Rita

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Rita vestia um vestido vermelho rasgado. Rita respirava fundo e fumava de forma insana. Rita tinha uma janela na sua frente, uma janela aberta que mostrava que lá fora o mundo não para, mesmo que dentro da casa de Rita parecesse que o tempo não passava faz muito tempo. Era de madrugada mas parecia ser três da tarde. Parecia ser três da tarde porque o mesmo calor que pairava sobre Rita durante esse horário continuava a pairar, mesmo agora sendo três da manhã. Na televisão passava Duro de matar e Rita fumava um cigarro que ela encontrou dentro da gaveta que estava enperrada faz uns três anos e que ela só conseguiu abrir por ter caído e batido com a cabeça no criado-mudo. Rita via os carros passarem pra cá e pra lá e pra cá novamente. Rita se via em uma balão de fumaça. Quando Rita era pequena tinha o sonho de ser médica. Uma médica saudável e mudar o mundo. Mas agora era ela quem atacava seus pulmões.

Quando Rita era criança ela achava o mundo uma imensa bolha de ar adocicado. Rita cresceu e decidiu querer melhorar o mundo. Mas Rita não sabia que o mundo não iria melhorar. Rita, o mundo só vai melhorar aí. Dentro da sua cabeça.

Rita se achava repetitiva. Segurava o cigarro, mesmo depois de tantos anos da mesma forma. O mesmo corte de cabelo toda vida. O mesmo batom bege. O mesmo vestido de quando ela tinha 15 anos de idade. A mesma idéia de salvadora da pátria.

Rita troca a perna em que se apoiava. Rita não tem um gato. Rita não tem um livro de poesia. Rita não tem nenhum vaso de flor. Rita não é poesia. Rita não faz parte de poesia de página de facebook. Rita só fumava e isso era o mais próximo do que diziam ser poético. Mas pra ela morrer uns 10 anos mais cedo não era poético. Só por isso.

Rita arruma qualquer coisa pra sair de casa, mas Rita não sai muito. Rita gosta de balões porque balões são como gente. Se você estourá-los o ar sai de lá de dentro.

Rita se achava repetitiva. Se apaixonava pela mesma pessoa todo dia. Assistia os mesmos filmes de ação que passava nas segundas-feiras na Temperatura máxima. Ouvia o mesmo artista quando estava triste. Falava a mesma coisa quando estava triste. Dava todo ano uma toalha de presente para não-sei-quem no amigo secreto. Rita vestia vermelho. Rita pintava o cabelo de vermelho desde os 15 anos de idade. Rita não escovava o cabelo desde que nasceu. Mesmo corte de cabelo. Rita não era Rita de Cássia. Rita era Rita e só Rita. Não tinha apelido pra Rita. Ela não ria muito para alguém chamar ela de "Ri" e chama-la de "Ta" seria esquisito. Rita se achava muito repetitiva.

Rita, hoje não é sábado, hoje é segunda. Rita, olha o horário, você deveria estar dormindo. Rita, porque você não foi trabalhar hoje? Rita, é a milionésima vez que passa Duro de Matar na Globo. Rita, larga disso. Rita, fecha a janela, você vai pegar uma pneumonia. Rita penteia esse cabelo.

Entre os condomínios, as casas minúsculas, os pássaros escondidos nas sombras, os grilos, as cigarras, as buzinas, os acidentes, as mortes, os roubos, o asfalto, a poluição, estava Rita pendurada no parapeito da janela dela. Os que viam de baixo pensavam que Rita iria cometer suicídio mas Rita só estava pensando em como seria ter asas. Mas arrancaram as asas de Rita. Rita não iria voar.

Fantasmas EscritosWhere stories live. Discover now