Coisas do Coração

708 56 3
                                    

Sai daquela sala com a cabeça e o coração livres de qualquer dor ou culpa.  Senti que havia deixado tudo de ruim para trás e que apenas as coisas boas permaneciam intactas dentro de mim, criptografadas em minha alma. O meu primeiro beijo; a sensação de estar amando.
Também criei uma certa maturidade repentina que me permitiu refletir se o que eu sentia por Cristian era mesmo amor. Talvez eu devesse me permitir a tentar gostar de outra pessoa. Alguém que fosse capaz de me amar, sem medo ou culpa. Alguém como Leonato.
Após o ritual, Gabriel retirou-se e, nos deixou andar pelo paraíso livremente. Todos pareciam ter mudado com a experiência. Pietra parecia mais doce, mais serena. Sem aquela nuvem de mistério que sempre a cercava. Cristian parecia mais suave, e de vez em quando, um sorriso se insinuava em seu rosto. Leonato não mudou em nenhum aspecto, talvez porque ele já seja puro de coração. Eu estava sentada perto de uma amoreira, quando Leonato se aproximou para falar comigo.

- Olá.

- Oi.

- Tu... pareces diferente.

- Acho que estou mesmo. Você não sabe o bem que aquela sala me fez.

- Eu imagino. Tua alma está manifestando isso na tua pele. - Leonato tocou meu rosto.

- Só você para perceber esse tipo de coisa. - Sorri para ele.

- Só tu me faz perceber este tipo de coisa. - Disse ele em um tom romântico.

Nos entreolhamos e, pela primeira vez em muito tempo meu coração sentiu uma alegria renovadora pulsando, transformando todo o preto e branco da minha alma em um festival de cores. Leonato aproximou-se de forma gentil e, segurou minhas mãos entrelaçando-as com as suas. Ao aproximar seu rosto do meu, senti seu perfume de hortelã invadindo meus pulmões como uma brisa fresca e, aos poucos seus lábios macios tocaram o meu, transformando-se em um beijo cálido e suave. Beijá-lo foi uma das melhores sensações que já senti na vida. Era como se todos os seus sentimentos por mim, estivesse sendo transmitido através daquele simples gesto de afeto. Por alguns mínimos segundos, eu fiquei totalmente entregue àquele momento, até que Cristian invadiu meus pensamentos de forma insistente. Tentei parar de pensar nele, mas minha mente teimosa insistia em me levar até aquele dia no parque, onde demos nosso primeiro beijo. Droga, isso não é justo. Leonato não merece isso.
Me desvinculei de Leonato, e me afastei alguns centímetros.

- Algum problema? - Perguntou ele, confuso.

- Me desculpe. Eu acho que não estou preparada para isso.

- Tu, não gostaste é isso? -Perguntou tristonho.

- Não é isso. Eu gostei muito. Só que eu não sei se é o momento certo, entende?

- Entendo. Mas... Será que posso ter esperanças de que um dia este momento existirá?

- Talvez.. Eu não sei.

- Eu lutarei para conquistar-te. Para merecer o teu amor algum dia.

- Você merece todo o amor que uma mulher pode oferecer. Você é um cara incrível.

- Agradeço pelas palavras. É bom saber que tu pensas assim de mim.

Nos abraçamos e, Leonato se afastou me dando espaço para ficar com meus pensamentos. Pouco depois, Cristian se aproximou e sentou-se ao meu lado. Ele transmitia um olhar terno, que eu nunca tinha visto antes.

- Será que podemos conversar? - Perguntou ele.

- Claro.

- Eu só queria pedir desculpas. Por tudo.

- Você não tem do que pedir desculpas.

- Tenho sim. Eu sei que já te fiz chorar muitas vezes por coisas que eu julgava ser o melhor. Mas, eu percebi que eu só estava pensando em mim mesmo e na minha dor. Eu reprimia meus sentimentos e, estava agindo como um covarde. Me perdoa?

- Não Se Preocupe. Apesar de tudo, eu não guardo mágoas contra você.

- Que bom. Isso me deixa aliviado. - Seu olhar penetrou minha alma profundamente. Ele deu um beijo em minha testa e se retirou.

Sinceramente, eu esperava algo mais que um pedido de desculpa. Tinha esperança de que ele ainda me amasse como eu o amo. Porém, tudo que ele fez foi, se desculpar e Se afastar novamente. Deve ser por causa da Pietra. Para mim, ficava cada vez mais claro que os dois se amavam.
Os dias passaram voando. Leonato passava a maior parte do tempo treinando com a espada, e nas horas livres ficávamos conversando, admirando o jardim do éden. Pietra Já não parecia mais tão cheia de problemas ou rancor. Começamos até a ser amigas durante esse pouco tempo na terra dos anjos. Cristian também voltou a se aproximar de mim, e vez por outra trocávamos algumas palavras. Asfír já estava se acostumando a conviver com outras pessoas, além daqueles monstros comedores de carne que deixamos para trás. Ele e Pietra, pareciam ter ficado muito amigos depois que chegamos aqui.
No dia marcado de sairmos de lá, eu me encontrava bastante nervosa. Era hora de irmos até o último destino traçado pelo amuleto. A última arma que iria pertencer a mim, nos esperava no nosso último ponto de encontro. E então viria a grande guerra contra o nosso inimigo.

----------------------------------

Verificamos nossa única mochila e, vestimos nossas roupas convencionais. Gabriel, deu um abraço apertado em cada um de nós e, nos deixou em uma sala para que pudéssemos evocar meu amuleto sem que ninguém visse. Segurei o amuleto com firmeza e,  disse as palavras que nos levariam dali:

- "Em tempos de sol ardente, buscai água para refrescar."

Senti o meu poder saindo de mim, como um tsunami deixando o mar e invadindo uma cidade. Senti que havia muita água sobre mim, e meus pés começaram a flutuar. Um grande redemoinho começou a nos sugar de forma feroz e, prendi a respiração quando fomos tomados pela água a nossa volta. A água turva não me permitia enxergar um palmo diante do nariz e, comecei a nadar para cima em um ato desesperado. Ao chegar à superfície, notei que todos estavam emergindo de um lago cristalino, no meio de uma espécie de ilha deserta. Nadamos Até o raso e, saímos da água, sentando na areia branca e fina que ficava ao redor daquela piscina natural. O sol brilhante, porém ameno tornava o clima bem agradável. Uma espécie de conexão entre mim e o colar, me mostrava coisas que eu sabia que só eu podia ver. A arma, os perigos da ilha, tudo que eu precisava saber. Levei todos a um lugar seguro e, pedi que montassem a barraca ali perto. Uma chuva fina começou a cair e, eu me senti conectada a ela de tal forma que aquelas visões que a muito tempo eu não tinha, começaram a brotar na minha mente. Elas iam e vinham, até que uma se instalou na minha mente.  Era a mesma visão que tive quando toquei aquela fonte no jardim, da casa do Oregon, antes de tudo acontecer.

"Fechei os olhos e me encherguei em um lago sob a luz do sol, com meu corpo nu tomando banho calmamente. Uma mão suave tocou meu rosto, porém o sol forte não me deixou ver o rosto. Um beijo molhado foi depositado em meus lábios e uma voz doce me dizia palavras delicadas. Eu me sentia feliz. Acolhida. Amada."

Eu reconheci o lago da minha visão, como sendo o daquele lugar onde nos encontrávamos. Será que eu tinha mesmo previsto o futuro? Se for isso mesmo quer dizer que, eu de fato vou estar com um alguém nesse mesmo lago dentro de pouco tempo. Alguém que eu vou escolher para me entregar de corpo e alma. Entrei na barraca, ligeiramente perturbada com aquela visão. Eu sei exatamente quem eu amo mas, sei também que ele ama outra. Além é claro, de saber que Leonato me ama com toda a alma e, mesmo assim eu não consigo corresponder a esse sentimento. Como eu queria ver o rosto daquele garoto.

Guardiões Da ProfeciaOnde histórias criam vida. Descubra agora