Nascida para o mal

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SAMIRA

Acordei com uma ressaca daquelas, minha noite foi terrível, devo ter ido a umas dez festas, minha cabeça doía e meus pés tinham muitos calos. Levantei da minha cama e olhei no relógio, já era meio dia, isso quer dizer que meus pais já saíram e resolveram não me chatear.

Que alívio!

Meus pais estavam sempre me atormentando, mas de uns dias para cá eles estavam um pouco estranhos, não falavam muito e sempre deixavam uma quantia bem boa para eu sair com meus amigos o que era bem estranho.

Sentei na cama e abri uma gaveta no criado mudo, lá no fundo tinha uma foto minha e de Abadias numa colina linda, estávamos sorrindo, aquele foi o último dia que o vi, todas as lembranças daquele dia fizeram com que eu me debulhasse em lágrimas.

Por que me abandonou?

Tentei expulsar aquelas lembranças da minha mente, eu nunca mais iria chorar por ele e por ninguém, estava sozinha, então tinha que crescer. Desde que ele se foi me aproximei mais de Hamim, pois Abadias nunca deixava ele perto, dizia que era do mal e eu ria disso.

"Não quero você perto desse tal de Hamim."

"Por que? Nos conhecemos desde o tempo do colégio."

"Ele não é mais o mesmo menino do colégio."

"Não precisa disso tudo Abadias."

"Precisa sim! Fique longe dele porque ele é do mal."

Ele sempre estava lá para me defender e proteger do mal, mas fiquei sozinha e me sentia cada vez mais deprimida, com o peso das sombras nas minhas costas, estavam por toda parte e eu não conseguiria sem ele.

Desci as escadas devagar ainda de pijama, e a cada passo algo dentro de mim dizia pra não me aproximar, que aquilo tinha uma presença maligna. Ouvi passos indo para o escritório do meu pai, não era a empregada pois ela limpava o escritório cedo.

Não vai até lá Samira.

Meu subconsciente gritava, mas naquele momento minha curiosidade foi maior, dei passos largos e silenciosos. Quando finalmente cheguei em frente a porta, ouvi vozes que por sinal eram dos meus pais e também tinham outras vozes que eu não conhecia, mas a que mais me chamou atenção foi uma voz de um homem, era profunda e rouca como se tivesse fumado tanto cigarro e as cordas vocais estivessem danificadas ou como lixa passando em ferro, horrível, e ele não parecia nada contente.

Coloquei o ouvido perto da porta para escutar melhor a conversa, eu sabia que era errado, mas tudo aquilo me intrigava muito.
__ Tudo já está pronto e não quero mais saber de desculpas. _era o fumante que dizia.
__ Mas mestre, ela não está pronta, sua alma ainda erradia luz. _era minha mãe falando.
__ Não me importa, no seu aniversário de dezesseis anos faremos o ritual para fecundar nosso senhor, então espero que ela esteja pronta.
__ Sim mestre. _meus pais responderam juntos.

Do que eles estavam falando? Que ritual era esse?

__ Quando decidiram pedir um filho deviam ter pensado antes. Esse é o preço que terão que pagar, ele deu ela pra vocês e agora nosso senhor a quer de volta para ser sua incubadora.

Ai meu Deus era de mim que eles estão falando, eu não acredito que eu nasci pra ser do mal.

Saí correndo dali para que não me vissem, fui direto para o jardim sentir um pouco de ar puro e tentar associar bem as palavras que havia escutado. Eles planejavam fazer um ritual comigo, e tinha certeza que não seria nada agradável, e os meus pais estavam envolvidos nessa história toda, eles não podiam fazer aquilo comigo e sem o Abadias por perto eu sentia que cada vez mais minha alma entrava na escuridão e eu não conseguia fugir.

Quando cheguei no jardim, respirei aquele ar puro e senti o sol aquecer meu corpo gelado, comecei a sentir tontura, minha visão ficou turva por conta das lágrimas, tudo girava e caí inconsciente no meio do gramado.

Acordei e a primeira coisa que vi foi o rosto da minha mãe com uma expressão preocupada.
__ Onde eu estou? _falei com um pouco de dificuldade.
__ Está no seu quarto filha.
__ O que aconteceu?
__ Você desmaiou no jardim, o doutor Sebastian disse que você está desidratada e a exposição ao sol fez com que passasse mal. _sua expressão suavizou-se. __ Ele já te medicou e vai ficar tudo bem, mas não pode mais sair no sol.
__ E a escola? Como vou à escola?
__ Enquanto estiver em recuperação em casa, terá professor particular. _ ela me olhou com ternura passando as mãos nos meus cabelos castanhos que pareceu perder todo brilho.

Eu nunca fui uma menina considerada bonita, mas tinha orgulho das minhas madeixas castanhas que brilhavam ao luar, mas depois que ele se foi a chama que existia dentro de mim se apagou, Deus se apartou de mim.
__ No que está pensando Bela? _minha mãe sempre me chamava assim, porque era nossa história favorita, ela lia todas as noites para mim, até que um dia tudo mudou inclusive minha mãe doce e amável.
__ Queria o Abadias perto de mim. _choraminguei.
__ Não acha que está velha demais para amigo imaginário?
__ Ele não é imaginário, é real, é um anjo enviado por Deus para me proteger.
__ Anjos não existem querida! E não vai poder sair hoje, ordens médicas. _beijou minha cabeça e saiu do quarto.

Fiquei ali parada por um bom tempo olhando para o teto, pensando na vida sem sentido que era a minha, desde criança eu podia ver coisas sobrenaturais e muita vezes aquilo me assustava muito, mas eu tinha o Abadias que sempre estava lá para cuidar de mim.

Mas eu estava só e seria uma incubadora para um ser do mal e tinha toda certeza que era do mal, de repente meu telefone tocou me despertando dos pensamentos, era Hamim.
__ Diga lá Hamim?
__ Ei Samira vai rolar uma festa no casarão do sul, vamos lá?
__ Não posso, estou de cama, não posso me expor ao sol.
__ Mas a festa é de noite, toda a galera vai estar lá! Deixa de moleza mulher. _pensei um pouco.

Não vá, pode ser perigoso.

__ Eu vou! Vem me buscar, estacione o carro no portão dos fundos. _naquele momento eu seria dona do meu destino.
__ Tá bom! Te pego às sete. Até mais tarde?! _desligou.

Fiquei mais um pouco na cama para me sentir melhor e acabei ficando a tarde toda, almocei na cama mesmo, ordens da minha mãe. Aquilo que o fumante que eles chamaram de mestre disse parecia que tinha afetado meus pais porque fui o centro das atenções naquele dia.

Quando deu seis e meia comecei a me aprontar, tomei banho, vesti uma roupa bem colada, uma calça legue verde limão, uma camiseta escrita: odeio minha vida, botas de combate, minhas favoritas e um casaco de pele, deixei o cabelo solto, não usei maquiagem e estava pronta para festejar.

Saí de fininho pelos fundos ao encontro de Hamim que me esperava na sua caminhonete.
__ Vai pegar quem hoje gata? _ele me disse com um sorriso malicioso.
__ Não estou afim de pegar ninguém, só curtir a música e as bebidas.
__ É isso aí, vamos nessa. _entrei no carro e fomos curtir a noite.

Dinael_ Entre Anjos e DemôniosWhere stories live. Discover now