Capítulo 2

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Procurei fechar a janela do modo mais veloz que as minhas mãos me permitiam, tentando não emitir um único som para não despertar a atenção de ninguém. Juntei as cortinas claras com brusquidão e sentei-me em cima dos lençóis do mesmo tom esbranquiçado.

Agarrei no chapéu à minha direita e coloquei-o de modo a poder observar todos os cantos do mesmo. Todo ele era negro, não mostrava indícios de ter etiqueta – como se tivesse sido fabricado exclusivamente para o dono e nenhuma etiqueta tivesse alguma vez sido cosida no acessório –, tinha uma forma mais oval, como o do Mickael Jackson. Tal e qual como o do Mickael Jackson!

Compreensível...

O que não era compreensível, era o facto de eu não ter deixado a janela aberta ou a porta destrancada, impossibilitando a entrada a qualquer humano. Como é que o chapéu aparecera sem mais nem menos?

Voltei, mais uma vez, os olhos para o vidro atrás de mim e observei através de uma pequena brecha, as diferentes janelas ao longo do edifício oposto, encostando-me ao parapeito extenso colorido por almofadas. Percorri todo o cenário à procura de pistas, de pormenores que me dessem uma base, algo para começar a procurar o dono do chapéu.

Sem sinal de uma única alma acordada no Campus, decidi transgredir a regra do recolher obrigatório e proporcionei-me a mim própria um passeio agradável ao longo da EF Academy, acompanhada somente pelas plantas, as pedras do pavimento que jamais abandonavam os meus pés e o céu escuro iluminado por milhares de estrelas.

Procurei o lugar mais longínquo do meu dormitório e, exatamente no lado oposto do colégio, dirigi-me até a um banco qualquer de mármore. Sentei-me no chão, encostei-me ao banco e comecei a contar as estrelas do céu.

- ...187, 188, 189... 311... 353, 354... - Continuei a contar, acompanhada pelo meu dedo indicador que parecia tocar em todas as estrelas. De certo já tinha contado algumas delas mais de duas vezes, mas sabendo isso, continuava a ser melhor viver na ilusão de ter contado 300 ao invés de 100 estrelas, do que ter de enfrentar a realidade de um chapéu misterioso. Permaneci entretida no meio de estrelas, constelações, galáxias, planetas, cometas, pensamentos, mistérios, dilemas e teorias, durante umas horas.

Teria durado até ao amanhecer se, a meio das minhas contagens, não tivesse sido invadida por uma estranha sensação de que existia outra presença além da minha naquele pátio.

Virei a cabeça, reticente, para o lado esquerdo e preparei-me para tudo o que pudesse advir da pessoa que me estava a observar. Suspirei de alívio ao perceber que não estava ninguém a observar-me e que era a única a quebrar a obrigatoriedade do recolher obrigatório.

- Lado errado. – Sobressaltou-me uma voz grave do lado contrário. Rodei rapidamente a cabeça e pude vislumbrar um rapaz vestido de negro sentado no banco. Isto, antes de bater com a cabeça na pedra mármore e contrair os meus olhos com dores.

Recompus-me e resolvi abrir os olhos. Assim que o fiz encontrei os olhos castanhos do rapaz a observarem os meus e instintivamente cheguei-me para trás.

Neste ângulo, e com os seus olhos escuros sempre postos em mim, pude observar discretamente a sua pele pálida em torno do seu rosto e mãos. As roupas pretas e os poucos cabelos escuros que saiam teimosos de debaixo do chapéu negro do indivíduo, tornavam-no ainda mais pálido.

Mantive os meus olhos fixos no chapéu e esperei por algum movimento ou palavra. Observei-o a deslizar até ao chão e recostar as costas no banco. Colocou a mão no bolso do casaco comprido e voltou novamente o olhar para mim – que permanecia atenta a todos os seus movimentos. Abriu um maço de tabaco do qual tirou um cigarro e levou aos lábios para acender e encher os pulmões de nicotina.

Sem saber bem o que fazer deixei-me estar no mesmo sítio e continuei de olhos postos no rapaz do chapéu que, ao terminar de fumar, se dirigiu a mim e fez questão de se sentar a poucos centímetros de mim.

- Nathan. – Pronunciou-se acompanhado pela sua mão que se estendia para mim num gesto de cumprimento. Receosa, juntei a minha mão à dele e respondi com o meu nome. – Eu sei...

- Sobre o chapéu... - Ganhei coragem para falar sobre o assunto e prossegui - ...Como é que o puseste no meu quarto?

- Qual chapéu?

- Um exatamente igual àquele que estás a usar agora...

- Não sei do que falas. – Mentiu com um sorriso e resolvi deixar a conversa por aqui. Não sei se foi o facto de ele aparecer do nada, se foi o mistério todo que transborda, se o facto de ter chegado ao meu quarto quando ele estava trancado, não sei se foi alguma destas razões que me fez ficar desconfiada e manter respeito pelo indivíduo... Apenas sei e pressinto que não devo insistir com este rapaz.

Apesar de querer desesperadamente voltar para o meu quarto, não me levantei e só o fiz quando Nathan se foi embora minutos depois. Dirigi-me em passo apressado até aos dormitórios e só descansei quando encontrei o quarto número 308.

Tentei não fazer barulho ao destrancar a porta para que ninguém se apercebesse que tinha deixado o quarto durante a noite. Antes de sair trancara o quarto à chave para que não tivessem modos de chegar ao chapéu. Talvez tivesse deixado a janela aberta antes do discurso, ou então pensara que a porta tinha ficado trancada quando na verdade isso não acontecera. Posto isto, resolvi fechar bem ambas as entradas para que desta vez nada nem ninguém conseguisse chegar ao chapéu.

Viro-me para trás após me encontrar dentro do quarto e direciono o olhar para a mesa de cabeceira, mas não sem antes sentir de novo a brisa que percorrera o meu quarto e corpo há umas horas atrás.

Olhei para a janela e consegui ter uma visão nítida para dezenas de janelas e um pátio rodeado de flores, arbustos e árvores de pequeno porte. Não havia cortinas a impedirem-me de o fazer nem mesmo vidro.

Redirecionei o meu olhar para a mesa de madeira encostada à minha cama e vislumbrei o meu livro e um caderno de desenhos pequeno. Mas nem sinal do chapéu...


***


Fica aqui mais um capítulo. Espero que gostem e fico também a aguardar por opiniões.

Beijinhos e obrigada a quem continua a ler! 


x, Rain of lost words

OliviaWhere stories live. Discover now