01. » chuva maldita.

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Foram horas de viagem com um ônibus quase vazio pelo trajeto de uma rodovia, e uma caminhada solitária de vinte minutos por uma estrada de terra que me levaram para o Motel Tropical, uma - não tão - simples instalação de férias. Tudo isso, para ganhar o maior cheque de toda minha carreira até o momento.

Não vou mentir, o local era de fato bonito. Gramado verde, um belo chafariz na entrada, flores bem cuidadas, janelas com limpas cortinas esvoaçando como cantos franceses, o cheiro do café fresco, tudo era muito rico de plantas rasteiras e trepadeiras sobre as janelas de vidro dos andares, tudo isso de paisagem para um ligeiro fluxo de pessoas indo e vindo com malas. Todas transmitindo um ar a mais de superioridade, e era óbvio que muitas delas, nem queriam estar alí. O lugar parecia rústico demais para pessoas com jóias e carros com uma definição de uau, nem nesta vida terei.

Era incrível a capacidade de pequenas coisas te deixarem imensamente irritado quando não davam certo consecutivamente. Já naquele ponto, eu estava começando a achar que o meu dia estava sendo um dos piores do ano. Isso, e nem havia acabado ainda. Infelizmente. Não só seria um dos piores, como o pior.

Vamos ser sinceros, okay? Trabalhar, indo de um lado para o outro, sem pausas, em si já é algo que trás um mau-humor como algo natural em estado de espírito. Porém, hoje eu estava chegando ao meu limite. As pessoas deste lugar são quase insuportáveis, enquanto fotografava um pequeno jardim para o catálogo pedido, era percetível a prioridade das pessoas que estavam alí. Elas passavam e atrapalhavam o meu trabalho, sem remorcio algum, mesmo dizendo dúzias de vezes "por favor senhora, eu estou fotografando", e eu recebia um "garoto, quem está atrapalhando algo aqui é você". Quem, diabos pede para a formação de um catálogo de venda no mesmo dia de uma festa de aniversário?!

Aliás, e por que em um motel a fundo de estrada? Sério mesmo? A garota que aparecia gritando e saltando sobre figuras novas naquele espaço, não me parecia o tipo de moça que gosta de ficar em algum local isolado como este. Inclusive, ela até saltou em mim na minha chegada, e ao reparar que não era nenhum parente, mesmo que distante, pediu tantas desculpas, que Deus deve ter sentido inveja de quantas vezes tive que dizer que a perdoava e estava tudo bem.

Aqui me parece um bom lugar para se isolar da vida social e comunicativa, mas... uma festa de aniversário vai contra isso. Cheguei ao momento que deduzi várias teorias, e jogo panos quentes pensando mas quem sou eu pra julgar o gosto alheio? mesmo que, impacientemente e de forma quase inconsciente eu já fiz isso.

O dia todo foi acompanhado de um sol escaldante, de partir o concreto, porém, com a chegada da tarde, tudo mudou. Chovia muito, e eu não conseguia achar a droga das minhas chaves para abrir a porta do meu quarto. Meu casaco respingava água gelada no carpete de entrada, deixando o chão abaixo de meus pés ensopados. Havia criado uma pequena lagoa em minhas botas com a demora que estava tendo. Procura aqui, e procura dalí, um bolso, outro bolso. Nada do chaveiro tilintar.

Minha bolsa estava igualmente molhada, e como eu não estava em um bom dia, isso me irritava pelo fútil fato de que tudo colava, os bolsos, meus objetos e folhas, estavam todos grudados, e principalmente as coisas de materiais mais frágeis, estava antecipadamente me torturando sobre como secar sem danificar. Fazia menos de quatro horas que eu havia chegado no local, mas sorte a minha que deixei recentemente meu equipamento de fotografia no quarto, os rolos, o tripé e tudo que me faria ficar ainda mais desengonçado.

ㅡ Merda ㅡ Resmunguei irritado, chacoalhando minha mochila, apalpando meu bolso, sem sinal daquela chave. Sem ela não entro na droga do quarto! Que porra, que merda!

Foi quando as luzes se apagaram.

Tudo ficou em um enorme silêncio imediato, seguiu-se por segundos em metamorfose eterna. Ninguém falava, nem respirava, não parecia vivo, tudo se parecia comigo, assustado, com todos os pelos do corpo arrepiados em um instinto de que... algo está errado. Não conseguia saber o que estava acontecendo, para um lugar recheado de hóspedes, tudo era um breu sinistramente silencioso.

Ouvi passos mansos, porém rápidos vindo do início do corredor. Em seguida, um grito agudo de uma mulher, seguido de um disparo alarmante.

Sem pensar duas vezes, minhas pernas começaram a se mover para a direção oposta do som ameaçador, trêmulas, a correr mesmo não vendo ou percebendo o caminho. O que quer que esteja acontecendo não é bom, nada bom, e não pagarei para ver. Trombei em alguns vasos de plantas que ficavam próximos as paredes, era um sinal positivo, eu estava indo para alguma direção afinal, numa esperança mínima e fraca de ter alguma porta aberta.

Quando meus dedos alcançaram outra maçaneta, podia sentir meu coração espancando meu peito, como um enorme alívio, aquela estava aberta. Sem raciocinar, entrei, mergulhando em uma outra escuridão, ainda mais desconhecida. E fechei a porta, mesmo tendo plena certeza de que eu não sabia o que ou quem havia dentro daquele possivelmente quarto. Talvez, eu esteja na boca do lobo?! Com isso em mente, girei o corpo para tentar enxergar algo alí dentro, espalmando minhas mãos na porta, pronto para fugir caso eu estivesse fodido.

Entre minha respiração pesada, descontrolada, olhos arregalados e atentos, um relâmpago cortou o céu como uma faca afiada e torta, jogando a luz prateada no quarto, e em seguida, o estrondo quase explosivo de um trovão. Uma fração de segundos, e tudo brilhou.

E o vi, alí deitado, agarrado preguiçosamente em uma coberta felpuda avermelhada, com a bochecha gordinha esmagada pelo travesseiro. Seus fios caíam em seu rosto, e ele dormia serenamente inofensivo.

24H: in Motel ⊱JikookWhere stories live. Discover now