Capítulo VI

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"A única função do tempo é consumir-se: ele arde sem deixar cinzas."

(Elisa Triolet)

E quando me dei conta, o ano letivo já tinha acabado, os vestibulares já tinham passado, mas as lembranças permaneciam intactas em minha mente. Nítidas, vividas, naturais... Nunca distantes ou nostálgicas o suficiente.

Durante o sono, sonhos repetidos se formavam como padrões. Em dias de stress e desespero, Mackenzie aparecia me abraçando e repetindo em tom de sussurro: "Vai ficar tudo bem. Estou aqui". Em outros quando me afundava no controle automático, totalmente inócua e inexpressiva me via em um quarto negro descendo uma escada branca, e de repente caia, em direção a escuridão.

Durante o dia, meu inconsciente me cegava levando-me as memórias mais magicas, e tranquilizantes o possível.

Ignorava meu passado, minha dor, minhas lágrimas. Mas meu cérebro me mostrava os pequenos detalhes, tentava fechar o buraco que havia se aberto em meu interior, pois já não conseguia mais olhar para a rua sem ler as mentes, as pessoas... Invadia e invado todos que me eram possíveis, sem querer. É automático, é instintivo.

- Você é esperta demais para alguém que só tem 16 anos - diz a psicóloga curvando-se com as mãos apoiadas nos joelhos - Esperta demais... - repetiu examinando-me como um rato de laboratório.

Senti um calafrio subindo-me a nuca, precisava sair dali. Ela definitivamente não me ajudaria a lidar com o meu passado, me testaria e examinaria, como cientistas fazem com cobaias, como sociopatas fazem com seus brinquedos.

Não queria mais ser um mero instrumento de entretenimento.

Depois de me dizer coisas óbvias demais como: "você nunca soube o que é autoestima"; " sua família te rejeita"; " você só vai conseguir ser feliz a hora que sair daquele lugar" e " você não tem mais emocional para nada ". Fui embora para minha 'casa', deitei-me na cama e olhei para o teto.

Exausta. Exausta por fazer meu cérebro funcionar a mil por hora, defendendo todos os muros que construí para ninguém entrar e perceber que não havia restado mais nada de mim mesma a não ser uma pequena luz cálida embaixo da cama.

Tinha perdido tudo.

Às vezes via as pessoas em suas casas e me perguntava se algumas delas eram iguais a mim, se algumas delas sentiam o mesmo que eu. Se todos eles pensavam em dormir para sempre, viver num sonho que nunca seria verdade, nos braços de seu amado para a eternidade. Um conforto tão ilusório quanto a finitude de um arco-íris.

Me perguntava se alguns deles também fechavam os olhos e repetiam para si mesmos que aquilo iria passar, e se não passasse nós iriamos.

Tudo o que me restou foram as minhas cinzas e todas as nossas memórias.

Chuva De MeteorosWhere stories live. Discover now