Epílogo

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Ela...

605 anos depois, Califórnia
Dias Atuais...

Mais um dia. pensei ao encarar meu reflexo no espelho; com o passar dos séculos minha expressão sempre tão alegre, agora era fria, meus olhos sempre tão vivos e flamejantes agora eram vazios, tudo o que eu possuía de bom Vlad, como o perfeito vampiro, conseguira sugar de mim.
  Lavei meu rosto e saí da frente do espelho o mais rápido que pude nao queria mais olhar para a mulher que havia me tornado...
  Na cozinha encontrei Kalifa sentada à mesa com uma xícara de café nas mãos e um livro flutuando à sua frente, assim que percebeu minha presença ela sorriu e disse sem tirar os olhos do livro:
  — Bom dia.
  — Você tem que parar com isso, — falei ao me servir de uma xícara de chá — eu poderia estar com alguém.
  — Você nunca trás ninguém para casa — disse ela ainda sem tirar os olhos do livro — você já tentou uma vez, lembra-se?
  — Nem me lembre disso! — falei ao me sentar à sua frente, falar naquele assunto apenas me dava dor de cabeça; em todos aqueles anos eu nunca havia tentado substituir Arthur e na única vez em que tentei seguir com minha vida acabei perdendo o controle e terminei a noite com um cadáver sem uma única gota de sangue em minha cama.
  — Um amigo meu vai lançar um livro esta noite, — disse ela de uma forma casual — e ele disse que queria muito que você fosse.
  — E que amigo é esse? — perguntei mordiscando um bolinho de gengibre.
  — Você não o conhece. — ergui as sobrancelhas e Kalifa deixou o livro em cima da mesa ao dizer — Ele nos viu juntas uma vez, ele te achou bonita e começou a fazer perguntas...
  — E agora você quer que eu o conheça porque acha que ele pode me ajudar a deixar o passado no passado e seguir em frente. — completei, Kalifa mexeu os lábios como se dissesse "exatamente" e eu me debrucei sobre a mesa ao dizer — Eu já tentei uma vez e as coisas não acabaram bem, você sabe disso, o que lhe garante que não vai acontecer de novo?
  — Apenas confie em mim. — disse ela se levantando e colocando sua bolsa sobre os ombros, Kalifa depositou um beijo em minha testa e disse — Esteja pronta às 17h00. À propósito, compre um vestido novo, eu tenho certeza de que Ambrógio vai adorar te ajudar a escolher um.
  — Vou pensar no seu caso. — falei enquanto ela caminhava em direção à porta.
  — Não se esqueça de comprar um vestido novo, e esteja pronta às 17h00. — disse ela por cima do ombro antes de sair.
  Passei alguns tempo fitando minha xícara de chá até que finalmente me levantei para encarar mais um dia longo que se estendia à minha frente.
  Durante o trajeto até o trabalho fiquei observando as pessoas ao meu redor, todos estavam muito ocupados falando em seus telefones para prestar atenção na pessoa ao lado e imaginei se aquelas pessoas tinham uma pequena noção do quanto suas vidas eram importantes, se elas tinham noção de que elas não eram nada além de pequenos sopros que um dia se extinguiram e não deixariam nada para trás... Aparentemente elas não sabiam...
  Ao chegar à livraria fiz meu trabalho no piloto automático e não parei para pensar em nada até que John disse:
  — Você está distraída hoje...
  — Desculpe. — falei ao lançar um leve sorriso para ele, John era neto da proprietária da pequena livraria e estava prestes a ser pai aos 20 anos, ele amava sua noiva e sempre que eu os via juntos acabava me lembrando de Arthur.
  — Sabe, às vezes eu acho que você não é daqui. — franzi o cenho com suas palavras e ele se apressou em explicar — É que seus olhos parecem pertencer à outra pessoa, parecem pertencer à alguém muito mais velho que já viveu muitas tristezas na vida... 
  — E se eu te disser que sou bem mais velha do que aparento ser? — falei — E se eu te disser que nasci em 1388 e tenho 628 anos, o que você faria?
  — Eu te perguntaria como isso é possível. — respondeu ele se debruçando sobre o balcão.
  — Eu sou a filha do Drácula. — respondi ao dar de ombros.
  — Uau! — sorriu ele — Então você pode me apresentar o lendário Príncipe Vlad Tepes?
  — O real nome dele é Vlad Vaubadom, — falei — e não, eu não te apresentaria à ele, eu gosto de você e não quero que ele sugue a sua alma como sugou a minha.
  — Pode me transformar em vampiro? — perguntou ele com os olhos brilhando de brincadeira.
  — Sinto muito, sou metade humana, não possuo veneno. — falei ao fazer uma cara de pesar — Mas confie em mim, imortalidade é uma droga, você está bem melhor assim.
  Ao invés de me chamar de louca ou sair correndo e gritando, John simplesmente riu, o que me fez rir também. Ele disse algo como "você é ótima contando histórias"  e voltamos ao trabalho até que ele disse novamente:
  — Você disse que o verdadeiro nome do Conde Drácula é Vlad Vaubadom, certo? — fiz que sim com a cabeça e John coçou o queixo ao completar — Se esse é o verdadeiro nome dele, então porque todos o chamam de Vlad Tepes?
  — Haviam dois homens chamados Vlad, mas apenas um deles era o Conde Drácula, ao contar a história os humanos acabaram se confundindo e atribuíram o título ao Vlad errado. — falei, John ficou ainda mais interessado na história e passei o resto da manhã lhe contando sobre os dois vampiros chamados Vlad e sobre a enorme história que os seguia e que muito poucos conheciam.
  — Você deveria escrever um livro com essas histórias. — sorriu John.
  — Quem sabe um dia... — falei ao colocar minha bolsa sobre o ombro e sair para meu horário de almoço.
  Caminhei por entre as ruas na maior paz mesmo estando em meio à tantas pessoas, eu podia sentir alguns olhares curiosos colados às minhas costas mas não dei atenção, aquilo era uma coisa ao qual eu já estava acostumada.
  — Para onde vamos? — perguntou Ambrógio surgindo ao meu lado.
  — Não é da sua conta. — respondi ao atravessar a rua, tendo a plena consciência de que Ambrógio continuava ao meu lado e que Demétris nos seguia de longe.
  — Quanta má educação Princesa... — disse ele com um meio sorriso em seus lábios.
  — Não é questão de ser mal educada. — falei, após duzentos anos eu já estava me acostumando com Ambrógio e estava até começando a gostar dele... — A sua tarefa é me acompanhar para onde eu for, sem questionar, então vendo por esse lado não é da sua conta para onde eu vou ou deixo de ir, sua função é apenas me acompanhar.
  Ambrogio riu e continuou me acompanhando sem dizer mais nada. Há duzentos anos Vlad e eu conseguimos entrar em um acordo: ele me deixaria em paz e nunca mais apareceria em minha vida mas Ambrógio e Demétris teriam que estar sempre comigo para me proteger e para proteger o mundo de mim, era um preço pequeno a se pagar para não ter mais a presença de Vlad por perto, por isso, aceitei sem pestanejar.
  Ao entrar em uma loja não passei muito tempo procurando o vestido perfeito, simplesmente escolhi o que mais me agradava e comprei sem provar. Na volta, Ambrógio me acompanhou até perto da livraria e logo sumiu no meio das pessoas.
  O resto do expediente na Livraria Poeira de Sonho foi como sempre, John fazia suas piadas e por mais que elas fossem idiotas eu acabava rindo, nós atendíamos aos clientes com sorrisos simpáticos em nossos rostos e logo começamos a conversar sobre um livro que ambos havíamos gostado muito. Quando meu expediente acabou me despedi de John e de sua avó que estava no escritório nos fundos da loja e fui para casa, como sempre Ambrógio me acompanhou de perto e Demétris apenas nos seguia oculta nas sombras; quando Ambrogio não desapareceu ao chegarmos à portaria do prédio me virei para ele com uma expressão intrigada.
  — O que você ainda faz aqui? — questionei.
  — Demétris disse que sentiu o cheiro de um lobisomem não muito longe. — respondeu ele ao olhar em volta.
  — Um lobisomem? — ergui as sobrancelhas e cruzei os braços sobre o peito — Na Califórnia?! Ambrogio isso é impossível, esse é território dos vampiros, e mesmo que não fosse, ainda há o tratado de paz que próspera há mais de 600 anos, acho que não precisa dessa proteção toda...
  — Ainda existem lobisomens rebeldes que não estão nem aí para o tratado, o que significa que precisa sim de toda essa proteção! — disse ele me arrastando escada à cima — À propósito, por que você escolheu um lugar tão ensolarado?
  — Porque me faz esquecer quem realmente sou. — falei é Ambrógio se calou, encerrando o assunto.
  Uma vez destro do apartamento, Ambrógio se jogou no sofá e ficou se deleitando com a luz do sol que tocava sua pele extremamente pálida. Ignorei ele o máximo que pude mas não era fácil, enquanto eu preparava algo para comer ele ficava cantarolando uma música irritante e aquilo foi me deixando cada vez mais irritada, até que falei:
  — Se você não calar a boca agora eu vou arrancar a sua cabeça e você sabe que eu sou muito boa nisso! — Ambrógio ergueu as mãos se rendendo e parou de cantarolar — E tire suas patas imundas de cima do meu sofá! — acrescentei.
  Ambrogio ficou calado enquanto me observava comer, por ser metade humana conseguia sobreviver com comida normal, mas não me mantinha tão satisfeita quanto sangue, por isso precisava me alimentar em uma frequência muito maior. Assim que terminei de comer a porta se abriu e Kalifa entrou em nosso pequeno e aconchegante apartamento, ao ver Ambrógio ela ergueu as sobrancelhas e veio caminhando em direção à cozinha ao dizer se servido de um copo d'água:
  — Sabe Ambrógio, a cada dia que se passa eu me arrependo mais e mais de ter lançado um feitiço que lhe protege do sol...
  — Bem, então acerte as contas com a sua consciência e desfaça o feitiço, bruxa. — Ambrógio olhava para Kalifa de uma maneira desafiadora, ele estava pagando para ver e eu sabia que aquilo não acabaria bem.
  Kalifa o olhava com intensidade e alguns segundos depois a pele de Ambrógio estava fumegando, ele soltou um arqueijo assustado e correu para sombra mais próxima, o que fez Kalifa abrir um sorriso enorme e forçadamente inocente ao dizer:
  — Obrigado pelo conselho Ambrógio querido, eu me sinto bem melhor agora. — ela começou a caminhar em direção a seu quarto e antes de se enfiar no corredor fez como se tivesse se lembrado de algo e se virou para ele ao dizer — Ah, eu lhe aconselharia a não caminhar sob a luz do sol agora, pode ser prejudicial à saúde.
  — Que amiga você foi arrumar hein... — mormurou Ambrógio tentando chegar ao sofá mas grande parte da sala ainda estava banhada pela luz do sol, o que o deixava encurralado em um canto.
  — Ninguém mandou você provocar uma bruxa. — falei ao me levantar, pegar a sacola onde estava meu vestido e ir para meu quarto.
  Tomei um banho longo e relaxante e troquei de roupa, quando já estava pronta me olhei no espelho e esbocei um leve sorriso ao me ver pronta. Eu usava um vestido de seda curto e sem mangas, a saia era em estilo godê e sua primeira camada era feita de um tule transparente com faixas horizontais deixando à mostra a outra camada em seda e havia também um delicado laço circundando minha cintura; calcei sapatos de saltos perigosamente altos também pretos, deixei meus cabelos dourados caírem livres ao redor de meus ombros e peguei uma bolsa qualquer antes de sair.
  Kalifa me aguardava na sala e ao vê-la me perguntei como aquela garota conseguia ficar cada dia mais maravilhosa, ela usava um vestido branco tomara que caia que ía até o meio de suas coxas, a parte de cima do vestido era coberta de brilho prateado que se destacava por causa da pele negra e a deixava ainda mais parecida com uma princesa. 
  — Você está magnífica. — sorri ao fazê-la girar em torno de si mesma.
  — Obrigado. — sorriu ela — Você também está muito bonita, tenho certeza de que meu amigo vai se apaixonar ainda mais por você quando a vir desse jeito.
  — Que amigo? — perguntou Ambrógio alternando seu olhar entre nós duas.
  — Não é da sua conta. — respondemos em unissonoro antes de sair.

A Garota No BosqueWhere stories live. Discover now