2 - TATO E CHEIRO

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Eu e James éramos melhores amigos desde o dia em que nascemos, que por acaso ou não, foi no mesmo dia. Crescemos juntos, fazíamos tudo um com o outro, éramos inseparáveis. Mas quando nós tínhamos por volta dos 10 anos, o seu pai recebeu uma proposta de emprego em outro estado e ele teve que se mudar com a família.

No começo foi bem difícil para mim, tudo havia perdido a graça. Só não foi ainda mais difícil porque nos comunicávamos através de telefonemas e cartas, tenho algumas até hoje. Mas chegou um dia em que ele não ligou mais e nem respondeu as minhas cartas, aquilo me machucou porque eu não sabia o motivo dele não me responder.

Agora ele esta aqui ao meu lado segurando o meu braço, a caminho da sua antiga casa, sem poder enxergar as árvores, a vizinhança, ou o céu azul que nos segue durante o trajeto. Tantas coisas devem ter acontecido com ele durante esse tempo, eu quero saber, sinto a necessidade de saber, e talvez essa seja uma boa hora.

— Eu senti tanto a sua falta — tento puxar assunto, sendo sincero sobre os meus sentimentos.

— Eu também senti muito a sua falta, você não sabe o quanto — ele também parece ser sincero.

— Posso te fazer uma pergunta?

— Sim.

— Por que depois de um tempo você não respondeu mais os meus telefonemas? — pergunto um pouco envergonhado e apreensivo pela resposta.

— Depois que eu e meus pais nos mudamos para outra cidade, uns três meses posteriormente, o meu pai recebeu outra proposta de trabalho, ainda melhor, mas na Europa e nós teríamos que nos mudar naquele exato momento. Era uma criança, apesar de não querer ir, eu não tinha escolha. A mudança foi em tempo recorde, e foi no meio de toda aquela bagunça que perdi seu telefone... Eu também não consegui avisar você ou ninguém da sua casa sobre o nosso novo número. Realmente foi tudo repentino — ele para de andar e se vira em minha direção. — Peço desculpas, eu poderia ter me esforçado mais para entrar em contato com você, espero que possa me perdoar.

Faz sentido, o motivo pelo qual ele sumiu e não me respondeu. E mesmo que não fizesse sentido algum, não havia a mínima chance de não perdoa-lo.

— É claro que te perdoou, não se preocupe com isso — ele sorri satisfeito e voltamos a caminha na rua calma e plana — Então, me conta como você perdeu a sua visão?

— Há três anos, começaram a aparecer algumas manchas escuras na minha visão. Meus pais me levaram a vários especialistas, mas nenhum deles foi capaz de descobrir o que eu tinha, cada um tinha uma teoria mais nenhuma era concreta. Em uma normal manhã de domingo, eu simplesmente acordei no escuro total, não enxergava mais nada — me sinto agoniado ao imaginar o susto e o medo dele nesse dia. — Meus pais queriam me levar a mais médicos, mas recusei, não queria ser um ratinho de laboratório. Então aceitei a minha nova condição. Depois de algum tempo aprendendo a me virar sozinho, pedi aos meus pais que me trouxessem de volta a essa cidade, e com o meu novo estado, eles não tiveram coragem de me negar esse pedido. Minha mãe até alegou que seria mesmo bom eu morar em uma cidade pequena, pois seria "menos perigoso" — ele solta um meio sorriso.

— Sinto muito mesmo, por tudo.

— Tudo bem, eu já aceite o meu destino. Mas isso muda a nossa amizade em alguma coisa? — ele parece desconfortável com a pergunta.

— De jeito nenhum! Continuo a gostar de você do mesmo jeito, isso não muda nada em relação aos meus sentimentos por você. — minhas palavras são totalmente sinceras.

— Eu cheguei ontem na cidade, ia pedi pro meu pai me levar até a sua casa e falar com você, mas estava muito tarde então resolvi ir atrás de você hoje depois da escola, porém você me encontrou primeiro — Nós dois rimos ao lembrar da nossa esbarrada na escola. Confesso que foi bom saber que ele já tinha o objetivo de me encontrar.

— Chegamos — aviso ele ao avistar a sua antiga casa.

Ela está do mesmo jeito, fachada branca com a porta e as janelas escuras, apesar do tempo ela continua muito bem conservada. Ninguém sabe, mas eu sempre vinha aqui quando estava com saudade do James, me sentava na varanda e ficava horas imaginando o que teria acontecido com ele; o motivo pelo qual ele sumiu, se ele estaria feliz naquele momento. Mas era tudo muito frio, porém, a casa agora parece ter vida novamente.

James abre a porta sem nenhuma dificuldade.

— Entre, passe à tarde comigo hoje — ele pede carinhosamente. — Não é legal negar o convite de um cego — ele brinca.

— E nem se aproveitar da própria cegueira — digo entrando na casa e ele fecha a porta.

— Joe?

— Sr. Cameron.

— Como você cresceu — o pai do James me estende a mão e eu o cumprimento. — Como você está? — ele pergunta educadamente.

— Estou bem e o senhor?

— Poderia está melhor, problemas na empresa — ele balança alguns papéis na outra mão.

— Muito legal pai, mas eu vou levar o Joe para revisitar o meu quarto se você não se incomoda.

— Claro filho, foi um prazer revelo Joe.

— Digo o mesmo Sr. Cameron.

— Vem Joe — James me chama e começa a subir as escadas, vou logo atrás dele.

Ele abre a segunda porta a direita e entra.

— Seja bem vindo ao meu quarto — ele diz se jogando na cama.

Quando entro no quarto, vejo que as paredes continuam com a mesma tonalidade de azul, mas agora o quarto tem uma cama maior, uma escrivaninha grande e alguns livros nas prateleiras.

— Espero que não se assuste com a bagunça, como eu de disse nós chegamos ontem então...

— Não, tudo bem.

— Me desculpe, sentasse aqui, por favor — ele se levanta se sentando na cama e deixando um espaço para que eu também possa me sentar. — Você deve ter mudado muito nesse tempo em que ficamos longe um do outro, será que eu posso ver o seu rosto? Quero dizer, toca-lo para saber como você ficou depois de sete anos — ele sorri.

— Sim — a palavra sai como um sussurro, não sei explicar o porquê.

Ele se aproxima de mim e o ritmo da minha respiração aumenta. Ele passa suas mãos delicadamente entre os meus cabelos, depois elas se esparramam pela minha testa, passam pelos meus olhos com mais sutileza ainda, descem pelas minhas bochechas, encontram meu nariz e depois o meu queixo e por último, os seus dedos tocam os meus lábios lentamente. Continuo com o corpo imóvel, mas o meu coração saltita forte dentro do meu peito. James chega ainda mais perto e inala o meu perfume.

— Adorei essa sua fragrância — ele sussurra perto do meu ouvido.

Com um impulso espontâneo me levanto da cama.

— Percebi que você ficou muito bonito — ele me elogia.

— Você também — fico ainda mais envergonhado ao dizer isso.

— Você deve ter muitas pretendentes — ele brinca.

Por algum motivo não consigo reagir. Eu sou gay e não consigo dizer isso para ele. Respiro fundo e tento mudar o foco da conversa o mais rápido possível. Observo o seu quarto mais uma vez e acho algo fascinante em cima da sua escrivaninha.


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