O Duque de L'Omelette

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(THE DUC DE L'OMELETTE, 1832)

Tradução de Filipe Santos

And stepped at once into a cooler clime
COWPER

Keats caiu pela crítica. Quem foi morto no Andromache? Almas ignorantes! — L’Omelette pereceu por causa de um verdelhão. Ajuda-me, Espírito de Apício! Uma gaiola de ouro entediava o pequeno sonhador alado, enamorado, doce, indolente, para o Chaussée D’Antin, longe seu país, o Peru. Da rainha que o possuía, La Bellissima, para
o Duque de L’Omelette, escoltado por seis pares do império. Naquela noite o Duque comia sozinho. Na privacidade de seu bureau, ele reclinou desanimadamente sobre aquele divã acolchoado pelo qual sacrificou sua realeza leiloando seu
reino — o notório divã de Cadêt. Ele enfia sua cabeça no travesseiro. O relógio bate. Incapaz de controlar seus sentimentos engole uma azeitona. Nesse momento, a porta se abre lentamente ao som de
música suave. Ó, o mais delicado dos pássaros antes enamorado pelos homens! Mas o que não
expressa à infelicidade, agora não mais importa a continência do Duque? — “Horreur! Chien
Baptiste! L’oiseau ah, bom Dieu! Cet oiseau modeste que tu as deshabillé de ses plumes, et
que tu as servi sans papier!” (Horror! Cão miserável! Meu pássaro, ó Deus! Este pássaro
modesto tu o depenaste e o serviste sem piar?) E ainda diz mais: O Duque acabou-se num
paradoxo de angústia... — Ha, ha, ha, — disse no terceiro dia da doença.
— He, he, he — repetiu o Diabo fatalmente, exibindo-se com um ar de superioridade.
— O quê? Não pode estar certo — retrucou L’Omelette. Eu pequei — c’est vrai — mas, meu bom senhor, reconsidere! Você não tem nenhuma real intenção de colocar tal — tal
— tratamento bárbaro dentro da sentença. — Por que não? — disse sua Majestade — Venha, senhor, destitua-se disto!
— Despir-me? Claro! Sinceramente não, Senhor. Não farei isso. Quem és tu, rogo, que eu, Duque De L’Omelette, Principe de Foiegras, em plena idade, autor do “Mazurkiad” e
membro da Academia, deveria desfazer de mim mesmo em minhas suaves calças nunca feitas
por Bourdon, o mais delicado robe-de-chambre posto junto por Rombert — para dizer nada
que tire minha cabeça fora do lugar — e deveria eu mencionar os problemas de retirar minhas
luvas? — Quem sou eu?
— Ah, a verdade! Eu sou Belzebu, Príncipe das moscas. Eu vos peguei, agora há pouco, de um caixão de boa madeira revestido de marfim. Você estava, curiosamente,
cheirando bem, selado com uma encomenda. Belial me enviou — meu inspetor de cemitérios.
As calças, as quais nunca tocadas por Bourdon, são excelentes linhas para roupa de baixo, e
vosso robe-de-chambre é um pano para embalsamá-lo deveras pequeno. — Senhor! — retrucou o Duque — Eu não serei insultado com tal impunidade! Senhor! Eu devo escolher a oportunidade mais próxima para puni-lo por este insulto. Você ouvirá de
mim, au revoir! E o Duque se abaixava, tentando fugir da presença satânica, quando foi interrompido e trazido de volta por um cavalheiro que estava à espera. Nesse momento, pressionou seus
olhos, bocejou, deu de ombros, refletiu. Tendo se tornado satisfeito com sua identidade, ele
deu uma olhada panorâmica ao seu redor. O espaço era soberbo. Mesmo L’Omelette disse como deveria ser dito. Não era seu comprimento ou largura — mas sua altura — Oh, como era horrível! Não havia teto algum!
Mas sim uma densa massa giratória de nuvens coloridas com fogo. Sua mente cambaleava
enquanto ele olhava para cima. De cima, estava pendurada uma corrente numa estranha cor, um
metal vermelho-sangue — acima acabava como a cidade de Boston, entre as nuvens. De sua
mais baixa extremidade movia-se um farol. O duque sabia que se tratava de um rubi, sua luz
era tão intensa, mas mesmo assim, tão terrível. A Pérsia nunca louvou algo assim — Gheber
nunca o imaginou — um muçulmano nunca sonhou, mesmo quando, afetado pelo ópio,
cambaleava para uma cama de cachorro, sua costas para as flores, e sua face para o deus
Apolo. O duque murmurou uma leve praga, decididamente de aprovação. As pontas da sala arredondavam-se em nichos. Três delas estavam cheias de estátuas de proporções gigantescas, sua beleza era grega, sua deformidade egípcia, seu tout ensemble
francês. No quarto nicho uma estátua era velada, não era colossal. Mas tinha um tornozelo fino
e sandálias nos pés. O duque pressionou as mãos no coração, fechou os olhos, levantou a cabeça, e percebeu sua Majestade Satânica num rubor. Mas todas aquelas pinturas! — Kupris! Astarte! Astoreth!* — mil e a mesma coisa, e Rafael as segurou! Sim, Rafael estava aqui, mas por que ele não pintou? E por que ele não foi,
consequentemente, amaldiçoado? As pinturas! Ó, luxúria! Ó, amor! — quem, fascinado por
essas belezas proibidas teria seus olhos para os delicados aparelhos das estruturas douradas
que jogam, como estrelas, o hyachinth** e as paredes de cristais? *Kupris, ou Cyprus, divindade babilônica; Astarte é deusa do panteão fenício; Astoreth, o Astaroth, demônio da vaidade e da luxúria. ** Planta exótica
É verdade que ele pensou muito sobre todas as coisas. Mas o coração do Duque está desfalecendo. Ele não está, como você supõe, atordoado com a magnificência, nem bêbado
com a respiração eufórica daqueles inumeráveis barcos repletos de incenso — C’est vrai que
de toutes ces choses il a pensé baucoup — mais*! * É verdade que ele pensou muito em todas essas coisas.
O duque de L’Omelette está terrivelmente assustado, por causa da vista extremamente brilhante que uma janela incerta e singular lhe traz. Brilhos dos mais horríveis de todos os
fogos.
O pobre Duque. Não podia ignorar toda aquela glória, a voluptuosidade, e as melodias eternas que permeavam o salão, enquanto eles passavam aos poucos, transformados pela
alquimia daqueles vidros nas janelas encantadas, os que choram de sofrimento, os bem
sucedidos, os sem esperança e os amaldiçoados estavam lá. — acima do divã, quem estaria?
— ele, o pequeno mestre — não, a Deidade — quem sentou como se talhado em mármore, e
que sorriu, com sua continência pálida, tão amargamente? Mas era preciso reagir — é o que dizem: um francês nunca desmaia completamente. Além disso, ele odiou a cena. O duque é ele mesmo novamente. Havia alguns floretes e
estoques sobre a mesa. O duque havia estudado esgrima — ele havia matado seus seis
homens. Agora, então, poderá escapar. Ele mede dois floretes e, com sua graça inestimável,
oferece à Majestade um à escolha, Horreur! Sua Majestade não sabe esgrimir! Mas ele joga, porém! — que pensamento feliz —, ele sempre teve uma excelente memória. Ele tinha se aprofundado no “Diable” do Abbé Gaultier. Lá é dito “qui le Diable
n’ose pas refuser un jeu d’écarté.”* *O Diabo não ousa recusar um jogo de baralho.
As chances — ó, as chances! A verdade era o seu desespero. Ele estava em pior situação, mas, afinal, não tinha ele segredos? Não tinha andado pelo Père Le Brun? Não era
ele um dos membros do clube dos Vinte e um? Se eu perder — disse ele— estarei perdido
duas vezes — duas vezes serei condenado — voilà tout! — deu com os ombros — se eu
ganhar voltarei aos meus verdelhões — que sejam dadas as cartas! Ele estava paciência, mostrava atenção e prudência. Um espectador teria pensando em Francis e Charles (espadachins famosos). Ele pensou em seu jogo. O Diabo não pensava,
embaralhava. O duque cortou. As cartas estavam dadas. O trunfo é mostrado. É...é...o rei! Não, era a rainha. Ele amaldiçoou suas vestimentas masculinas. O duque colocou a mão sobre seu coração. Eles jogam. O duque conta os pontos. Sua Majestade conta pesadamente, sorri, bebe o vinho. O duque esconde uma carta. Ces à vous à faire — disse sua Majestade, o duque curva-se. Dá as cartas, levanta-se da mesa mostrando o rei. O demônio fica contrariado.
Se Alexande não tivesse sido Alexandre, ele teria sido Diogenes. E o Duque assegurou ao seu adversário enquanto saía: “Que s'il n'eut eté De L'Omelette il n'aurait point d'objection
d'etre le Diable."*
*Se não estivesse tão feliz em ser L’Omelette, não apresentaria nenhuma objeção em ser o Diabo.

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