Prólogo

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Todos os heróis atuais são homens comuns, e todos os homens, possíveis heróis.
Elizabeth Barrett Browning

Magnus Eddington, o sexto conde de Rutherford, não era um homem amável.
Mesmo assim, as pessoas se encantavam com ele. Os homens o admiravam, pois demonstrava extrema competência em todas as tarefas que executava, tinha sucesso financeiro, um belo porte sobre o cavalo, e as mulheres concorriam por sua atenção. O que deixava todos ainda mais invejosos era o fato de o conde não se esforçar nem um pouco para alcançar tais proezas. Por esse motivo, entre outros, havia aqueles que o caluniavam. Eddington era um homem implacável que não se abatia ao fazer um ou mais inimigos em favor de suas ambições.
Quanto às mulheres, elas eram atraídas como mariposas em direção à luz, e, na maioria das vezes, ficavam decepcionadas, pois o romantismo não fazia parte de seu vocabulário. Era arrogante, mas elas lhe perdoavam. Sua beleza juntava-se a um ar selvagem, tornando-o muito sensual. Sobrancelhas negras enfeitavam olhos cor de esmeralda. Cabelos pretos, brilhantes e ligeiramente ondulados cobriam-lhe a nuca. Seu rosto misturava ângulos, o que o deixava ainda mais atraente.
Essas características encantavam as mulheres, junto com um ar de tragédia que o envolvia como um aroma sutil. Aquelas de natureza mais sensível respondiam ao apelo intrigadas. Entretanto, nenhuma conhecia a causa de seu aspecto sombrio, pois Magnus mantinha seus demônios bem escondidos.
Seu único sinal de humanidade era o orgulho do irmão mais novo. David era um jovem exuberante, bem-humorado e de uma bondade ímpar.
Quando a notícia da doença fatal de Magnus Eddington chegou aos ouvidos da sociedade londrina, lágrimas sentidas e brindês triunfantes se misturaram. Quanto ao misterioso conde, ele digeriu o resultado de sua última consulta médica com o rosto inexpressivo ao qual todos estavam tão acostumados. O médico, quinto e derradeiro membro da junta que o enFermi reunira para examiná-lo, informou o diagnóstico e ficou calado, em sua cadeira, esperando que seu paciente dissesse algo.

- Não  existe a possibilidade de erro?- a voz do conde era um belo barítono. Conseguia levantá- la causando um efeito perturbador. Por outro lado, quando falava com suavidade, a silenciosa insinuação de ameaça tornava-se mais intimidante ainda.
O pobre médico limpou a garganta.
- N-não... Com base nos exames que fiz, não existe outro resultado. As provas são persuasivas, ainda mais com o histórico de doenças cardíacas em sua família. Sinto muito, mas não há dúvidas.
Magnus se levantou.
- Então permita-me agradecê- lo, doutor. Meu criado o acompanhará até a porta.
O médico colocou-se em pé e ajeitou o chapéu.
- Precisamos acertar as contas - disse ele, olhando para os pés.
- Mande- me um relatório com as despesas, e amanhã eu lhe envio o dinheiro. Agora se me der licença, gostaria de ficar sozinho.
- Sim, Sim, claro. Sei que é difícil, mas tente se acostumar com a notícia. Se precisar de alguma coisa, pode me chamar a qualquer hora.
- Segundo seu diagnóstico, Eu morrerei dentro em breve, portanto, o tempo não está mais a minha disposição.
O singelo sorriso que o médico tinha nos lábios sumiu com o tom de voz sarcástico e olhar de ameaça usados por Magnus.
- Sim- concordou ele, caminhando para a porta. - Já vou. Amanhã mandarei meu assistente. - O médico hesitou e virou- se para seu paciente. - Posso lhe fazer uma pergunta, se não se importar... O que pretende fazer?
Magnus lançou o mais atemorizador dos olhares para o homem. Queria ficar sozinho. Queria beber algo bem forte e afastar- se de tudo e de todos.
O diagnóstico não era de surpreender.  Os outros quatro médicos haviam chegado a conclusões idênticas. Doença do coração, como seu pai. Todas as informações que estes excelentes médicos haviam lhe dado não contemplavam uma possível cura. Pior ainda era sua expectativa de vida: menos de um ano. Parecia não haver respostas para o porquê da doença.
Magnus respirou fundo e forçou- se a ser educado.
- O que farei? Logicamente pretendo escolher uma esposa e me casar o mais depressa possível. Em seguida, gastarei todas as minhas energias e, com um pouco de sorte, conseguirei engravidá- la. Dessa forma, quando eu morrer, uma pequena parte de mim continuará a existir.
O médico arregalou os olhos.
Ao observá- lo, Magnus sentiu uma pontada de  remoso por sua severidade. Por que tinha sido tão rude com o pobre homem que não tinha culpa de nada? Sentia uma fúria incontrolável, mas não sabia a quem se direcionava. No momento, o médico serviu de alvo, o que era uma grande injustiça.
- O senhor está falando sério?
- Muito. Agora se me der licença, doutor, eu gostaria de ficar sozinho.
Depois de o médico ter se retirado a porta, Magnus encheu um copo de uísque e bebeu em um gole só. Encheu-o novamente. Com passos lentos, andou até a lareira e ficou olhando para o nada as brasas apagadas. O doce cantar dos pássaros invadia as janelas abertas, é uma bela claridade iluminava o aposento, contrastando com seu estado de espírito soturno. Apoiou a mão no consolo, e percorreu a pedra entalhada com os dedos . Nunca repararmos detalhes decorativos.
Por Deus, já estava se tornando piegas! Bebeu mais alguns goles, saboreando o ardor que a bebida causavá em seu peito. Dor significava vida. Não era uma sensação agradável, mas bem melhor do que o nada.
Mesmo assim, piegas.
Estava com medo? Para sua surpresa, Magnus descobriu que sim. Um pouco. Não da morte. Seu grande medo era partir para um outro mundo sem deixar nada de concreto e bom para que os outros se lembrassem dele. E cada uma das palavras que dissera ao médico tinha sido a mais pura verdade. Desde que escutara sua sentença de morte do primeiro médico, ele se agarrar a com todas as forças a idéia de não partir sem deixar para trás um traço de sua existência. Cada médico que tinha consultado lhe roubara um pouco de esperança de que poderia haver alguma outra maneira de interpretar os estranhos ataques que o acometiam fazia meses. Em seu lugar crescia um desejo intenso e cada vez maior. Uma única e última vontade.
Ter um filho.
Era uma aspiração bastante básica, imaginou, um assunto que nunca ocupara seus pensamentos. Acreditava que tais ambições reservavam- se somente para homens mais dignos.
Agora, entretanto, esse desejo vinha se  transformano em ambição. E cada vez mais urgente. Estava morrendo. Não tinha tempo a perder.
Magnus deixou o copo de lado e sentou- se em uma poltrona de couro, segurando a garrafa de uísque. Então ficou a beber sem parar até seu irmão entrar.
David não disse nada. Acomodou- se na outra poltrona e se manteve em silêncio até que seu irmão decidisse falar.
- Encontre- a para mim, David. Encontre- me uma esposa.

Rosas à Meia-NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora