grito de hoje

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Tem muita gente para todos os lados, gente andando, gente brigando, gente respirando, gente existindo.

Eu não existo muito.

Queria dar a desculpa de que sou um fantasma ou algo parecido mas eu sou um ser humano que tem medo de viver. Talvez isso seja mais parecido com um fantasma do que eu penso mas até agora cheguei a conclusão de que meus órgãos ainda funcionam e meu coração ainda bombeia sangue o que faz de mim uma pessoa viva. Mas talvez eu seja uma nova forma de fantasma, sem ectoplasma e em carne e osso.

De noite eu não consigo dormir e de dia eu não consigo começar e nem terminar as coisas que quero começar e terminar. Eu levantar é um sacrifício e não deitar de novo um maior ainda. Eu admiro o teto do meu quarto e as coisas não são mais tão interessantes quanto deveriam ser. Assisto a mesma série todos os dias, não quero mudar a minha rotina chata. Eu vou pro colégio, converso com gente vazia ou converso conversas vazias com gente cheia de coisa que talvez eu não consiga entender. Talvez eu julgue muito os outros e por isso eu seja isso daqui. Eu sou meio fantasma, meio solitária, meio triste e às vezes meio poeta. Não sou uma poeta inteira porque nem sempre tudo o que quero e sinto consigo expressar no papel. Eu não consigo expressar de jeito nenhum.

Eu falo que escrever me faz sentir bem mas eu tô com uns três livros pra continuar que já estão cheios de teias de aranhas. Falo que desenhar me acalma mas faz muito tempo que eu fiz algo produtivo. Falo que atuar é minha paixão mas às vezes um simples exercício teatral me faz ter um ataque de pânico. Eu falo que os outros são vazios mas eu sou o maior exemplo de pessoa vazia dessa cidade. Eu acordo por acordar.

Minha mãe começou à fazer café sem açúcar e amargo que doí. Antes eu tomava café preto mas agora não tomo nada. Eu não como muito e mesmo assim engordo como se comesse ração de crescimento. Tem dias que quero morrer e tem dias que quero chamar todos os meus trocentos contatos do Facebook e falar um oi e perguntar porque nenhum deles me chama já que o chat serve para conversar. Se eu chamo alguém meu cérebro dá uma convulsão.

De noite eu não durmo pois tenho medo e minha mãe diz para ligar as luzes. Eu não tenho medo do escuro, eu tenho medo da luz da lâmpada que me lembra um sol e me lembra do amanhã que vai ser do mesmo jeito que hoje. Eu queria ter amigos para abraçar, contar segredos e jogar verdade e consequência mas eu não sou boa em conversas e muito menos em fingir um carisma que não tenho.

Eu olho no espelho e não vejo nada. Olho pros meus olhos mas eles não mostram nada demais. Não me acho muito bonita nem nada mas eu gosto de olhar minhas sombrancelhas, elas parecem ter mais personalidade que eu.

Eu tenho uns dois amigos, ouço música e tenho um caderno cheio de desenhos de coisas e poemas sobre coisas. Mesmo assim me sinto só. Eu sou uma pessoa cheia de fobias e a maior delas é que as pessoas que acho que posso contar me abandonem.

Eu sou muito problemática pra alguém da minha idade. Risquei minha parede na tentativa de um desenho. Queria poder pintá-lo. Deu errado. Mas os riscos tão aqui, talvez assim o quarto pareça um pouco comigo.

Às vezes danço músicas de comerciais de televisão. Não sei se isso é normal.

Eu sou uma coruja que não sabia que não era do feitio da minha espécie voar alto demais na luz do dia e que acabou sendo atropelada por um avião.

Eu perco o controle das coisas e elas sussurram no meu ouvido que eu nunca tive controle de nada. Ah, as coisas ficam gargalhando.

Fantasmas EscritosWhere stories live. Discover now