Capítulo 2: O Visitante Mais Estranho

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Nathan tocou fortemente minha mão acariciando os nós de meus dedos com carinho, coisa que jamais havia feito antes.

Ele sabia muito bem que aquele tipo de contato físico desnecessário não era exigido por mim, por isso nunca se deu ao trabalho de praticar tais atos. Algo que mudou após o acidente. Desde o desastre ele andava cada vez mais próximo de mim, indo me visitar duas ou três vezes por semana no primeiro mês de coma.

- O Matthew mandou lembranças para você também. Ele finalmente pediu Hannah em namoro, mas está um palerma. Você odiaria a forma com que ele age. Começou a andar por aí com filosofias de vida e só consegue falar sobre ela. Algo típico de romances literários... -, Nat falou antes de soltar uma risada anasalada e fungar o nariz.

Ele era o único que costumava ir me visitar com tanta frequência, com exceção de minha mãe.

Até meu pai já desistira de me ver reagir. Para ele tudo estava perdido...

Quem dera fosse tão fácil assim. Desse jeito meu destino já estaria definido, mas não...Na verdade, eu me encontrava em um estado de passagem. Nem morta, nem viva. Uma pessoa que existe por consequência. E o mais complicado? Fugir definitivamente para um dos dois caminhos. Há três semanas eu estava determinada à superar tudo aquilo, mas naquele momento eu só conseguia pensar o quanto aquela rotina era chata, repetitiva e inevitável...Completamente inevitável.

- Que tal um pouco de música? O médico disse que isso poderia ajudar -, ele falou soltando minha mão para bater com os sapatos pelo chão da sala até voltar com um objeto em mãos e tocar minha orelha para colocar algo em seu interior, supus ser um fone-de-ouvido e aparentemente não estava errada.

- Talvez você lembre dessa música. É... a nossa música. Sei que é tão importante para você quanto para mim.

"Pera! Nós tínhamos uma música?" Exclamei internamente enquanto vasculhava minha memória em busca de lembranças. Nada me veio em mente. "Talvez eu não seja a única afetada pelo acidente. Alguém deve estar criando memórias falsas por aqui", pensei, um pouco antes de uma melodia adentrar meus ouvidos.

Através do fone eu conseguia ouvir nitidamente o início de uma música conhecida, Do I Wanna Know, dos Arctic Monkeys.

- Você lembra? É a música que tocou quando saímos para jantar, no nosso segundo encontro -, ele falou de maneira tão animada que eu pude imaginar um sorriso em forma de meia-lua em seu rosto.

"Não, eu não lembro" Pensei em um tom irônico e confuso. Nathan nunca havia comentado nada com relação àquilo para mim e eu confesso ter ficado irritada por só receber aquele tipo de informações após a tragédia.

Minha mãe costumava dizer que eu era uma adolescente no corpo de uma adulta, imatura demais para minha idade. Acho que, para ela, meu temperamento difícil e humor sarcástico eram uma espécie de ofensa para a seriedade da sociedade, mas a verdade é que eu não via sentido em tanta hipocrisia escondida por máscaras gentis. Eu era infantil? Verdadeira? Ríspida? Dane-se.

Eu era eu mesma. Sem segundas faces.

Senti as batidas da música adentrarem meu ouvido e atingirem meus tímpanos causando uma sensação prazerosa, até sua voz encobrir a do vocalista. Aparentemente ele acompanhava a música com o outro fone, já que cantarolava a letra ao meu ouvido vazio.

Nathan como cantor era um ótimo bombeiro. Sua voz era desafinada e irritante. Deveria ter me certificado de avisar isso à ele antes.

Tanto é que quando ele falou, em um tom irritante e prejudicial à audição, um trecho da música, eu pude sentir meu ouvidos se desesperarem por ajuda. Em outras condições, eu poderia facilmente gargalhar até uma dor atingir meu abdômen e fazer minha garganta se fechar para o oxigênio.

BIP : O Som do CoraçãoWhere stories live. Discover now