TRINTA E UM - Presenteia-me

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Darrell Moyer observava o sorriso bobo nos lábios de Kia com atenção, fazia dias que via uma sombra cobrir o olhar do rapaz e isso o preocupava, era a mesma coisa que tinha ocorrido depois da morte de Donna, mas agora a sombra desaparecera quase por completo. Ele estava, hoje pelo menos, com um adolescente normal. Estupidamente perdido em algum pensamento banal, mas de suma importância para sua sanidade de seu mundo próprio.

Darrell também sabia que Skye tinha um olhar parecido tempos atrás, mas ele havia ido embora, estava agora com uma expressão sempre preocupada, disfarçada entre os sorrisos e as frases de galanteio que sempre estavam na ponta da língua. Ele era prova que uma maçã não caia longe da árvore, era a cópia – ainda alegre – do seu avô.

– Não adianta comer rápido, Kia. Ele não vai a lugar nenhum que você não possa acompanhar.

Comentou Darrell sobre o que todos sabiam pairar no ar como se comentasse sobre o sabor do café ou do clima.

– O que?

Perguntou Kia confuso.

Era verdade. Ele ainda pensava no beijo. Tinha sido bem diferente do que esperava e principalmente do que conhecia. E um fervor estranho o aquecia desde então. Mas para sua sorte ou azar Zedd havia se transferido para escola na sexta-feira e agora ele tinha todo o fim de semana antes de encontrá-lo casualmente pelos corredores da Prescott High.

– Você tinha que ter vistos eles na festa de Halloween pai, ou ontem no vestiário. Kia está se saindo um belo devasso, devo acrescentar. Nosso filhinho está crescendo... Finalmente.

Skye comentou mordendo um croissant, gesticulando com as mãos em pura felicidade. Kia ficou vermelho automaticamente depois daquilo. Sentindo os líquidos em seu estômago borbulharem de nervoso e surpresa.

– Não foi bem assim.

Respondeu ofendido, tentando esconder o sorriso.

Darrell tomou um gole de café para esconder o seu.

Kia era muito discreto, sempre fora, e era difícil ele demonstrar ações tão normais para sua idade, e Darrell se sentia bem ao ver aquilo. Era um sinal de como aquela casa tinha se tornado um lar para ele. Lembrou de Ricky e como havia sido a infância dos dois. O irmão era dez anos mais novo, o que fazia só dez anos mais velho que aqueles rapazes. Ainda jovem o suficiente para se aventurar.

Ricky não era nada como Kia, era desinibido e um rebelde sem causas, mas com o passar dos anos na adolescência, desenvolvera uma sombra triste no olhar. E isso matava o irmão mais velho lentamente. Tinha sido Darrell a conseguir um emprego para Ricky em São Francisco e providenciou tudo para que ele se mudasse, até ajudou a pagar as contas nos primeiros meses, já que o pai dos dois tinha sido totalmente contra.

Ricky tinha dezoito anos e tinha sido reprovado na escola. Ele não ajudaria em nada. Mas Darrell sabia o porquê, era a tristeza de não poder ser quem nasceu para ser que eventualmente acabaria com seu irmão, e não qualquer fraqueza que seu pai via nele.

Hoje Ricky estava bem, e Darrell queria fazer o mesmo por Kia, e sentia bem ao ver como Skye tinha o mesmo pensamento. Eles eram como irmãos a vida inteira, e por causa disso Kia havia se tornado como um filho. E juntos, naquela mesa, ele tinha toda família que precisava reunida.

Dois filhos que amaria incondicionalmente e dois rapazes que o amavam da mesma forma.

E por um breve lampejo pensou na ex esposa, mordendo os lábios por dentro e deixando esvair o pensamento pelas bordas da sua consciência.

Véu dos Mundos, vol. I - Sangue CelestialWhere stories live. Discover now