Capítulo 1: A Força Dentro de Mim

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"Vi a morte com proximidade aflitiva. Se esticasse a mão, acariciava os seus contornos. Cheguei a perceber as suas cores: azul com lilás" - Chico Anysio sobre seu coma induzido.

Eu vestia as mesmas roupas de antes, porém mais sujas, surradas... Olhei ao redor e percebi onde estava. Era um longo corredor de paredes brancas. No final, uma luz brilhava. Brilhava tão intensamente que eu temi minha cegueira total.

Meu braço foi para a frente dos olhos tentando protegê-los enquanto caminhava em direção ao local. Eu sentia como se estivesse fora de mim mesma e andasse por andar, sem rumo, sem perguntas...

Os pés calçados continuavam à me guiar e aos poucos eu deixei de enxergar. Tudo se tornou branco. É como se eu tivesse me convertido em luz, como se agora fizesse parte do clarão pelo qual caminhava.

Passei alguns longos segundos sem ver nada além daquela imensidão e sem ouvir nada além do silêncio, até que aquela cor foi se tornando mais escura e ganhou tons de cinza chegando ao mais obscuro preto. Aos meus ouvidos também surgiam barulhos incompreensíveis e distantes, uma voz cálida e meiga acompanhada de bips sincronizados. Haviam pausas. Um bip seguido de um segundo de silêncio e depois mais um bip...

Próximo de mim as palavras se tornavam mais cristalizadas e eu pude reconhecer a voz da minha mãe, sem os mínimos esforços.

- Ela está tão linda, mesmo com os machucados e... - Sua voz falhou e deu espaço para uma espécie de soluço. Tudo continuava escuro para mim.

Ao perceber sua voz falha, me permiti ouvi-la com mais atenção enquanto retomava a minha consciência aos poucos. Uma dor nascia no final de minha coluna e subia até o início da mesma. A péssima sensação de incômodo se instalava principalmente na nuca e no ombro.

Era como se eu tivesse levado uma "surra". O corpo inteiro doía. Sem exceções.

Por um momento, imaginei ter gemido involuntariamente. Mas a verdade é que o som não chegara aos ouvidos de ninguém, muito menos aos mesmos.

- Tem certeza que não podemos fazer nada? Nós temos dinheiro... Podemos pagar! - A voz de minha mãe, Anneliese, saiu embargada. Ela parecia chorar, mas eu não identifiquei o motivo.

Instintivamente quis abrir meus olhos para avaliar seu rosto, porém, para minha surpresa, tudo continuou escuro. Estariam as luzes apagadas?

Senti o toque quente de Anne em meu braço. Ela fazia quando brigava com meu pai. Para minha mãe, acariciar era uma maneira de demonstrar que precisava de carinho, de um cuidado especial.

Anneliese... Sempre foi uma mulher elegante, delicada e opiniosa, mas, acima de tudo, era FORTE. Era daquele de tipo de pessoa que não precisava de pedras e armas para defender o que acreditava, pois o fazia com a gentileza e educação.

Anneliese era... admirável. Eu poderia passar horas falando sobre ela e sua maneira crítica de ver o mundo. Mas se tem algo que eu posso garantir é que naquele momento isso era o que menos chamava minha atenção.

Minha real preocupação se mantinha na dificuldade que eu estava demonstrando.

Anne passava cada vez mais os nós de seus dedos em meu braço, e a única coisa que eu parecia conseguir fazer quanto à isso, era planejar os movimentos em minha mente. Nada além disso.

- Não há nada à ser feito, Sr.ª Young. Nem mesmo a medicina pode solucionar casos como este. A única coisa que nos resta é esperar - , uma voz máscula e séria, sem traços de emoção, falou de maneira neutra. Soube que o portador estava um pouco mais distante de mim, por notar o volume do som em meus ouvidos.

BIP : O Som do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora