IV

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Foram longos os meses transitando pela Ásia e de contatos com Arthur e Álvaro. Não havia conseguido nada de concreto até então, só um jogo de porcelanas da dinastia Shang, seu chefe odiou a ideia, mas era melhor que voltar de mãos vazias.

A primeira pista de verdade só surgiu depois de um ano e meio de buscas. No mercado em um vilarejo da fronteira de Laos, Myanmar e Tailândia. Dentre os cobertores e lençois expostos, um deles tinha um símbolo - uma letra. uma palavra – que também estava no título do texto que o Arthur não conseguiu traduzir. David pediu para o interprete falar com o vendedor e saber mais sobre o sinal.

O vendedor, um ancião com olhos muito vivos e fala rápida, explicou que aquilo estava esculpido numa rocha no meio de mata aos arredores de Loikaw.

Entrar em selvas desconhecidas era uma ideia tão estupida que nem o guia aceitou acompanha-lo. O garoto ficou no hotel, e ligaria para o Álvaro caso David não voltasse em um ou dois dias. Talvez o menino fugisse, roubando a bagagem assim que ele virasse as costas, não era a primeira e nem a ultima vez que uma coisa assim aconteceria.

No matagal, o ar era quente, quase pegajoso de tão úmido. Provavelmente havia pântanos além da vegetação densa.

A noite veio rápido, e as pilhas da lanterna não deram conta do recado, e as copas das árvores eram tão cerradas que não dava sequer para ver o mostrador da bússola, tamanha era a escutidão. Teria que esperar amanhecer para sair dali, e voltar outro dia para procurar a tal da pedra.

É provável que fosse madrugada quando Davis começou a ouvir o som de água corrente e sapos coaxando. Um rio? Como não tinha percebido antes? Tateado pelos troncos, foi em busca dele.

A caminhada durou poucos instantes e logo ele avistou uma clareira, nela um rio iluminado pela luz do luar. Tinha algo mais. David deixou a bússola e a lanterna escorregarem instantes antes de também cair de joelhos. Com vontade de gritar para soltar o ar preso em seus pulmões, esteve próximo de desmaiar diante do que via.

Na beira do lago, sentado sobre os joelhos, um ser parecia meditar ao som da água. Estava nu e tinha traços físicos de um homem. A criatura possuía cabelos longos que tapavam boa parte do corpo e do rosto esquelético com nariz aquilino; por toda a extensão da testa até a nuca, finas linhas eriçadas com plumagens apontado para o céu formavam uma reta; e das costas, por debaixo do cabelo, surgia uma longa cauda, semelhante a um vestido de noiva, se estendendo pelo gramado: chegando mais perto, era possível perceber que era feita de penas. Tudo naquela figura, desde os dedos finos até a pele e as plumas, eram do mais intenso branco.

O ser continuava imóvel e David, em choque.

- Ainda há vaga-lumes, não os escuto mais? – perguntou, com uma voz suave e calma.

- Você é o pavão? – gaguejou David.

- Sim, sou – respondeu, abrindo os olhos sem pupilas. O Pavão Branco é cego – poderia me falar sobre os vaga-lumes?

- Não, não há nenhum. Sinto muito. Por que fala minha língua? Você é humano?

O Pavão levantou o braço por debaixo do cabelo, deixando a mostra uma pequena mariposa que estava pousada sobre os fios.

- Para ela, também me pareço e falo como uma borboleta da noite.

O Pavão era a forma mais bela que David tinha visto em toda sua vida. Algo remetia a safiras brancas polidas e seda nobre.

- Vim aqui para levar você para outro lugar, há pessoas que querem te conhecer.

- Ainda não devo voltar. Não é o momento certo.

Algo berrou dentro de David sobre não questionar a criatura em hipótese nenhuma.

- Está na hora de você ir embora – continuou a ave – siga pelo rio e ao amanhecer, estará fora da floresta.

- Obrigado pela informação. Você ficará bem aqui, sozinho?

- Não estou só.

David tirou a jaqueta e a estendeu em direção ao pássaro.

- Pegue, sabe usar? Não é da sua cor, mas pode servir quando esfriar, ou pode enrolar e fazer de travesseiro.

O Pavão ficou algum tempo concentrado, apalpando o tecido, então colocou a peça de roupa sobre o colo.

- É muito gentil. Devo retribuir – disse o Pavão, arrancando uma pena de seu rabo – tome, leve com você.

David agradeceu o presente e foi embora.

A DançaWhere stories live. Discover now