It's a...

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Acordei de manhã, me sentindo disposta, tirando a dor que sentia no corpo.
Entrei no banheiro do quarto e olhei no espelho, pela primeira vez em dias. Minha olheiras estavam enormes, meu rosto estava arranhado pelo acidente e meu cabelo estava esquisito. Tentei pentear, mas foi difícil com a mão esquerda.
- Deixa pra lá. - falei comigo mesma - Desisto.

Saí do banheiro, e encontrei minha tia no quarto.
- Oi, kat. - me deu um beijo.
- Oi. - me sentei na cama.
- Como você se sente hoje? Tá melhor psicológica e fisicamente?
- É. - falei dando de ombros - Na mesma. E vocês dois?
- Nós estamos bem. - disse e colocou a mão na barriga - Temos uma consulta hoje, talvez hoje saberemos se é uma menina ou um menino. - sorriu - Eu tô tão ansiosa. - falou se jogando na poltrona, perto da porta.
- Você vai vir pra cá depois?
- Sim. Eu venho te contar pessoalmente.

- Sinto saudade do meu celular. - falei após passar toda a manhã assistindo Animal Planet.
- O que aconteceu com o seu? - Anna perguntou.
- Tava no carro, quando a gente sofreu o acidente. À essa hora ele deve estar todo despedaçado. Coitado. - falei pensativa.

Mais tarde a médica que fez a operação na minha mão passou no quarto pra me ver.
- Como está a sua mão? - perguntou.
- Dói, e eu estou sofrendo, porque eu sou destra. E é bem difícil usar a mão esquerda.
Ela fez todos os teste no meu braço e na minha mão.
- Tenho duas notícias pra você. Uma boa e uma que não é tão boa assim. Qual você quer primeiro?
- A boa.
- Da pra ver que sua mão está cicatrizando bem e que não tem infecção, o que é muito bom.
- E a ruim?
- A ruim é que normalmente o gesso só é removido após 4 a 6 semanas.
- Sério? - perguntei e ela concordou com a cabeça.
- E. - completou - Você vai ter que fazer fisioterapia.
Vi que a expressão de incredulidade era clara em meu rosto quando ela começou à rir.
- Eu sei, é difícil. Mas o tempo passa rápido, acredite. Sei por experiência própria. Agora eu tenho que ir, a gente se vê. - acenou e saiu do quarto.
- Tchau. - disse.

Depois que ela foi embora, voltei à assistir televisão, passei pelos canais até que encontrei o canal que passa CSI. Assisti por algum tempo e acabei adormecendo.

Acordei quando minha tia e o Rick chegaram.
- E então. O que é? - perguntei animada pela primeira vez àquela tarde.
- É um menino. - minha tia falou e seus olhos lacrimejaram.
- Parabéns! - exclamei pulando da cama para abraça-los.
- Obrigado, kat. - ela disse e me abraçou forte.
Nos separamos, e olhei pra eles limpando as lágrimas que insistiam em cair.

E naquele momento eu notei que era a primeira vez que eu estava frente à frente com o Rick, desde o acidente em que eu acordei, mas o filho dele não. E isso me fez sentir culpada. Muito.
- Eu vou lá. - ele disse e saiu do quarto.

- Ele tá feliz. - minha tia sentou na cadeira ao meu lado - Mas está triste, igual à mim e igual à você.
- É, é inevitável. - falei olhando o chão. - Você já foi ver ele?
- Já, a Anna me levou lá ontem. E me obrigou à ir de cadeira de rodas. Segundo ela, eu não deveria nem sair da cama. Eu fiquei um tempo lá, chorei como se não houvesse amanhã, inclusive.
- Não tem como evitar. - concordou comigo - Quando eu vi vocês pela primeira vez depois do acidente, passei à noite toda chorando. Foi terrível, nem sei como eu estou conseguindo suportar essa situação novamente.
- Ele parecia tão sem vida. - falei em um sussurro - Como a mamãe, antes de ir.
Ela me olhou com uma feição triste e desviou seu olhar pra janela.
- E o pior é que eu tô tão cansada de chorar. - falei me levantando e andando pelo quarto - Eu não aguento. Eu não aguento mais sofrer, e perder as pessoas que eu amo. Isso é insuportável, e me faz querer gritar. - eu disse em um desabafo - Lembra minha mãe, como ela costumava acreditar em Deus? E que ele fazia milagres?
- Sim, eu lembro.
- Pois eu não acredito nele. Você acredita? - perguntei ainda andando pelo quarto. E ela balançou negativamente a cabeça em resposta.
Olhei para o céu da janela.
- Se você realmente existe. Igual minha mãe acreditava. Essa é a sua hora de agir. - cruzei meus braços - Não leva ele, igual fez com os outros, levou meu pai e minha mãe. Se está aí como dizem que está, ou é bom como dizem que é, você não pode e não vai levar mais uma pessoa que eu amo.

Passado o momento, da raiva, me sentei novamente da cama, e vi minha tia.
- Desculpa por isso. - falei ao ver sua expressão.
- Eu entendo. Quando vocês estavam no hospital, aconteceu o mesmo comigo.

- Eu vou ver ele. Você vem?
- Sim. - falei caminhando em direção à porta, acompanhando ela.

- Sinceramente, eu não aguento ficar mais um dia nesse hospital. - eu disse enquanto passávamos pelo corredor.
- Infelizmente você não pode sair enquanto não receber alta.
- Af. - falei - Queria pelo menos meu celular, pra tornar esse lugar suportável.

Entramos no quarto dele, e vimos o Rick sentado ao lado da cama.
- Como ele está? - perguntei para a enfermeira que estava no quarto.
- O ferimento no baço, está cicatrizando bem. Ele está bem no geral. Mas...
- Mas ele não acordou. - completei. E ela concordou, após um tempo saiu e nos deixou sós.
Nós três ficamos em silêncio, naquele momento não havia algo certo à ser dito. Sabíamos que estaríamos um disponível para ajudar e apoiar o outro. E isso era tudo.

Mais um dia se passou, fiquei à tarde inteira junto à sua cama, cantando e conversando com ele, mesmo sem receber uma resposta.

Dormi cedo, e na manhã seguinte levantei com minha intuição martelando, ela me dizia para correr para o lado dele o mais rápido possivel. Fui para o quarto e antes mesmo de entrar, percebi uma movimentação estranha.
Abri a porta, e vi algumas enfermeiras ao redor da cama, meu coração acelerou no mesmo segundo, logo elas saíram, me dando a visão mais linda do mundo.
- Oi, encrenca. - falou, me fazendo rir e chorar de alegria ao mesmo tempo.

Era Pra Ser (Completo)Where stories live. Discover now