Capítulo 2 - Predador

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As bolhas subiam dentro do copo, grudavam no vidro e era a única coisa que eu conseguia acompanhar com os olhos. O restante estava embaçado, rodando num caleidoscópio meio errado e torto. Cada barulho mais alto ou risada que algum caminhoneiro maldito dava por perto fazia minha cabeça zunir.

A voz do narrador do jogo transmitido na tevê era enjoativa e tediosa, ainda mais no estado em que me encontrava naquele começo de sábado, vigiando as pastilhas brancas dentro do copo d'água e torcendo para elas se dissolverem rapidamente. Estava tão concentrado em não sentir dor que não acompanhei o movimento de entra e sai do lugar, nem escutei uma só palavra que a coitada da garçonete veio me dizer. Apenas ergui a mão e fiz um sinal de que estava bem. Ela devia entender.

Ajeitei os óculos escuros e empurrei meus cabelos pra trás. Pela forma que a moça se afastou da minha mesa, minha situação devia estar das piores. E realmente estava.

— Pelo amor de Deus, Foxx! Você está péssimo, cara!

Eu teria notado. Se não fosse pelos óculos escuros ou pela dor que pressionava meu crânio contra o cérebro, com certeza teria percebido quando Jack se aproximou devagar. Mas naquele estado eu era uma presa fácil até mesmo para meus amigos.

— Bom dia pra você.

— De ressaca num sábado de manhã? Como eu queria ter sextas como as suas, meu camarada!

Jack não era o tipo de pessoa que se importa muito com bons modos. Esticou a mão e num golpe apanhou meu maço de cigarros e ficou com a outra mão dedilhando o ar, esperando que eu entregasse o isqueiro.

— Achei que tinha parado de fumar...

— E estou parando...  Enxaqueca. — apontei minha cabeça e entreguei uma caixa de fósforos para ele. Jack torceu o nariz pro meu modo arcaico de acender cigarros. Sempre perdi meus isqueiros.

— Analgésicos? — apontou com os olhos pro copo fervilhando diante de mim.

— E antiácidos.

— Você devia parar de beber também, Foxx. — riu, soltando fumaça para o alto e jogando os pés na cadeira do lado. A garçonete lançou um olhar de esgueiro pra Jack, como se ele se importasse. — E definitivamente parar de fumar. Cara, você está acabado!

— Se continuar me elogiando, vou achar que está afim de mim, Jack. — Apertei a testa com os dedos e ergui o copo borbulhante em um brinde. Não era o tipo de bebida que alguém gostaria de me acompanhar, mesmo estando em uma lanchonete de beira de estrada. Virei de uma vez e era amargo, fazia cócegas na língua. Como alguém poderia gostar de tomar algo assim? — Bléca.

Minha careta arrancou uma risada de Jack e no meio de tanto riso ele ainda encontrou um jeito de se esticar todo e pegar um cardápio da mesa de trás. Passou os olhos pelas folhas, pareceu interessado em alguma coisa em particular e depois ergueu a mão, chamando a garçonete.

— Oi, gracinha. Olha me faz alguns ovos, bacon bem torradinho, pode trazer algumas torradas e um chá bem forte, tá legal?

— Seu amigo vai querer algo? — Não sei de onde ela tirou aquela pergunta, já que eu estava deitado com a cara na mesa, o nariz bem escondido entre meus braços pra ver se conseguia evitar que qualquer raio solar tocasse na minha cara. Como minha cabeça doía!

— Traz um expresso duplo pra ele, sem açúcar. Valeu, gracinha.

Jack ficou em silêncio depois que a garçonete saiu. Pelo jeito ele estava escutando o placar do jogo que ainda passava naquela televisão minúscula pendurada na parede por trás do balcão. Dava pra escutar perfeitamente quando ele crispou a boca com um lance qualquer, xingando baixinho e quase batendo a mão na mesa. Suspirou devagar e baforou a fumaça pra direção da janela aberta antes de voltar a falar comigo.

LavandaWhere stories live. Discover now