Capítulo 16

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Abri meus olhos um pouco desnorteada, não sei em que parte da história eu dormi, me lembro apenas do meu irmão falando algo sobre uma caverna amaldiçoada e acho que fadas, o garoto tinha tanta imaginação quanto eu para histórias. Não voltei a sonhar mais, o que de certa forma eu achei muito bom, meu irmão já não estava mais ao meu lado e o sol da manhã escapava pela abertura da cortina, mostrando que já devia estar tarde. Joguei as cobertas de lado e deslizei para fora da cama, meu corpo estava um pouco dolorido, então fiz um pequeno alongamento escutando todos os meus ossos estalando.
Quando estava pronta para sair do quarto a cabeça de Marisol se espreitou por uma fresta na porta, ela deu uma rápida olhada pelo cômodo e sorriu quando me encontrou olhando para ela.
-Oi. - falou baixinho.
-Oi. - respondi.
-Estranhei quando não te encontrei na cama e quando encontrei seu irmão no corredor ele falou que estava aqui.
-Eu... tive um pesadelo e ele foi me acordar, não consegui dormir depois disso. - falei passando a mão no cabelo.
Sol abriu um sorriso compreensivo para mim e só então notei o quanto seu rosto parecia pálido.
-Eu também tive. - falou.
-Com o que você sonhou? - perguntei.
Uma sombra caiu sobre seu rosto como se ela tivesse lembrado de algo desagradável e sorriu para mim assim que notou que eu tinha percebido.
-Esse é um assunto pesado demais para se ter quando nem se tomou café da manhã.
Sorri para ela e sai do quarto do meu irmão indo em direção ao meu, eu sinceramente não estava com fome, na verdade não tinha vontade nenhuma de comer. Entrei no banheiro e tomei um banho rápido, mesmo depois de horas eu ainda sentia as sensações daquele sonho grudados na minha pele. Escovei meus dentes, penteei meus cabelos e escolhi uma roupa qualquer, meu exercício de hoje era o de não pensar em nada. Marisol estava sentada na cama trocando mensagens, ela já estava pronta e pelo milagre que possa parecer, não estava usando maquiagem, algo que muito raramente acontecia.
-A Ale está perguntando se você vai ao enterro. - falou meio hesitante assim que sai do banheiro.
-Eles já arrumaram tudo? - perguntei um pouco surpresa.
-Parece que a noite foi bem agitada. - falou sem olhar para mim. - A cerimônia vai ser na igreja e logo depois vamos para o cemitério,
Assenti olhando para a janela.
-Fala para ela que nos encontramos lá.
Quando descemos para o café a casa toda estava em silêncio, meus pais e minha irmã já estavam arrumados para sair. Meu pai vestia um terno preto que eu só o tinha visto usar uma vez a muito temo atrás, minha mãe estava de calça e camisa preta, ela não era a maior fã de vestidos, e Stephanie vestia um vestido preto que eu nem mesmo sabia que ela tinha, os únicos que não estavam prontos eram meu irmão, Marisol e eu, ao que parecia eles tinham acordado pouco antes de mim. O café foi silencioso, não havia conversas ou risos e ninguém parecia disposto a mudar isso.
-Querem que esperemos vocês? - perguntou minha mãe quando já estava pronta para sair.
-Não precisa, mãe. - falei com um sorriso forçado. - Nós vamos no meu carro.
Ela deu um beijo na minha bochecha quando passava do meu lado.
-Nos encontramos lá, querida.
Assenti para ela que logo foi em direção a porta da garagem junto com minha irmã, o diálogo não estava sendo um dos nossos pontos fortes hoje. Assim que escutei o barulho do carro subi as escadas indo para o meu quarto, eu nem sabia com que roupa deveria ir, não me lembrava a última vez que tinha ido a um enterro. Vasculhei meu armário até encontrar um vestido preto simples, ele ia até a altura dos joelhos, era todo fechado na frente e atrás não tinha nada de especial, as únicas coisas mais chamativas eram como ele marcava minha cintura e os detalhes na gola e na barra com uma telinha transparente. Peguei um par de sapatilhas também pretas e coloquei tudo encima da minha cama, isso iria servir.
Eu estava terminando de colocar o vestido quando Marisol entrou, ela girava o celular uma pouco nervosa.
-Amiga, minha mãe veio me buscar. - falou. - Eu não tenho nenhuma roupa aqui, então nos encontramos lá, ok?
Mesmo que ela não tivesse verbalizado eu via a pergunta em seus olhos, tudo bem se eu for ou você quer que eu fique? Sorri para.
-Tudo bem, a gente se encontra lá, mas antes... - me virei de costas para ela. - Da pra você me ajudar aqui? O zíper ta ganhando de dez a zero.
E pela primeira vez naquela manhã o som de risos preencheu a casa enquanto ela se aproximava de mim.
-Qual o seu problema com zíperes? - perguntou ainda rindo.
-Não é o meu problema com eles, - falei. - é o problema deles comigo.
Ela juntou as duas partes do vestido nas minhas costas e com um puxão firme deslizou o zíper até encima, parecia bem fácil quando você não tentava fazer isso sozinha.
-Pronto. - falou se afastando e me observando. - Este vestido é bonito, tem ele desde quando?
-A alguns meses. - falei alisando a saia. - Comprei quando Lesly me arrastou até o Shopping, acho que só usei uma vez.
-Bem, já que está tudo terminado, vou indo antes que a louca da minha mãe comece a buzinar.
Eu ri e me virei para ela.
-Obrigado. - falei enquanto ela me dava uma abraço.
-Que nada, amiga.
Ela se afastou, pegou sua bolsa ao lado da cama e saiu do quarto sorrindo para mim. Escutei a buzina do carro de tia Rose e sorri quando Marisol gritou para ela que já estava indo. Calcei minhas sapatilhas arrumando as palmilhas enroladas e fui para o banheiro, arrumei um elástico preto em uma das caixinhas que eu tinha no pia e fiz uma trança no meu cabelo, eu não estava necessariamente criativa e nem era a melhor em fazer tranças, então apelei para o básico, satisfeita com o resultado puxei ela de lado e sai do banheiro. Andei até a minha escrivaninha e abri a segunda gaveta pegando uma folha dentro das minhas pastas, com um pequeno sorriso olhei para o desenho no centro da folha, se eu tivesse tido tempo de entregar tinha certeza que Tâmara teria gostado, era o vestido de noiva dos seus sonhos.
-Já ta pronta, maninha? - perguntou meu irmão abrindo a porta.
-Estou sim. - falei dobrando a folha.
Sai do meu quarto fechando a porta e fui encontrar meu irmão na frente de casa, eu não estava a fim de dirigir então dei carta branca para ele. Não conversamos muito no caminho, a igreja também não ficava tão longe assim de casa, no máximo umas três quadras, o que realmente era longe é o cemitério, quase na saída da cidade. O estacionamento estava lotado, tinha tantos carros que meu irmão teve que estacionar a uma quadra da igreja em uma vaga minúscula que ainda me pergunto como ele conseguiu.
-Não imaginei que viria tanta gente. - comentou meu irmão.
-Um terço desses carros é da família dela, então não me surpreende. - falei.
Jake desligou o carro e se virou para mim com um olhar preocupado.
-Você quer mesmo ir? - perguntou. - Se não estiver bem para isso podemos voltar para casa.
Sorri de sua preocupação, ele sabia ser um irmão bem fofo quando queria. Segurei em sua mão dando um suave aperto.
-Eu to bem, Jake, sério. - falei o mais convincente que pude. - Além do mais, a Tamy era minha amiga... Eu a encontrei, tenho que me despedir de uma forma decente.
Ele apertou minha mão e desceu do carro, respirei fundo de olhos fechados, posso não ter ido a muitos funerais, mas a sensação que eu tenho é sempre a mesma, uma mistura estranha entre pânico, desconforto e sufocamento. Nunca tive medo da morte exatamente, mas algo em ficar em um lugar cheio de pessoas chorando e se lamentando, todo aquele ar de morte e dor, era claustrofóbico. Respirei fundo uma última vez e desci do carro, eu tinha que suportar isso, minha amiga merecia uma despedida.

Meu Último Suspiro - O início - Livro 1Donde viven las historias. Descúbrelo ahora