A Queda da Casa de Usher

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(THE FALL OF THE HOUSE OF USHER, 1839)

il sapientiae odiosus acumine nimio.
SÊNECA

Durante todo aquele triste, escuro e silencioso dia outonal, com o céu encoberto por nuvens baixas e opressivas, estive percorrendo sozinho, a cavalo, uma região rural
singularmente deserta, até que enfim avistei, com as primeiras sombras da noite, a melancólica
Casa de Usher. Não sei por quê, mas, assim que entrevi a construção, um sentimento de
intolerável tristeza apoderou-se de meu espírito. Digo intolerável porque essa impressão não
era suavizada por qualquer sensação meio prazenteira, porque poética, com que a mente
geralmente recebe até mesmo as mais sombrias imagens naturais de desolação e de terror. Observei a paisagem à minha frente: a casa simples e a simplicidade do aspecto da propriedade, as paredes frias, as janelas semelhando órbitas vazias, os poucos canteiros com
ervas daninhas e alguns troncos esbranquiçados de árvores apodrecidas — e senti na alma
uma depressão profunda que não posso comparar a nenhuma sensação terrena senão ao que
experimenta, ao despertar, o viciado em ópio: o amargo retorno à vida cotidiana, o terrível
descair de um véu. Havia um frio, uma prostração, uma sensação de repugnância, uma
irrecuperável aflição de pensamento que nenhum excitamento da imaginação conseguiria
forçar a transformar-se em algo sublime. Que era, parei para pensar, que era que tanto em
perturbava ao contemplar a Casa de Usher? Era um mistério completamente insolúvel, e eu
não conseguia controlar as sombrias imagens que me enchiam a cabeça enquanto refletia isso.
Fui forçado a socorrer-me da conclusão nada satisfatória de que existem, sem dúvida,
combinações de objetos naturais muito simples, que têm o poder de nos afetar assim, embora a
análise desse poder se situe em considerações além de nossa perspicácia. Era possível,
pensei, que um mero arranjo diferente nos pormenores da cena, dos detalhes do quadro,
bastasse para modificar, ou talvez, parar suprimir sua capacidade de provocar impressões
aflitivas. Com essa ideia na cabeça, guiei o cavalo até a margem íngreme de um fosso negro e
sinistro cujas águas paradas refulgiam junto a casa e contemplei, com um arrepio ainda mais
forte do que antes, a imagem invertida e modificada dos arbusto cinzentos, dos lívidos troncos
de árvores e das janelas semelhantes a órbitas vazias. Apesar disso, era nessa desolada mansão que eu tencionava passar algumas semanas. O proprietário, Roderick Usher, havia sido um de meus joviais amigos de infância, mas muitos
anos tinham se passado desde o nosso último encontro. Uma carta, no entanto, que me chegara
recentemente numa parte distante do país? uma carta dele? exigia pela insistência de seu teor
resposta pessoal. A caligrafia revela agitação nervosa. O remetente falava de aguda doença
física, de opressiva perturbação mental e do intenso desejo de me ver, como seu melhor e na verdade único amigo pessoal, com a intenção de lograr, pela alegria de minha companhia,
alguma alívio para sua doença. A maneira pela qual tudo isso e muito mais coisas foram ditas
e o manifesto estado de espírito expresso no pedido impediram-me qualquer hesitação e por
esse motivo obedeci na mesma hora ao que ainda considerava como um convite muito
estranho. Apesar de, quando crianças, termos sido companheiros íntimos, eu na verdade conhecia pouco meu amigo. Sua reserva sempre tinha sido excessiva e habitual. Eu sabia, no
entanto, que sua família, muito antiga, distinguia-se havia muito tempo pela peculiar
sensibilidade de temperamento, demonstrada ao longo de muitos séculos em notáveis obras de
arte e que ultimamente se manifestava em repetidos atos de generosa e discreta caridade e
também na apaixonada devoção pela complexidade da ciência musical, talvez ainda mais do
que por suas belezas naturais e fáceis de reconhecer. Fiquei sabendo também de um fato
incrível: o tronco da linhagem dos Usher, embora tão antiga, nunca tinha produzido qualquer
ramo duradouro. Em outras palavras, a família se perpetuara apenas em linha direta e assim
continuava, com variações bem poucos importantes e temporárias. Era essa deficiência,
pensava eu, enquanto repassava em pensamento a perfeita harmonia entre o aspecto da
propriedade e o caráter de seus moradores, imaginando a possível influência que aquela podia
ter exercido, ao longo dos séculos, sobre estes? era essa deficiência, talvez, de um ramo
colateral e a consequente transmissão direta, de pai para filho, do patrimônio e do nome da
família que haviam ao longo dos tempos identificado ambas de tal modo que fundiram o título
original da propriedade na estranha e equívoca designação de Casa de Usher? designação que,
na mente dos camponeses que a utilizavam, parecia servir tanto para a família quanto para a
mansão da família. Eu disse que o único efeito da minha experiência um tanto infantil de olhar para o fosso havia sido aprofundar aquela primeira impressão. Sem dúvida, quando tomei consciência do
rápido aumento de minha superstição (por que não usar esse termo?), isso serviu
principalmente para intensificar o próprio aumento. Tal é, sei disso há muito tempo, a lei
paradoxal de todos os sentimentos fundados no terror. E pode ter sido por essa única razão
que, ao levantar os olhos de sua imagem no fosso para a própria mansão, surgiu-me na mente
uma estranha visão? tão estranha, de fato, que só a menciono para mostrar a intensa força das
sensações que me sufocavam. Minha imaginação mostrava-se tão excitada que realmente
acreditei que em volta da mansão e da propriedade pairava uma atmosfera especial, própria
do lugar e de seus arredores, atmosfera que não se relacionava como o ar do céu, emanando
antes das árvores apodrecidas, das paredes cinzentas, do fosso silencioso? um vapor místico e
pestilento, espesso, entorpecido, sutil e lívido. Afastando do espírito o que devia ser um sonho, examinei mais atentamente o aspecto real do edifício. Sua característica principal parecia ser a extrema antiguidade. Fora grande a
descoloração causada pelos séculos. Minúsculos fungos cobriam todo o exterior, pendendo
dos beirais qual fina e emaranhada teia. Mas nada disso indicava grande destruição. Nenhum
bloco de alvenaria tinha desmoronado, mas parecia haver um profundo contraste entre o
encaixe ainda perfeito das partes e as péssimas condições de cada pedra.
Isso me lembrou muito a enganosa integridade de antigas peças de madeira que apodreceram por longos anos em algum porão esquecido, sem serem perturbadas pelo sopro do ar exterior. Afora esse
indício de grande decadência, porém, a construção não mostrava nenhum sinal de falta de
segurança. Talvez o olho de um observador mais atento conseguisse descobrir uma fenda
quase imperceptível que riscava a frente do edifício desde o telhado, descendo em zigue-
zague pela parede até mergulhar nas águas turvas do fosso. Observando tudo isso, atravessei a cavalo o curto carreiro que levava até a casa. Um cavalariço levou minha montaria, e avancei pelo arco gótico do vestíbulo. Um criado de andar
furtivo conduziu-me então, calado, por muitas passagens escuras e tortuosas, até o gabinete de
seu patrão. Muitas das coisas que vi pelo caminho contribuíam, não sei como, para fortalecer
os imprecisos sentimentos de já falei. Os objetos à minha volta? os entalhes do forro, as
sombrias tapeçarias das paredes, o negrume de ébano do assoalho e as fantasmagóricas
armaduras que retiniam quando eu passava? eram coisas com que eu estava, ou devia estar,
familiarizado desde a infância, mas, embora não hesitasse em reconhecê-las como tais, ainda
me espantava ao perceber como eram estranhas as visões que essas imagens tão comuns
produziam em mim. Numa das escadas, cruzei com o médico da família. Julguei ver em sua
fisionomia uma expressão desanimada e perplexa. Cumprimentou-me agitado e afastou-se. O
criado então abriu uma porta e me levou até a presença de seu patrão. Achei-me numa sala muito ampla e alta. As janelas, compridas, estreitas e pontudas, tinham peitoris tão afastados do assoalho de carvalho negro que era impossível alcança-los.
Fracos raios de luz avermelhada penetravam pelas vidraças guarnecidas com rótulas, só
conseguindo tornar visíveis os objetos próximos mais volumosos. O Olhar, porém, lutava em
vão para perceber os cantos mais distantes da sala ou os recessos do forro em abóbada
guarnecido com entalhes. Sombrias cortinas pendiam das paredes. O mobiliário era excessivo,
desconfortável, antigo e gasto. Os muitos livros e instrumentos musicais que jaziam dispersos
não conseguiam dar vitalidade alguma ao ambiente. Senti que respirava uma atmosfera de
tristeza. Uma ar de severo, profundo e irrecuperável desalento pairava sobre as coisas e
impregnava a tudo. Assim que entrei, Usher levantou-se do sofá onde estava deitado ao comprido e cumprimentou-me com calorosa vivacidade, na qual havia muito, de inicio julguei, de
cordialidade forçada, do esforço constrangido de um homem de sociedade entediado. Mas,
olhando seu rosto, convenci-me de sua perfeita sinceridade. Sentamos e, por alguns momentos,
como ele não falava nada, fiquei olhando-o com um sentimento misto de piedade e espanto.
Com toda a certeza, nenhum homem jamais se transformara tão terrivelmente, em período tão
curto, quanto Roderick Usher! Só com muita dificuldade consegui admitir que o homem
doentio diante de mim era o mesmo companheiro de infância. No entanto, suas feições sempre
tinham sido notáveis: tez cadavérica; olhos grandes, líquidos e luminosos, sem comparação;
lábios um tanto finos e muito pálidos, mas de conformação extremamente bela; o nariz, com
delicado desenho hebraico, mas exibindo narinas largas, incomuns nesse tipo; o queixo
finamente delineado, revelando, pela ausência de volume, carência de energia moral; cabelos
mais finos e macios que os fios de uma teia. Todos esses traços e mais o extraordinário
desenvolvimento da fronte combinavam-se num aspecto difícil de esquecer. E agora, com o
mero exagero desses traços e da expressão que costumavam mostrar, havia tal mudança que cheguei a duvidar de que era com ele que falava. A cadavérica palidez da pele e o brilho
agora sobrenatural dos olhos, acima de tudo, surpreendiam-me e até me aterravam. O cabelo
sedoso também tinha crescido descuidadamente e como, por causa da textura muito fina,
flutuasse em vez de cair nos lados do rosto, eu não conseguia, mesmo com esforço, vincular
sua expressão fantástica com qualquer ideia de simples humanidade. Fiquei abalado ao perceber logo certa incoerência nas maneiras de meu amigo, certa inconsistência, e logo descobri que isso se devia a um série de fracos e inúteis esforços para
dominar tremor frequente, uma excessiva agitação nervosa. Eu estava preparado para
encontrar algo assim, não só por sua carta, mas também pela lembrança de certos traços
juvenis e pelas conclusões deduzidas de seu estado físico e de seu temperamento. Suas
atitudes alternavam da vivacidade ao desânimo. A voz variava, rapidamente, passando da
trêmula indecisão (quando seu ardor parecia tornar-se profundamente entorpecido) para o tipo
de energética concisão, para a abrupta, pesada, lenta e oca articulação, para a fala arrastada,
controlada, gutural e perfeitamente modulada que se pode observar nos bêbados contumazes e
nos fumadores de ópio irrecuperáveis, durante os períodos mais intensos de excitação. Foi assim que ele se referiu ao objetivo de minha visita, de seu grande desejo de me ver e do alívio que esperava encontrar em minha companhia. Depois, falou por algum tempo
do que achava da natureza de sua doença. Segundo ele, era um mal de família e de nascença,
para o qual já tinha perdido a esperança de encontrar remédio; mera perturbação nervosa,
disse logo em seguida, que sem dúvida ia passar logo. A doença se manifestava numa série de
sensações antinaturais. Algumas, enquanto as ia descrevendo, me deixaram interessado e
confuso, apesar talvez de que tenham influído os termos usados e a forma geral da descrição.
Ele sofria, e muito, de doentia exageração dos sentidos: só tolerava o mais ínspido alimento;
não podia usar senão roupas de determinadas texturas; os perfumes de todas as flores
pareciam-lhe sufocantes; até a luz mais suave lhe torturava os olhos e só os sons especiais dos
instrumentos de cordas não lhe provocavam horror. Compreendi que ele estava escravizado por uma espécie anormal de terror.
— Vou morrer — disse ele. — Devo morrer nesta loucura lamentável. Assim, assim e de nenhuma outra forma é que vou me perder. Abomino os fatos do futuro, não em si mesmos,
mas por seus resultados. Estremeço diante da ideia de qualquer incidente, até mesmo o mais
trivial, que possa afetar essa intolerável agitação da alma. Não tenho, na verdade, aversão
pelo perigo, a não ser em seu efeito absoluto: o terror. Neste deplorável estado de abatimento
sinto que mais cedo ou mais tarde chegará um momento em que vou ter de abandonar ao
mesmo tempo a vida e a razão, na luta com o fantasma sinistro do MEDO. Descobri também, aos poucos e através de pistas equívocas fragmentadas, outro traço singular de seu estado mental. Ele estava acorrentado a certas impressões supersticiosas
quanto à casa em que morava e da qual, por longos anos, não se aventurava a sair… a uma
influência, cuja suposta força foi narrada em termos vagos demais para reproduzir aqui…
influência que alguns detalhes da matéria e da forma da mansão familiar tinham, às custas de
longo sofrimento, conseguindo exercer sobre seu espírito… efeito físico que as paredes e
torres cinzentas e o sombrio fosso onde elas refletiam tinham acabado por exercer sobre o
moral de sua existência.
Ele admitia, porém, embora com hesitação, que grande parte do desalento que sofria talvez tivesse origem mais natural e bem mais palpável: na séria e prolongada doença (na
verdade, na morte evidentemente próxima) de uma irmã adorada, sua única companheira por
longos anos, sua única e última parenta nesta terra. — A morte dela? disse ele, com amargura que nunca esquecerei? tornará (a ele, fraco e sem esperanças) o último representante da antiga raça dos Usher. Enquanto falava, Lady Madeline (pois era assim que se chamava) passou pela parte mais distante do aposento e, sem notar minha presença, desapareceu. Olhei-a com profunda
surpresa e uma ponta de medo? e, no entanto, não encontrava explicação para esses
sentimentos. Uma sensação de estupor me sufocava, enquanto seguia com os olhos seus
passos. Quando uma porta, afinal, se fechou atrás dela, meu olhar procurou instintiva e
ansiosamente o irmão, mas este escondera o rosto nas mãos, e só pude perceber que uma
palidez maior que a normal tinha tomado conta dos dedos magros, pelos quais escorriam
muitas lágrimas emocionadas. A doença de Lady Madeline vinha desafiando, por muito tempo, a habilidade dos médicos. Apatia permanente, progressivo enfraquecimento físico e crises frequentes, mas
passageiras, caráter parcialmente cataléptico eram o diagnóstico incomum. Até então ela tinha
resistido firmemente contra o avanço da doença, recusando-se a cair de cama, mas no final da
tarde de minha chegada ela sucumbiu (como me contou o irmão, à noite, com indescritível
agitação) ao poder destruidor do mal. E compreendi que a visão de relance de seu vulto seria
provavelmente a última e que não veria mais a moça, pelo menos com vida. No decorrer dos dias seguintes, seu nome não foi mencionado por Usher ou por mim. Durante esse período dediquei-me vivamente a aliviar a melancolia de meu amigo.
Pintávamos e líamos juntos; ou eu ouvia, como num sonho, as arrebatadas improvisações que
ele fazia em sua eloquente guitarra. E assim, à medida que aumentava a intimidade que ia me
revelando os recessos mais íntimos de seu espírito, mais amargamente eu percebia quão
inúteis seriam as tentativas de alegrar aquela mente da qual a escuridão, como uma qualidade
inerente e ativa, vertia sobre todos os objetos do mundo físico e moral um incessante radiação
de tristeza. Ficarão para sempre gravadas em minha memória as muitas horas solenes que passei a sós como o chefe da Casa de Usher. Mas nunca conseguiria dar uma ideia do caráter exato dos
estudos ou das ocupações em que ele me envolvia ou me conduzia. Uma idealidade excitada e
altamente desequilibrada lançava um brilho sulfuroso sobre todas as coisas. Suas longas
cantigas fúnebres soarão para sempre em meus ouvidos. Entre outras coisas, lembro-me
dolorosamente de certa estranha alteração e amplificação da romântica melodia da última
valsa de Von Weber. Quanto às pinturas em que extravasava sua elaborada fantasia e que se
metamorfoseavam, pincelada por pincelada, até atingir uma indefinição que me causava
estremecimentos ainda mais emocionantes, pois eu não sabia por que estremecia? quanto a
essas pinturas (tão vívidas que até hoje tenho suas imagens diante dos olhos) em vão me
esforçaria para retirar delas apenas uma pequena parte, passível de ser traduzida por simples
palavras escritas. Através da extrema simplicidade e crueza do desenho, ele retinha e
dominava a atenção. Se algum mortal jamais pintou uma ideia, esse mortal foi Roderick Usher.
Para mim, pelo menos, na situação em que então em encontrava, dessas puras abstrações que o
hipocondríaco conseguia projetar nas suas telas surgia um terror intenso e intolerável,
assombro que nem de longe jamais senti nas fantasias (sem dúvida brilhantes) de Fuseli, mas
ainda assim concretas demais. Uma das criações fantasmagóricas de meu amigo em que esse espírito abstrato não era tão rígido pode ser descrita, ainda que pobremente, em palavras. Era um quadro pequeno,
representando o interior de uma câmara ou túnel imensamente longo e retangular, com paredes
baixas, lisas, brancas e sem qualquer interrupção ou adornos. Certos detalhes do desenho
conseguiam dar muito bem a ideia de que essa escavação ficava a uma extrema profundidade,
abaixo da superfície da terra. Não se via qualquer abertura em toda a sua vasta extensão nem
se percebiam tochas ou qualquer outra fonte de luz artificial. No entanto, uma torrente de
intensos raios jorrava, tudo banhando num esplendor cadavérico e antinatural. Falei há pouco do estado mórbido do nervo auditivo, que tornava intolerável qualquer música para esse sofredor, com exceção de certos efeitos de instrumentos de cordas. Foram,
talvez, os estreitos limites a que ele se limitava na guitarra que deram origem, em grande
parte, ao caráter fantástico de suas execuções. Mas a fervorosa facilidade de seus improvisos
era inexplicável. Deviam ser e eram, tanto nas notas quanto nas palavras de suas loucas
fantasias (pois ele muitas vezes acompanhava a música com improvisações verbais rimadas),
resultado da intensa e imperturbável concentração mental de que já falei antes, só observáveis
nos momentos de maior excitação artificial. Lembro-me facilmente das palavras de uma
dessas rapsódias. Fiquei, talvez, tão impressionado quando ele as cantou, porque, na corrente
subjacente ou mística de seu significado, julguei perceber, pela primeira vez, que Usher tinha
plena consciência da instabilidade de sua mente altiva sobre seu trono. Os versos, intitulados
“O Palácio Assombrado”, eram quase exatamente assim:
I
No mais verde de nosso vales,
Por bons anjos habitado,
Outrora um belo e rico palácio,
Radiante palácio, se erguia.
Nos domínios do rei Pensamento,
Lá estava ele!
Nunca serafim algum abriu as asas
Sobre tão bela obra.

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