Capítulo 1

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Fui me olhar no espelho, bem no momento em que a mulher que estava me arrumando jogou o véu sobre o meu rosto. O batom vermelho contrastava com a minha pele branca e meus cabelos pretos estavam presos em um coque elaborado, cheio de tranças, cachos e enfeites brilhantes. O vestido era deslumbrante e tinha uma cauda imensa, a melhor roupa que eu já tinha vestido, nada parecido com as roupas rasgadas e desbotadas as quais eu estava acostumada.

Me sentia uma rainha, com tantas pessoas cuidando de mim ao mesmo tempo, pena que o momento era tão triste. A cerimônia estava marcada para as sete da noite, e quanto mais perto das sete o relógio marcava, mais angustiada eu ficava. Esse casamento não era nem de longe o que eu desejava e julgava ser o mais apropriado para mim . Tinha dezoito anos e sou a mais velha de cinco irmãos, morava com eles e meu pais em uma casinha bem humilde em uma cidadezinha no interior de Minas Gerais. Minha mãe foi e ainda é uma mulher batalhadora, daquelas que lutou e ralou muito para conseguir criar os filhos. Mesmo sendo dona de casa, passava horas fazendo tudo quanto é tipo de doce para vender na vizinhança, mas o sonho dela era ser astrônoma, adorava ver o céu e tinha uma paixão especial pela lua, da onde veio a inspiração para o meu nome, Luma. Já meu pai, era um bom homem e foi um ótimo pai na minha infância. Me recordo vagamente dele me levando para escola e me contando histórias do avô dele até eu finalmente adormecer. Mas quando eu tinha cerca de uns oito anos ele começou a beber e desde de então a situação na minha casa começou a ir de mal a pior.

A cada mês que passava, entrava menos dinheiro em casa, já que a cada mês que passava mais dinheiro meu pai gastava no bar na esquina de casa. Foram nessa mesma época que as brigas, e mais tarde as agressões se tornaram frequentes na minha casa. No começo as agressões se restringiam a minha mãe, era comum chegar em casa e encontrar minha mãe chorando e com um novo hematoma no braço. Mas após algum tempo ele me colocou junto na brincadeira e me proibiu de ir a escola, para não correr o risco de que eu contasse para alguém. Minha mãe já não saia de casa, vivia com medo e sendo ameaçada, só não entrou em uma depressão profunda porque sua fé era maior do qualquer outra coisa. Denunciar meu pai? Isso estava fora de cogitação, a casa era dele, e maior renda também, minha mãe não tinha pra onde ir com mais cinco filhos.

Até que oito anos depois, depois de muita dificuldade e sofrimento, minha mãe tomou coragem e ligou para uma irmã dela que morava em São Paulo e tinha uma boa condição financeira. Eu nunca sequer soube nem da existência dessa mulher, minha mãe nunca tinha me falado que tinha uma irmã. Ela veio para nossa casa cerca de uma semana depois da ligação da minha mãe.

Chegou em um carro muito bonito, provavelmente importado, chamando a atenção de toda vizinhança que nunca tinha visto de perto um carro como aquele. Margô era o nome dela. Ela era alta, tinha o cabelo curto porém extremamente liso, nenhum fio fora do lugar. Usava um blazer rosa e acessório chamativos e era idêntica a minha mãe. Logo que entrou em nossa casa perguntou logo de cara como sete pessoas moravam em um cubículo daqueles, nem havia quartos e pior ainda, cama para todos.

Me lembro que minha mãe tinha limpado a casa como nunca, e tudo estava brilhando para a chegada de Margô. Flores foram compradas, mesmo com o orçamento apertado da minha casa, e agora se encontravam em vasinhos decorativos por toda casa. Mas nada disso a agradou, arrogante, criticou a cor das paredes e até os tapetes de crochê que minha mãe havia feito. Apesar disso, no princípio achei que ela fosse um anjo, fruto das orações fervorosas de minha mãe. Ela não só pagou todas as nossas dívidas, como nos comprou uma nova casa, muito maior, na mesma cidade, porém em um bairro mais próximo do centro, a onde com certeza minha mãe teria o dobro de clientes para comprar seus doces. A casa estava impecavelmente mobiliada e parecia ter saído de uma dessas revistas decorativas ou da última novela das nove.

A nossa vida se tornou então mais confortável, e minha mãe estava vendendo os seus doces como nunca, automaticamente a situação financeira de nossa família melhorou. Margô foi embora, nossa vida melhorou, mas o vício do meu pai não. As agressões e ameças continuaram. Não conseguia usar mais um shorts ou uma saia, com vergonha dos hematomas. A dor física existia, e era grande, mas sabe aquela dor, que doi no coração? Essa era bem maior. Eu não tinha mais um pai presente, nem os meus irmãos. Cada dia que passava ele piorava, e toda vez que ele ia pro bar beber, existia a possibilidade dele não voltar.

Cerca de seis meses depois, a campainha da minha casa tocou,tinha então dezessete anos, era muito cedo, minha mãe não estava em casa, tinha saído para resolver algumas coisas, então fui atender, achando que era alguma das clientes da minha mãe indo buscar alguma encomenda. Mero engano. Quem estava na porta da minha casa naquela manhã não era ninguém menos que Margô. E assim que abri a porta ela foi entrando.

– Luma minha querida! Está cada dia mais linda não? A onde está sua mãe? Vejo que já mudaram alguns móveis de lugar...

– É... Obrigada Margô. Minha mãe saiu, mas já deve estar chegando. E na verdade nós não mudamos nada de lugar não...

Fui interrompida.

– A não tem problema Luma, o que eu tenho que resolver é justamente com você minha querida.

Ela disse isso já alterando o tom de voz, e deixando aquela mulher meiga de escanteio.

– Comigo Margô, tem certeza? No que eu posso te ajudar?

– Sim Luma, você não sabe mas eu tenho um enteado, o Tauan, ele é um pouco mais velho do que você e não é nem um pouco ajuizado. E ele é o herdeiro da empresa da minha família. E ele precisa se ajuizar, querida, me entende?

– Entendo sim Margô, mas infelizmente eu não posso te ajudar...

– Claro que pode Luma, ele precisa de uma esposa, e você é perfeita. Você não acha que o pagamento das dívidas e a compra dessa casa, iria ser assim de mão beijada né? Você vai levar uma vida muito melhor casada com o Tauan, em São Paulo, sem as agressões do seu pai, e ainda poderá enviar um bom dinheiro para seus pais e irmãos todo mês.

Realmente, apesar de melhor a situação em casa ainda era difícil, e uma boca a menos para alimentar e um bom dinheiro no final de todo mês faria uma grande diferença, então aceitei a proposta. E assim surgiu o a ideia do casamento. E cá estou eu a poucos minutos de me casar com um quase desconhecido...

-Luma você vive na lua minha filha, vamos! Já estão todos na igreja te esperando!

E então, entrei na limousine...

LumaWhere stories live. Discover now