. - ele concordou, embora não parecesse ter ouvido uma palavra que sua noiva dissera.

– Mas me contem sobre vocês. Qual de vocês é o mais romântico da relação? - Paula perguntou, empolgada.

Letícia respondeu "Ele", ao mesmo tempo em que Daniel respondia "Ela". Eles se entreolharam por um segundo e Daniel decidiu falar:

– Na verdade, a Letícia não era nada romântica antes de me conhecer. Ela era aquele tipo de garota fria que nem acredita no amor, sabe? Foi só me conhecer e as coisas mudaram. Não é, princesa?

Blergh. Aquilo a estava deixando enjoada. Ela não via a hora de que aquele jantar ridículo acabasse. Enquanto isso, ela precisava contra-atacar as bobagens que Daniel estava falando.

– Pois é, eu não sei o que me fez gostar tanto do Daniel. Sem dúvida, não foram aquelas cantadas de nerd que ele fez no dia em que a gente se conheceu. - provocou Letícia, sorrindo de forma simpática.

– Taí uma coisa que eu não imaginava, vindo de você. - disse Paula para Daniel, rindo.

– Qual é, Letícia. Eu nunca fiz nenhuma cantada de nerd. - defendeu-se o rapaz, olhando para a garota com um pouco de irritação.

Ela sorriu e continuou a falar:

– Tá brincando, amor? Não acredito que você esqueceu... Mas eu me lembro perfeitamente de que você disse: "Me joga no Google, me chama de pesquisa e diz que eu sou tudo aquilo que você procurava!".

Até o noivo de Paula riu, e olha que ele era incrivelmente sério e quieto. Mas Letícia ainda não estava satisfeita. Daniel a tinha colocado naquela furada, e teria o troco.

– Sabe, depois daquela cantada horrível, ele insistiu tanto pra eu passar meu telefone, que eu acabei dando o número, só pra me livrar dele. - falou Letícia, em um tom bem-humorado de quem estava contando uma ótima piada.

– E aí? - perguntou Paula, com um olhar de curiosidade - O que aconteceu depois?

– Você não vai acreditar, mas ele ficou me ligando a cada um minuto. Eu tentei ignorar as chamadas dele, mas estava difícil. Quando ele decidiu me ligar às três horas da madrugada, eu pensei: "Meu Deus, esse menino está desesperado." Daí, fiquei com tanta dó que aceitei sair com ele.

– O que é que você está fazendo, Letícia?! - Daniel sussurou discretamente para a garota.

– Destruindo sua reputação, ué. Não percebeu? - Letícia murmurou de volta, em tom de zombaria. Para ela, aquele jantar estava finalmente ficando divertido.

– Então, como eu estava dizendo... - ela continuou.

– Ah, Letícia... Eles não devem estar interessados nisso... - interrompeu Daniel, torcendo para que ela decidisse parar com aquilo.

– Nada disso, Daniel - exclamou Paula, com entusiasmo - Nem pense em atrapalhar. Continue, Letícia! Conta como foi a primeira vez que vocês saíram juntos!

– Bem, a gente foi ao cinema e tivemos muitos tempo pra conversar, antes do filme.

– E o que vocês conversaram?

Daniel olhou pra Letícia com um olhar que ordenava que ela não falasse besteira. Ela percebeu isso e começou a falar animadamente:

– Não dá pra saber muito bem... Porque o Daniel ficou gaguejando o tempo todo. Sério, eu não estava entendo nada do que ele estava tentando dizer.

– O Daniel? Gaguejando pra falar com uma garota? Caramba, quem é que poderia imaginar uma coisa dessas? - disse Paula, rindo e parecendo enormemente surpresa - É engraçado ouvir isso, Letícia, porque o Daniel costumava ser metido a conquistador, sabe? Ele era confiante de dar nos nervos!

– Mas eu sou confiante! - exclamou Daniel, na defensiva - Confiança é o meu sobrenome, tá legal?

O rapaz lançou um olhar para Letícia e ela entendeu imediatamente que ele estava tentando dizer algo como "Pelo amor de Deus, pare de me desmoralizar. Eu imploro." Ela sorriu para ele como se estivesse respondendo: "Tudo bem, vou quebrar seu galho, mas é só porque eu sou legal e porque você implorou".

Sob o Mesmo TetoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora