Capítulo 44 - Quando ela partiu

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Olhei ao redor do campo de trigo alto e para minha vestimenta. Não me lembro de ter colocado uma camisa. Andei sem rumo esperando qualquer sinal.

– Nathan!

Me virei ouvindo uma voz familiar. Linda. Linda num longo vestido vermelho de tecido fino brincando com o vento na colina bem alta. Os lábios da mesma cor formavam um sorriso meigo e convidativo.

– Hannah!

Caminhei depressa ouvindo sua risada alegre. Se afastando, rodopiava vezes seguidas chamando para ir ao seu encontro, e eu ia. Parecia querer voar, e também andar em uma linha frágil.
Parando num ponto rochoso percebi ser um precipício imenso. Observado a altura, Hannah não demostrava medo ou receio de estar no topo. Minhas mãos gelaram, mesmo com aquele sorriso não conseguia me tranquilizar.

– Meu amor, se afaste dai, é perigoso!

– Eu quero beija-lo, venha...

Engoli seco sentindo batimentos cardíacos fazerem barulho dentro de mim. O medo de perdê-la me paralisava mas a queria mais que qualquer coisa. Respirando fundo encarava aqueles olhos verdes transbordando felicidade. Acariciando meu rosto, fechamos os olhos juntos e seus lábios selaram os meus num beijo cálido e puro.

– Vamos embora Hannah.

– Eu amo você Nathan.

O vento se enfureceu e a paisagem clara deu lugar a nuvens escuras e trovões estrondosos. Uma tempestade viria com força fenomenal. Um raio ruidoso caiu, e abrindo os braços sorriu.

– Eu te amo muito.

Com mais um passo ela se impulsionou pra trás aceitando o suicídio. E meu desespero me fez gritar seu nome e me jogar tocando nas pontas de seus dedos. Estava tudo bem. Porque eu iria até o fim com ela, mesmo que aquilo fosse obscuro demais pra ser entendido. Eu não tinha mais medo de nada.

Com a respiração descompassada levantei jogando o edredom pro lado. Não conseguia distinguir se fora um sonho bom ou ruim. O despertador marcava 7:40. Puta merda, não podia me atrasar.
Entrei no banheiro pra escovar os dentes e tomar um banho rápido pra despertar. Logo desci as escadas estranhando a casa tão silenciosa. Na geladeira um bilhete rápido explicava tudo.

"Bom dia meu amor! Espero que acorde a tempo e vá se despedir de Hannah no aeroporto. Deixei meu carro pra você. Um cliente me ligou ontem à noite então precisei pegar carona com seu pai"

Te amo muito
                  xoxoxoxo            A. 

Amava a letra e todos os cuidados de mamãe. Coloquei cereal e leite na tigela e mesmo sem fome me forcei a comer. Mastigava deixando meus pensamentos me questionarem "o que ela estaria pensando nesse momento?". Deixei a tigela interminada pegando as chaves do carro.

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8:47 AM

Mas que merda era essa? Todos decidiram sair nessa manhã de casa? Ou seria a pressa por olhar no painel do sedan e ver o horário passar rápido demais? O sinal se abriu e acelerando segui por um caminho alternativo. Freei bem em cima da faixa. Ah não! Uma senhora de andador atravessava devagar enquanto uma garota carregava o saco de compras.
Me concentrei em continuar e logo chegando ao estacionamento do aeroporto. Muitas pessoas transitavam e esbarrando nelas nem me desculpava. Malas arrastadas, sinais de voo e avisos pelas caixas de som. Olhava para os grandes painéis com horários e destinos e procurava apenas um.
Numa fila cheia, me enfiei no meio de todos recebendo a desaprovação e reclamações até me debruçar no balcão em que a moça maquiada interrompeu seu atendimento assustada.

– Por favor... O voo com destino a Nova York as nove da manhã...

– Sinto muito – ela olhou rapidamente pra tela computador – a última chamada foi a cinco minutos atrás e o avião já está na pista com os passageiros já embarcando.

Queria ser educado mas tive de sair correndo já que poderia vê-la antes de embarcar. Vi uma placa indicativa e correndo o barulho das turbinas já mostrava o avião tomando impulso na pista para a decolagem. Rasgando o céu fazendo meu coração se quebrar mais.

– Hannah – sussurrei bagunçando meu cabelo em frustração e meus olhos marejaram embaçando minha visão – Hannah!

Minha garganta ardia por guardar milhares de palavras em que nem pronunciei. Se tratando dela era fraco. Sabia que não suportaria os dias sem ouvir sua voz ou qualquer coisa que me remetesse a ela.
Talvez só fosse uma degustação de algo sublime que não teria por muito tempo. Além de destruir tudo o que tocava, era insuficiente. Como pode terminar assim? Estraguei tudo e me culparia todo santo dia.

Avistei Erin caminhando com a cabeça baixa e fui até ela.

– Oh meu Deus Nathan! Você...

Deixando as lágrimas rolarem, Erin me abraçou tímida enquanto chorava em seu ombro. Me afastei sem jeito nem entendendo o que aconteceu e porque sentia todo o peso do mundo nas minhas costas.

– E-eu...

– Pare de chorar por favor.

– Queria ter me desculpado por tudo... Queria ela de volta pra mim... Porque você a deixou Erin?

– Foi uma escolha que envolvia o segundo maior sonho dela. O primeiro, sempre foi querer ser feliz com você Nathan. Essa situação foi complicada. Vocês saíram magoados.

– Sim.

– Eu preciso de ir. Chamei um táxi – ela passou a mão no rosto limpando os olhos lagrimejados e abriu a bolsa retirando um envelope de carta extendendo pra mim – vamos, pegue! Hannah sabe da raiva que provocou em você e fez isso pensando na possibilidade de que não viria.

Peguei o envelope olhando para a caligrafia caprichada com meu nome escrito. Meu estômago revirou mas sabia que precisava de tranquilidade para ler o que estivesse ali.

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No caminho de volta pra casa, olhava para a carta em cima do banco com várias lembranças vindo na minha mente. Reprimi o choro de incertezas, ler as possíveis palavras, talvez me dessem respostas. Me sentei na ponta da cama com as mãos trêmulas manuseando o papel.

"Não era pra você estar lendo esta carta. Porque imaginei que fosse aparecer com toda sua veemência me fazendo suspirar entre seus braços e seus olhos castanhos brilhantes. Não.
Te dou toda a razão. Você está com raiva porque realmente, fui egoísta. Reconheço. Sinto muito por quebrar nossas promessas, causar mágoas, machuca-lo com algo que não deveria esconder.
Eu fiz a coisa certa ou perdi o amor da minha vida? Devo seguir em frente e deixar isso mal resolvido? As dúvidas sempre foram um empecilho diante qualquer decisão, e o peso das escolhas sempre causam aquele medo constante, a ferida que a decepção deixa, transforma qualquer um. E o amor? Caramba... Machuca, mas é claro que também renova, cura e cicatriza.
Irei te esperar, sabendo que nada será como antes. Pode ser daqui uma semana, dois meses, três anos. E se não aparecer... Eu não sei como seguirei em frente. Perdi o meu equilíbrio. E confesso que a pior parte de tudo isso não foi te perder e sim perder a mim mesma. Eu te amo e sempre te amarei, cada célula, cada átomo, cada batida do seu coração."
                 Com amor    Hannah.

Sentia as unhas fincarem na palma da mão pela força. No verso da folha, tinha o endereço da sua nova moradia em Nova York. Levantei jogando as coisas da escrivaninha no chão. A raiva me corroía. Não queria que ela pensasse que estava acabado, quando tomei atitudes estúpidas, fazendo a situação piorar.
Bati a porta do banheiro me apoiando na pia deixando os soluços ecoarem. Com mais lágrimas, reli a carta e encarei meu reflexo exausto no espelho. Com socos seguidos o fragmentei vendo o sangue respingar manchando a carta.

Aquela dor não me faria menos covarde.

Escorreguei até sentar no chão me rendendo a tristeza torturante porque os momentos felizes estavam presos em minha cabeça, e eu não tinha mais certeza de nada além de também estar perdido e sozinho.

Jogada ImperfeitaWhere stories live. Discover now