Capítulo II

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"A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos."

(Cícero)

" Me lembro como se fosse ontem mesmo, penúltimo dia do feriado prolongado de 7 de setembro, data gloriosa para a pátria brasileira. A praia estava lotada, para ser sincera, estava transbordando de carros com o som ligado no último e pessoas que andavam com suas cervejas nas calçadas, nas ruas, nos acostamentos.

Estava com minha guardiã legal e sua amiga (que chamaremos de Elise), o filho dela Peter, amigo meu irmão (não do mesmo sangue). Tivemos coragem o suficiente para ir até o centro e comprar biquínis e sungas, em uma antiga lojinha que ficava à beira da rua principal, coincidentemente também à beira da praia, onde encontrava-se barraquinhas de tererê, de bijuterias e artesanatos.

A lojinha tinha o tamanho de dois cômodos, de um lado em uma estante abarrotada de roupas de banho e saídas de praia penduradas pelas paredes, do outro, enfeites e lembrancinhas, todas feitas à mão.

Minha mãe, Elise e eu entramos na lojinha. Tinha 12 anos de idade, faltava apenas 16 dias para completar 13 anos, e apenas mais 5 anos até o glorioso dia em que completaria 18 anos. Minha fisionomia não era a das mais belas, sobrancelhas grossas, buço a ser feito, cabelos marrons até a cintura, 1.60 de altura e 62kg (sim estava gordinha). Não me preocupava ainda com minha aparência nem um pouco feminina, muito menos com meu corpo que já era de uma mulher, era apenas uma menina de 12 anos, que cursava a sétima série, e que tinha ainda muito o que sorrir sem nenhum trauma, sem nenhuma lembrança ruim.

A lojinha fervia inicialmente de mulheres, pois não encontrávamos nem um pedacinho de balcão para vermos as peças, mas aos poucos elas foram indo em bora, e os garotos em seus 14, 15 anos, no início de sua puberdade entravam na loja. Com seus olhares maliciosos e curiosos.

Agora vejo e percebo, mesmo que com alguns borrões na memória, que até quando somos crianças, nós mulheres, somos vítimas, somos perseguidas pelos desejos desenfreados que são ditos como essenciais, pelos olhares que são ensinados como gloriosos pelos pais. Realmente... Estamos perdidos, ou melhor, perdidas.

Finalmente, ao custo de muita enchição de saco por parte de minha mãe e Elise, pego dois biquínis para experimentar. Um amarelo e outro... Não me recordo a cor. Bom isso é o de menos.

Existiam dois vestiários, muito precários, encostados no canto esquerdo da loja, onde o mofo subia aos poucos pela parede de cor verde. Sempre gostei dos vestiários que ficam nos cantinhos, bem ao fundo, me sentia à vontade, sem ter que me preocupar demasiadamente.

Vou até o do canto e encontro tapetes, tecidos, e um balde cheio de embalagens, todos dentro do vestiário, fico frustrada e decepcionada, e vou em direção ao outro vestiário. Entro nele e percebo que não há tranca. Mas onde já se viu um vestiário em uma loja com tamanho sucesso não ter uma tranca?!

Saio de lá inconformada e falo a minha mãe em seu ouvido, ela me diz calmamente que vai ficar do lado de fora, que eu poderia ir tranquila. Vou até o vestiário confiante de que minha mãe iria me proteger, ela vai atrás de mim. Entro no vestiário e encosto a porta.

Começo a me despir até ficar nua, porque não dá para se ver se um biquíni realmente ficou bom se você realmente não o experimenta, mas nem a pau eu iria mostrar, eu iria fazer minhas próprias decisões. Aliás, era meu corpo, meu gosto, era eu.

Não gosto do primeiro, ficou apertado e fez com que minhas gordurinhas caíssem para fora. Não gostava do meu corpo, de como ele era, não me importava muito durante o dia a dia, escondia minhas costas tortas com meu cabelo grosso e escorrido, e escondia meu corpo com camisetas e calças largas... Tentava gostar do que eu odiava mais em mim... Eu mesma.

Chuva De MeteorosWhere stories live. Discover now