Parte 6

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Encho a bacia de água quente e retorno ao meu dormitório sem que as outras damas notem minha movimentação. O sol está quase nascendo e logo terei que começar a trabalhar na limpeza da Casa, então deveria estar dormindo. Mas simplesmente não consigo.

As palavras firmes e lúcidas do Capitão DeVil ainda ecoam em meus pensamentos como se ele as sussurrasse para mim de novo a cada segundo. Ele vai me tirar daqui. Ele vai me tirar dessa prisão e eu estarei livre para voltar à minha antiga vida, como se nada disso tivesse acontecido.

Fecho a porta do dormitório atrás de mim sem fazer barulho e encaro a figura adormecida em minha cama. O Capitão melhorou bastante, mas ainda parece muito fraco e abatido. Aproximo-me e coloco a bacia de água quente sobre o pequeno criado-mudo ao lado da cama. Toco a testa e o pescoço do Capitão para checar sua temperatura e noto que ele está muito frio. Não perco tempo e começo a cobri-lo de compressas quentes e cobertores.

- Dama... - ele balbucia, abrindo os olhos devagar. Então tosse e uma gota de sangue escorre de um dos cantos de sua boca. Isso não é bom.

- Diga-me o que está sentindo - peço a ele, limpando seu sangue com um lenço.

Ele tosse outra vez.

- Muito frio.

Levanto-me da cama, pego os meus cobertores do colchão no chão e cubro-o até o queixo.

- Melhor? - pergunto.

Ele olha para mim e assente.

- Há quanto tempo estou aqui? - sua voz soa áspera.

Volto a me sentar na beira da cama.

- Pouco mais de uma semana - respondo.

- E você tem cuidado de mim todo esse tempo?

Faço uma expressão de desdém.

- Quero garantir que o senhor melhore o mais rápido possível para que me tire daqui. Eu teria uma crise de ansiedade se ficasse só assistindo outra pessoa fazer isso.

- Entendi - ele meneia a cabeça sutilmente. - Então está me ajudando porque precisa da minha ajuda?

Hesito. No começo era mesmo assim, mas agora eu desejo verdadeiramente que ele se recupere simplesmente porque não quero vê-lo ferido. Mas essa mudança de sentimento é muito estranha e repentina, então eu apenas respondo, olhando em seus olhos:

- Sim.

Capitão DeVil suspira. Então franze a testa.

- Você acredita em destino, dama da corte?

Sou pega de surpresa. O que ele quer dizer com isso?

- Destino?

Ele pestaneja por um momento. Então seus olhos retornam aos meus.

- Em uma situação hipotética... se eu dissesse que você é muito familiar para mim e que antes mesmo de conhecê-la tive sonhos nos quais você aparecia, acharia que estou delirando?

Arqueio as sobrancelhas e, inevitavelmente, rio.

- O que disse, senhor?

- Exatamente o que você ouviu.

Franzo o cenho. Ele está dizendo que sonhou comigo antes de nos conhecermos? Que sou familiar para ele? Como isso pode não ser um delírio?

- Eu a vi à beira de uma cachoeira - o Capitão diz, encarando o teto do dormitório -, em meio a uma plantação de flores silvestres, correndo pelo mercado, trançando seu cabelo dourado... - Seus olhos voltam a fitar os meus. - Eu a vi antes mesmo de conhecê-la no dia em que o príncipe herdeiro a escolheu. Você sempre olhava para mim de longe e sorria como se... como se estivesse esperando por mim...

Cruel: uma volta no tempo (spin-off)Where stories live. Discover now