Capítulo 1

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Rutherford, Cambridgeshire, Inglaterra, 1847


Com a postura ereta e o queixo erguido, Caroline Wembly levantou a pesada aldrava e soltou-a, causando um grande barulho. Olhou para trás a tempo de ver o cocheiro partir acompanhado de quatro pessoas, deixando-a completamente sozinha na entrada semicircular da grande propriedade de Hawking Park. Voltando-se para a pesada porta, procurou controlar a respiração trêmula e esperou.
Não querendo se mostrar acanhada na frente do cocheiro, procurou não parecer impressionada com a carruagem que a havia transportado até lá.
Da mesma forma, a primeira olhadela na pomposa mansão não suscitara comentário algum, bem como os outros indícios da fabulosa riqueza do conde de Rutherford. Ainda assim, Caroline não conseguiu conter o espanto ao notar que a aldrava que acabara de usar não era feita de bronze, como imaginara, mas sim de ouro.
A imponente porta se abriu para dentro e um senhor sério com cabelos perfeitamente penteados apareceu.
— Srta. Wembly? — perguntou.
Ela balançou a cabeça, assentindo. O criado deu um passo para trás, indicando que deveria entrar.
— Sou Arthur — disse ele com seu tom polido. — O Senhor a aguarda. Siga-me, por favor.
Ela acompanhou o mordomo pelo longo corredor com teto abobadado. O silêncio predominava, perturbado apenas pelo barulho de seus saltos no chão de mármore. Havia várias esculturas esquisitas, ninfas de alabastro cujas formas nuas ficavam bem longe dos padrões de decência. Ficou chocada com os corpos sensuais, e teve de se esforçar para desviar o olhar quando passaram por várias portas de mogno e entraram em um salão palaciano. Arthur apontou-lhe uma cadeira, e ela acomodou-se.
— O senhor chegará em um instante— declarou. Então virou-se e saiu do aposento, fechando a porta sem fazer o menor ruído.
Caroline soltou a respiração presa e inclinou a cabeça.
Procurou algo para segurar no estofado da cadeira, mas não havia nada. Respirou fundo e pausadamente, tentando se acalmar.
Nunca estivera em um lugar como aquele! Como se sua presente missão já não fosse mortificante o suficiente, deparar-se com tanta grandiosidade e pompa quase a reduziu a uma massa trêmula de ansiedade .
Torcendo para que o conde não aparecesse tão depressa, ela caminhou até um espelho com moldura dourada para verificar sua aparência. O ruge-ruge de sua saia no chão parecia ecoar no amplo ambiente. Uma análise cuidadosa no espelho garantiu-lhe que tudo continuava na mais perfeita ordem. Passou as mãos pela cintura, depois ajeitou os seios, de modo que uma generosa protuberância de cada um ficasse discretamente à mostra. Não era um hábito muito elegante mostrar o colo àquela hora do dia, mas Caroline estava determinada a exibir o máximo de suas qualidades.
"Além do mais", pensou ela, ajeitando um cacho loiro na têmpora, "preciso me encaixar perfeitamente neste papel a que me sujeitei representar."
Viu o reflexo dos próprios olhos no espelho. Esferas azuis.
Tão azuis que já haviam sido chamadas violetas por mais de um admirador. Grandes, dominando suas feições tensas e atormentadas. A imagem que a fitava de volta era de um rosto pálido com um olhar abandonado e assustado.
De certo o conde de Rutherford não tomaria como esposa uma jovem amedrontada e fraca. Portanto, tinha de se mostrar forte e decidida. A preocupação com James, estampada em seu rosto, a deixava mais adulta do que seus vinte e dois anos deviam aparentar. Respirou fundo e voltou os pensamentos para o pai. Era ele o principal culpado por Caroline estar sendo obrigada a passar por uma situação desagradável como aquela, oferecendo-se de maneira humilhante a um estranho. Na medida em que a amargura tornava conta de seu ser, ela observou seu rosto se transformar. Tinha a expressão fria e distante.
Satisfeita, voltou ,a atenção para o vestido. Este era um detalhe que, com certeza, lhe garantiria uma ótima apresentação. Comprara o modelo havia uma semana na loja da sra. Rensacker, em Londres. Estava junto com os vestidos encomendados por altas damas da sociedade e que jamais haviam saído da arara. O material era uma seda azul-marinho, um tom que realçava ainda mais a cor de seus olhos e o loiro-dourado de seus cabelos. Ela e a mãe haviam demorado horas e horas para optar pelo traje mais apropriado para a ocasião. Este caíra como uma luva no corpo perfeito de Caroline, mas não poderia engordar um só grama. Era um belo vestido e valera cada centavo gasto.
Foi acometida de repente por um peso na consciência.
Tinha usado quase todo o dinheiro obtido com a venda do broche de sua avó. A tristeza da perda de uma recordação tão preciosa ficava obscurecida com a quantia de dinheiro que gastara neste esquema insano. Era um dinheiro que mais cedo ou mais tarde faria falta. Lembrando-se de que James era o motivo de todo aquele projeto, afastou o pesar. Faria qualquer sacrifício por ele.
Olhou-se pela última vez, decidindo que fizera a escolha certa. Caroline escutou alguém tossir, e virou-se no ato. Deparou-se com um homem alto, vestido de preto, parado à porta do aposento.
Ele a fitava com radiantes olhos verdes que pareciam brilhar com um tormento interior. A julgar pelo corte elegante de seus trajes e pela expressão arrogante, Caroline supôs que não poderia ser outra pessoa senão Magnus Eddington, o conde de Rutherford!
Mas não era possível que aquele homem fosse o conde de Rutherford! Não era o que esperava encontrar...
Na verdade, ele aparentava ter uma excelente saúde para alguém que diziam estar à beira da morte, além de ser bem mais jovem do que imaginara. Deveria ter cerca de trinta anos. Era mais alto do que a maioria dos homens, pensou ela, afinal sempre conseguia nivelar seu olhar com o deles. O tecido delicado e engomado de sua camisa e a gravata solta encobriam uma imagem gratuita de civilidade envolvendo um peito majestoso e ombros tão largos quanto os do próprio Atlas. Uma capa para o dia perfeitamente cortada se estendia por trás desse conjunto perfeito. Sim, um homem com um corpo escultural e saúde perfeita.
— Milorde?
Ele inclinou ligeiramente a cabeça, quase em tom de escárnio:
— Magnus Eddington a seu dispor, srta. Wembly!
Era o conde! Seu rosto era fascinante, pois havia uma severidade na linha de seu maxilar e na insolente curva de suas narinas. No entanto, os olhos verdes envoltos por pestanas longas e curvas, o olhar sombrio e os lábios sensualmente carnudos indicavam um aspecto suave e sensível, como se naturezas gêmeas estivessem em guerra dentro daquele ser, cada uma reivindicando expressões diferentes. Uma observação peculiar, bem como a certeza do mistério, de algo refreado que se escondia detrás do porte aristocrático e do lindo rosto.
Mais uma surpresa. Criara em sua mente a imagem de um conde enfermo, idoso e propenso à vaidade, pois ouvira alguns rumores sobre suas conquistas amorosas e reputação questionável. Uma pessoa presumida, talvez, que na época de sua avó era conhecida como janota. O homem parado a sua frente era exatamente o oposto, visto que carregava um ar refinado de masculinidade que inundava O ambiente.
E o pior de tudo fora que ele a vira se olhando no espelho.
Ignorando a onda de vergonha prestes a consumi-la, Caroline endireitou-se e encontrou os olhos do conde. Era um antigo reflexo: sempre que ficava vulnerável, tornava-se mais imprudente.
— Srta. Wembly — repetiu ele, entrando no salão.— Por favor, sente-se.
Caroline acomodou-se na ponta da cadeira e observou o conde se movimentar como um felino e acomodar-se na cadeira do lado oposto. Cruzando as longas pernas, Magnus apoiou os braços e cruzou as mãos na frente do queixo. Sem dizer uma palavra, ficou a encará-la até que ela decidiu quebrar para quebrar o silêncio.
— Suas obras de arte são lindas — elogiou Caroline, apontando para um pedestal no qual jazia uma pequena escultura. Só então se deu conta de que se tratava de uma representação expressiva de dois amantes nus abraçados. Mortificada, colocou novamente a mão sobre a perna.
Um pequeno indício de sorriso formou-se nos lábios do conde.
— Sim,eu notei que você as admirava.
Isso confirmava que ele a observara olhar-se no espelho. Foi o que lhe deu coragem para se recompor.
Caroline recostou-se na cadeira e devolveu o olhar com um semblante desafiador. Desta vez não se atreveria a falar, afinal de contas, quem estava fazendo a entrevista era ele.
O melhor a fazer era não pensar em quanto queria, ou melhor, precisava, vencer aquele desafio. Por mais estranho que fossem seus pensamentos, eles retratavam a mais pura das verdades. Estava se oferecendo para ser esposa do conde de Rutherford e mãe de seu herdeiro.
Afastando o desconforto, Caroline não se intimidou com o olhar direto e manteve-se calada até Magnus decidir falar.
— Fale-me um pouco sobre você, srta. Wembly.
— Meu nome é Arabella Caroline Wembly, – começou já preparada para responder questões daquele tipo — mas todos me chamam de Caroline desde pequena. Tenho vinte e dois anos. Moro em Londres desde que nasci. Meu pai era o segundo filho de uma marquesa e construiu fortuna na marinha mercante,portanto,levávamos uma vida bastante confortável,embora sem grandes extravagâncias. Fui educada por uma governanta até os onze anos, quando ...
— Por que continua solteira com vinte e dois anos? -interrompeu o conde.
A questão pareceu-lhe muito rude, mas na atual circunstância não havia espaço para amabilidades.
— Aos dezessete e dezoito anos, conheci vários homens nos bailes que freqüentava, mas nenhum mereceu minha atenção especial.
— Mas aposto como você mereceu a atenção deles, não? — De repente, o conde se moveu, apoiando a mão nos joelhos para estudá-la melhor. Parecia um gato. Um gato analisando sua presa. — Quantos pedidos de casamento já recebeu?
— Vários — respondeu ela.
— Vários significando dois, ou vários significando vinte?
Caroline olhou para o conde. Aquele olhar intenso tão. forte quanto um abraço apertado começava a exacerbá-la.
— Recebi nove pedidos de casamento, milorde — respondeu ela, levantando o queixo.
— Por Deus! — exclamou ele, mas Caroline notou o prazer escondido por tê-la provocado.— E nenhum lhe interessou?
— Não, milorde.
— Posso perguntar o motivo?
— Não, milorde, não pode — respondeu entre dentes cerrados.
— Foi apenas uma curiosidade. Agora diga-me, srta. Wembly, como tomou conhecimento de meu ... apuro?
Também esperara esta pergunta.
— Uma amiga minha que é conhecida de um contador no escritório de seu advogado contou-me que ele estava procurando jovens de boa família e situação delicada para um possível casamento de conveniência. Como eu me enquadrava na descrição, fui procurar o sr. Green, que me aconselhou a fazer a entrevista.
Caroline surpreendeu-se por conseguir falar sem se abalar, pois a simples lembrança de sua conversa com o desprezível sr. Green a enojava.
— Eu o instruí para manter a discrição. Já sou alvo de muita fofoca. Agora conte-me quais são seus problemas.
Caroline baixou os olhos. Não era difícil falar sobre sua situação, mas tinha de tomar muito cuidado pois ele não poderia conhecer o verdadeiro motivo de sua presença naquela mansão.
— Após a morte de meu pai, mamãe descobriu que seus bens estavam hipotecados, e depois que as dívidas foram pagas, não nos restou dinheiro para sobreviver. Vendemos nossa casa e alugamos um pequeno apartamento em um bairro modesto. — Ela não comentou com o conde que seu pai também perdera muito dinheiro no jogo e nem sobre a quantidade de credores que subitamente apareceu com cobranças, apinhando-se como um bando de abutres e pegando os objetos de valor que havia na casa sem a menor consideração.
O conde fez um gesto com a cabeça, incentivando-a a continuar a falar.
— Atualmente trabalho em uma livraria. Não sobrou nada para meu dote, o que exclui a possibilidade de um casamento nobre.
Magnus tentou digerir o que escutava, assentindo como se compreendesse. Mas não era o caso. Ninguém compreenderia. Quem poderia imaginar como seria ter a vida destruída de um dia para o outro?
— E logicamente seus admiradores perderam o interesse por você, não é? — indagou em um tom quase compassivo. — O que a traz até mim, um homem que provavelmente estará morto em menos de um ano. — Ele virou a cabeça de lado com ares de desamparo. — O que escutou a meu respeito? É importante deixarmos tudo bem claro, portanto, não hesite em falar sobre este assunto.
Era evidente que o conde de Rutherford tentava seduzi-la, e Caroline teve de admitir que o indício de sorriso e o olhar complacente a atordoaram. Seu coração disparou, fato que atribuiu à manipulação da situação.
— Eu não ouvi nada — mentiu, sem se importar que ele soubesse.
Neste momento, eles foram interrompidos por um grupo de empregados da casa.
— Tomei a liberdade de pedir chá, pois imaginei que apreciaria uma bebida após a viagem. Diga-me, o que achou das acomodações da Barrister Ordinary? — Agora Magnus estava relaxado, e inclinou-se para trás enquanto observava o mordomo e as criadas colocarem as louças sobre a pequena mesa entre os dois.
— Ótimas, milorde. É uma bela hospedaria.
— Imagino que sua viagem de Londres não tenha sido das mais cansativas.
— Não foi.
— Você me daria a honra de servir chá para nós?
Caroline quase gemeu, temendo que suas mãos traíssem seus sentimentos mais íntimos e, ao derrubar o chá quente, queimassem o homem que tentava impressionar. Como gostaria de se levantar daquela cadeira e sair da mansão com a dignidade intacta ...
Por sorte não se desgraçou. Pegou o bule de prata e encheu as xícaras de porcelana, quase transparentes de tão finas, com a mais perfeita elegância.
Agradecendo em silêncio pelo pequeno milagre, ela recostou-se novamente.
— Quer dizer que não escutou nada a meu respeito?
— Não, milorde.
-Nem mesmo sobre o duelo no continente? Devo admitir que o apreciei. Foi um tanto quanto precipitado e ridículo, mas divertido.
-Ah!
— Você escutará muitas fofocas a meu respeito, a grande maioria, desagradáveis. Sou o que chamam de figura duvidosa, o que significa que meus sócios não conseguem decidir se sou trapaceiro, canalha, mal-educado ou grosseiro. Na verdade, tenho um pouco de todas essas qualidades e nenhuma, caso permita que tal declaração seja feita sem explicações. As pessoas que têm uma boa opinião a meu respeito sem dúvida se deleitarão com minhas virtudes afáveis, das quais não consigo me recordar de nenhuma no momento. Outros, quer dizer, a grande maioria, a assustarão contando-lhe sobre minhas maldades. Logicamente é relevante mencionar que os rumores de minha natureza criminosa são bastante exagerados.
Para ser sincera, já havia escutado vários comentários a respeito daquele homem, incluindo a incrível reivindicação de que fora a primeira paixão da rainha Vitória. Alguns diziam que, antes de conhecer e se casar com seu precioso Albert, ela permitia ser chamada de Drina pelo conde, um apelido de sua infância pobre e isolada como princesa Alexandrina Vitória. Caroline colocou a colher de prata no delicado pires.
— E o duelo no continente?
Magnus caiu na risada, revelando seus dentes perfeitos e brancos, olhos brilhantes e ... impossível! Sim, havia uma covinha na bochecha direita. Uma covinha! A soma de todos aqueles atributos a deixou quase sem ar. Ficou boquiaberta, segurando a xícara próxima aos lábios.
Era realmente um homem maravilhoso. Ela não compreendia a dificuldade dele em encontrar uma esposa, ainda mais naquele estado de saúde. Decerto muitas mulheres brigariam pelo privilégio de ficar ao lado daquele homem em seus últimos dias de vida, bem como de conceber seu filho.
— O duelo — repetiu ele, erguendo uma das sobrancelhas — nunca aconteceu. Conta a história que um certo cavalheiro, com quem eu tinha ... digamos um desentendimento, ameaçou-me para uma disputa com pistolas, e viajamos até o continente para tornar o combate legal. Lá, escolhemos nossas armas, nos posicionamos no campo, e eu o matei a sangue frio. Dependendo de quem conta a história, você poderá escutar versões de que cuspi no cadáver, que passei a semana seguinte em uma orgia para comemorar o falecimento do pobre coitado, dentre outras.
Ela tentou dar-lhe crédito. Se não tivesse conhecimento desta história em especial, o que não era o caso, Magnus se saíra muito bem ao relatá-la.
— Nada disso é verdade. A história é baseada em um fato. Um certo cavalheiro me acusou de comportamento inadequado com sua esposa e me desafiou para um duelo. Só que morreu no continente quando eu também me encontrava lá, mas termina aí a veracidade da história. Na realidade, o sujeito foi para Provença, onde eu deveria estar visitando uns amigos, com a intenção de me pegar desprevenido. Eu ainda me encontrava em Paris, todavia, e enquanto me procurava, ele foi assassinado por um bando de vilões que o assaltara. Era mais interessante colocar a culpa no conde de Rutherford, e foi exatamente o que aconteceu.
Agora era a vez de Caroline questioná-lo:
— O senhor teria lutado caso ele o tivesse encontrado?
O conde mostrou-se apenas um pouco surpreso. Ele piscou, depois sorriu.
— Não sei, srta. Wembly. Muito contrário a minha reputação, não teria gostado de matá-lo mesmo que fosse em legítima defesa. Além disso, o homem era um poço de desgosto. — Magnus fez uma pausa antes de continuar com um tom mais suave, quase penitente. — E foi o responsável por ...
O conde se calou no ato e voltou a encará-la. Caroline demorou um longo momento para beber um gole de chá.
— Então o senhor ainda tem um pouco de consciência?
— Eu achei que tivesse dito que não escutara nada sobre mim.
— Ouvi alguns rumores, mas não achei conveniente mencioná-los.
— Atitude sábia — respondeu Magnus, observando-a.-Eu me senti na obrigação de tocar no assunto pois é importante que conheça meu caráter uma vez que estamos prestes a ingressar em um negócio íntimo.
— É muito simpático de sua parte explicá-lo a mim declarou Caroline.
Ela notou o brilho de orgulho em seus olhos e quase podia escutá-lo dizer: Magnus Eddington não dá explicações a ninguém.
Parecia que o tinha provocado. O conde inclinou-se para a frente e ficou a esfregar seu queixo com a ponta dos dedos.
— Conte-me um pouco mais sobre você, srta. Wembly.
— Eu já lhe disse tudo a meu respeito — respondeu
Caroline colocando a xícara no lugar, ciente dos olhos verdes atentos a seus movimentos, como se fossem capazes de pc netrar em seus pensamentos e segredos mais íntimos.
— Sua resposta sobre o motivo pelo qual deseja se casar com um estranho ficou incompleta. Você ainda não me disse por que aceitou se envolver nessa estranha aliança.
Ela tentou encará-lo com calma e apertou o tecido de
seu adorável vestido azul com força.
— Dinheiro.
O conde apreciou a sinceridade dela e recostou-se na cadeira, rindo.
-E posso saber o que pretende fazer com meu dinheiro?
O assunto o divertia? Ela respirou fundo a fim de controlar a ira que crescia em seu peito. Por que os ricos se surpreendiam tanto com as necessidades financeiras dos menos abastados? Nunca' passavam fome, não é mesmo? Ou usavam roupas surradas e apertadas, quase os impedindo de respirar. Também não enterravam toda sua dignidade para ir à casa de um conde e oferecer-se como uma mulher qualquer em nome de uma chance de vida para uma pessoa amada.
Sua amargura foi tamanha que quase a chocou.
— Por que as pessoas precisam de dinheiro? — perguntou secamente. — Para comprar coisas.
Coisas como remédios. Coisas como vida para uma criança à beira da morte.
Caroline sabia que se excedera. Seria tola se perdesse a pose de antes. O que a levara a agir daquela maneira? Tinha certeza de que não era o tipo de mulher que o conde desejava para esposa: complacente e submissa. Engolindo a saliva com dificuldade, ela começou a gaguejar um pedido de desculpas.
O conde, todavia, impediu-a.
— Não o faça! Humilhar-se não combina com sua personalidade.
Espantada, Caroline fechou a boça.
— Seu caráter marcante não me surpreendeu. É uma grande qualidade, pois meu filho precisará de um punho firme para direcioná-lo na vida uma vez que não poderei participa da sua educação. Não estou procurando uma parceira agradável para mim, srta. Wembly, mas sim um substituto para a figura paterna na vida de meu filho—
Havia algo de arrepiante no tom casual que Magnus Rutherford usava para falar de sua morte.
— Você está sendo entrevistada para ser a possível mãe de meu filho, nada mais.
— E se for uma menina? — perguntou ela, preocupada com a seriedade da declaração.
— Ela receberá minha fortuna da mesma maneira.
— E se não houver filhos?
Uma expressão estranha formou-se no rosto do conde.
Dor.
— Seria um grande desgosto, mas não temos como controlar essas coisas, não é mesmo? Precisamos dar o melhor de nós e deixar o resto nas mãos de Deus, o que me leva ao delicado assunto das relações sexuais.
A palavra fez com que o coração de Caroline disparasse.
— Devemos conversar a respeito, srta. Wembly. Gostaria de saber se a idéia de dormir comigo não lhe é ... como posso dizer ... repugnante.
De repente, a protuberância de seus seios pareceu aumentar. Caroline não conseguiu tirar os olhos das mãos dele. Eram grandes, másculas e calejadas. Como um aristocrata podia ter calos nas mãos? E imaginou como seria o toque do conde, estar em seus braços como marido e mulher. Ele não era um homem gentil. De certo tê-la como amante não seria tarefa das mais agradáveis. Mesmo assim, seu sangue corria mais depressa pelas veias, causando-lhe um calor insuportável.
Pelo visto, Magnus não se deu conta do transtorno que a acometia.
— Gostaria de deixar bem claro que, embora seja um casamento de conveniência para nós dois, não haverá quartos separados ou castidade contínua. Até a minha morte não existirão amantes. Fui claro?
Ela levantou a cabeça, focalizando o rosto perfeito.
— Senhor, garanto-lhe que tenho conhecimento da maneira como os bebês são gerados. Eu não o teria incomodado com minha presença se não estivesse preparada, ainda mais conhecendo a importância de conceber um filho antes de sua morte.
— Você disse que sabe sobre sexo. Desse modo, com todo respeito, devo perguntar-lhe se é virgem.
— Eu disse que tenho conhecimento, não que sou perita no assunto. Sim, milorde, posso lhe garantir que sou virgem.
— Excelente. Não admitiria o filho de outro homem impedindo a concepção da minha semente. E sua saúde?
— É perfeita.
— Há algum caso de loucura em sua família?
— Não, milorde.
— Solicitarei um relatório completo sobre a história de sua família. Não se preocupe, contratarei um agente para resolver esse assunto. Eu apenas peço que coopere com ele.
Era uma ótima novidade, pois não havia nada em seu comportamento que a desmerecesse. Só esperava que ele não descobrisse sobre James.
— Mais uma vez devo tocar em um assunto delicado. As mulheres de sua família têm propensão à saúde frágil? São férteis? Você tem os quadris que os médicos chamam de perfeitos para o parto?
Caroline não piscou. Ele havia apenas perguntado sobre a saúde das mulheres em sua família, portanto, podia ser honesta.
— Não, sim. E. .. — Só então se deu conta da última pergunta. O conde realmente questionara sobre seus quadris? — Eu ... Eu não sei. — Ela fez uma pausa, lutando contra a onda quente da humilhação e a vontade irresistível de ... Sabia ter perdido a batalha. — Quer examinar meus dentes?
Por Deus! Aquele sorriso de novo. Devastador.
— Talvez mais tarde — brincou Magnus.
Caroline achou ter causado boa impressão apesar de suas gafes. Ele a fitava de novo, com a mesma concentração. Era um tanto quanto perturbador. Sentiu o corpo tremer, formigar, e seu coração não mais batia em ritmo constante. Tinha perfeita consciência do conde de Rutherford como um homem.
De repente, Caroline ficou furiosa consigo mesma, por estar se comportando feito uma idiota. Conhecia muito bem o temperamento dos homens, ainda mais com um exemplo tão bom de tirania como seu pai.
Aquele homem, entretanto, com seu jeito descarado, olhar sombrio e lábios suaves a fazia sentir-se estranha, mas não era um sentimento desagradável. Apenas um pouco assustador.
— Bem — disse ele, levantando-se. — Devo dizer que fiquei muito satisfeito com nossa entrevista, srta. Wembly. Posso dar uma olhada nas referências que solicitei? — Caroline entregou-lhe alguns papéis. — Ah, muito obrigado — Parece que está tudo em ordem. Bem, pretendo contatá-la tão logo tudo esteja resolvido.
Caroline levantou-se, sabendo que era hora de partir. O inquérito havia chegado ao fim e, surpreendentemente, o conde lhe informava que havia passado para a segunda etapa.
— Obrigada por ter me recebido, milorde — agradeceu ela, caminhando até a porta.
Passou bem perto do conde, e o delicioso aroma de sua pele penetrou em suas narinas. Então sentiu a pressão de mãos em sua cintura. Caroline virou-se no ato, a princípio muito chocada para protestar. Com firmeza, ele percorreu as mãos por seus quadris.
— Estreitos — murmurou Magnus. a poucos metros de seus lábios. — Humm. Preciso informar os médicos.
Quando percebeu que ele a examinava para ver se tinha condições de conceber, Caroline quase explodiu de raiva. Sem pensar, levantou a mão e acertou-a no rosto do conde.
Os dois arregalaram os olhos. Caroline ficou horrorizada com o que acabara de fazer e também com a atitude dele, que ainda continuava com as mãos em seus quadris.
— Não permitirei um exame mais minucioso, milorde.
Cheguei aqui na condição de virgem e pretendo continuar assim até o dia de meu casamento.
— Eu esperava uma resposta impetuosa, e você não me desapontou. Seu comportamento é bastante adequado para a mãe do futuro conde de Rutherford ao impedir que um homem a trate dessa maneira. — Dito isto, ele se afastou e soltou-a. — Ainda assim, seus quadris são estreitos ... Vou conversar com os médicos a respeito para que me dêem seu parecer. Até então, cuidarei para que seja bem tratada na hospedagem.
— Como desejar, milorde — respondeu Caroline, sem baixar os olhos.
— Você é irascível, srta. Wembly. Acho que poderia me dar um garoto com personalidade bastante forte. — Abaixando-se, Magnus pegou um sino embaixo da mesa.
— Arthur a acompanhará até a porta. Até nosso próximo encontro, srta. Wembly.
O mordomo apareceu e esperou-a.
— Obrigada, milorde — despediu-se ela.
E assim virou-se e acompanhou Arthur. Uma despedida de respeito. Quem imaginaria que tinham discutido sobre sua virtude e sobre fazer amor?
Quando Arthur solicitou que a carruagem viesse buscá-la,Caroline ficou observando a propriedade. A magnificência de Hawking Park não a assustava mais.



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