Capítulo 8 - Arlequim

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Meu papel naquele ato tinha terminado e não conseguia encontrar Frank no público. Nossos olhos tinham se esbarrado algumas vezes, discretamente entre falas e gestos da peça, mas agora que podia localizá-lo e ver sua reação com a atuação ele simplesmente havia desaparecido.

Talvez ele não gostasse de Shakespeare ou a atuação estava tão desengonçada e amadora que o tédio era grande demais para mantê-lo de pé diante da tortura. Não posso culpá-lo por isso.

Quando as considerações finais da peça foram feitas e o publico ovacionou com sorrisos e assovios, tornei a pesquisar um olhar conhecido, mas foi novamente em vão. O que eu esperava? Não poderia obriga-lo a ficar ali, aquele homem já estava envolvido demais em problemas para estender sua própria atuação a um nível tão grande.

Mas a quem eu queria enganar? Alguma coisa bem no fundo do meu ser desejava profundamente que a atuação do advogado fosse apenas um pretexto agora, que ele estivesse ali não apenas para proteger sua "pata dos ovos de ouro", mas talvez... Por outro motivo.

Um dos alunos apanhou minha mão e afastou meus pensamentos. Entre tantos sorrisos fomos à frente do palco e agradecemos os aplausos daquelas pessoas. Todos estavam radiantes, a peça tinha saído perfeitamente bem e quando deixamos o lugar e descemos as escadas para trás das cortinas, todos explodiram em alívio e orgulho.

— Foi perfeito, Madame Gabrielle! — a jovem Clarice apertou minhas mãos, corada entre suas sardas enferrujadas.

— Eles gostaram! Deu tudo certo! Vocês foram maravilhosos, parabéns!

— Graças à senhora — Monsieur Daimes beijou meu rosto e como se tivessem concordado em uníssono, rumaram todos pela saída estreita por trás do palco, para abraçar seus familiares e receber os parabéns dos mais íntimos.

Algumas pessoas vieram me cumprimentar e agradecer pela minha dedicação. A sensação de trabalho cumprido era realmente maravilhosa e me senti ainda mais feliz quando encontrei os sorrisos de Vincent e Jeane no meio dos alunos.

— C'est magnifique, ma chére! — Vincent me abraçou forte e deixou um beijo em cada uma das minhas bochechas, me fazendo rir.

— Você está linda. Uma verdadeira fada! — Jeane me fez dar uma voltinha, apenas para o vestido rosa esvoaçar e ficou passando os dedos pelas asas de papel translúcido e purpurina.

— Pensei que vocês não viessem!

— Nos atrasamos, mas conseguimos assistir uma boa parte. — Vincent suspirou, ajeitando uma boina engraçada no topo da cabeça.

— Se você tivesse decidido logo com qual chapéu aparecer, teríamos chego na hora certa — Jeane bufou, soprando a franja grisalha que mal saia do lugar e passando os braços ao meu redor. — Mas não importa. Agora vamos comer alguma coisa e comemorar o seu sucesso!

— Sucesso? — dei uma longa risada. Estavam exagerando.

— Mas claro! Você se esforçou e agora merece comemorar. Um bom vinho, alguns petiscos... —Vincent suspirou.

— Não, não. Nada de vinho por um bom tempo, obrigada — me desvencilhei deles, caminhando de volta para trás do palco. — Vou pegar minha bolsa, tirar essas asas e podemos comer algo. Mas sem vinho!

— Tudo bem. Tudo bem — riu, erguendo as mãos e se rendendo.

Deixei os dois para trás e não me senti tão animada em comemorar quanto eles pareciam. Ainda sentia meu estômago revirar de pensar em um simples gole de vinho, além do intenso arrepio que passava pelas minhas pernas em lembrar as consequências que a bebida havia me causado na noite anterior. Céus. Não poderia beber de novo.

LavandaWhere stories live. Discover now