Milla

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Entro em casa correndo sem ao menos reparar na minha velocidade, a ideia era chegar o quanto antes em casa e me sentir pronta para encarar a vida real. Quando chego na sala percebo que os seguranças ou a portaria já haviam anunciado a minha chegada. Estavam todos de roupa de dormir, com o rosto muito abatido e é um misto de euforia, preocupação e estranhamento com a minha chegada... esse tempo fora me fez ter um sentimento de que eu não era daqui, tudo aqui parecia não me pertencer mais, uma sensação muito grande de ser tudo completamente desconhecido.

- Oh meu Deus filha! Meu Deus! Meu Deus! Obrigada meu Deus! Filha como te deixaram? O que fizeram? - minha mãe não consegue conter a emoção e nesse momento percebo uma grande mudança nela.

- Mãe, calma. Está tudo bem, tá? Eu estou bem! Se acalma por favor! Se acalmem pessoal, eu estou bem! Eu vou contar tudo como foi para vocês! Só preciso descansar um pouco! - falo tentando me aproximar deles e sentar, mas até esse movimento de me aproximar do sofá me dá uma sensação de que para isso preciso de uma autorização. Olho para o meu pai deixando a entender que preciso que ele me autorize e ele assente.

Quando eu me sento, minha cabeça começa a girar e uma angústia toma conta de mim. Estou perdida, não sei o que contar para os meus pais, o que fazer, como estão as coisas aqui. Tudo parece muito irreal. Estou desconexa, não pertenço a nenhum lugar. Será que eu estava gostando de estar naquele quarto? Será que eu gostaria de estar lá ainda? A culpa me invade. Enquanto todos aqui sofriam, eu estava vivendo um romance e gostando disso.

Sai correndo para o meu quarto e deixei todos lá provavelmente com cara de espanto, mas não conseguia mais ficar ali sendo observada como uma estranha. Eu sei que eu devia ser mais compreensiva, até porque eles estão muito curiosos e preocupados comigo e eu agindo assim dou mais motivos para isso. Mas eu simplesmente não consigo, só quero descansar minha mente.

Entro no banho e deixo a água correr nas minhas costas e com ela torço para que saia todos os meus medos, todos os meus sentimentos e que eu me torne a pessoa que eu era. E ao fechar os olhos lembro da coisa mais importante da minha vida. Lembro do Daniel, lembro dele me beijando, me fazendo dele e é isso, ta aí o motivo de tanta falta de afinidade com o resto do mundo: eu não estou completa. Volto para a minha cama ainda sem roupa e não sinto pudor em andar assim pelo meu quarto, até isso em mim mudou, não tenho tanta regras quanto à bons costumes. Olho o meu casaco jogado no chão e percebo que no bolso tem algo ali, que não tinha visto antes. Pego com pressa e então vejo que é uma carta e na hora eu me alegro, só pode ser dele.

Antes de tudo desculpa se eu não souber me expressar e eu sei que a minha letra é horrível, desculpa mesmo. Tenho certeza que você é bem melhor em tudo isso, na verdade você ganha de mim em qualquer coisa. Eu só queria dizer o que eu não consegui em todo esse pouco/muito tempo que ficamos juntos. É a maior coisa é que você mudou minha vida. O sequestro foi arquitetado para isso mesmo, para mudarmos nossas vidas: minha, do meu tio e do meu pai, claro. Mas mal sabem eles, que a minha vida foi a que mais mudou e não foi pelo dinheiro, foi por algo muito melhor que isso. E quando eu penso nesse crime eu não me sinto triste, porque de alguma forma a gente teria que se conhecer. E eu tenho certeza que se fosse de uma forma convencional... Ah! você jamais me notaria, eu sou um mero mortal e você? Você é um anjo! Quero que nessa sua vida perfeita você lembre que existe um ser completamente imperfeito que jamais deixará de lembrar de cada detalhe mínimo seu. Está tudo aqui na minha memória. Seu sono sorridente. Você sabia que dormindo você parece sorrir o tempo todo? Eu sei! Porque era meu passatempo preferido na insonia: te assistir! Tem também seu barulhinho quando mastiga: sai um som bem no fundo da sua garganta, meio que lembra um apito. Sério! É muito engraçado! E a sua boca no cantinho dela, tem uma pequena bolinha que eu acho que você nunca percebeu, mais ainda bem por isso, porque era maravilhoso passar a língua ali. E de verdade têm tantas outras coisas que eu lembro de você que eu prefiro não te contar, porque eu me sinto dono desses detalhes. Estão aqui no meu coração e na minha mente! Eu volto para você e quero chegar te dando um orgulho, mas um orgulho que você vai se sentir muito idiota de não ter me conhecido antes! Até logo!

- Seu idiota você me fez chorar!!! - penso alto.

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