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Minha tentativa de ficar longe de Joshua Dun e seus Primos durou pouco.
Quando cheguei em casa do meu
turno da noite, o clima havia fechado, trazendo uma das piores tempestades de de que me lembrava.
Corri para a porta de casa na mesma hora que um trovão rugiu por trás das nuvens, levantando os pelos da minha nuca e trazendo uma nova nuvem de chuva. Após a centésima busca minuciosa na mochila, aceitei a derrota. Eu tinha esquecido as chaves e, como minha mãe estava em Chicago para uma prova de vestido de uma cliente, eu ficaria trancado do lado de fora sabe-se lá por quanto tempo. Meu
telefone estava sem bateria, então eu não tinha como saber quando ela voltaria, e não estava disposto a nadar enquanto esperava por ela. Levantei e, tentando não prestar atenção em como a chuva colava
meu jeans ao corpo, corri de volta
para a rua, desviando das poças no caminho. Se eu corresse em uma velocidade um pouco abaixo à da luz, usando o caminho mais curto, eu chegaria na lanchonete, a nove quadras de distância, bem a tempo de encontrar Alex e o novo garçon, Mark, fechando o restaurante. Se tudo desse certo, eu entraria, pegaria as chaves e sairia a tempo de nadar de volta para casa.

Enquanto eu corria, o céu relampejava e rugia, me deixando cada vez mais aflito. Não chovia assim desde a noite em que meu pai foi embora, e relembrei, com um
desagradável embrulho no estômago, de como aquela tempestade foi aterrorizante. Desde então, fico apavorado com o som de trovões — ele se tornou um sinal sinistro, indesejado. ali estava eu, completamente sozinho e preso no meio de uma das maiores tempestades da história de Columbus.

Quando enfim entrei no estacionamento, meus pés nadavam dentro dos sapatos alagados e meu nariz estava todo dormente. No lado de dentro da lanchonete, as luzes estavam apagadas. O restaurante inteiro parecia uma caixa de concreto encolhida sob o céu escuro.
Eu tinha chegado tarde demais.
Atravessei o estacionamento correndo, na esperança de me abrigar debaixo da marquise na entrada da lanchonete. Pretendia esperar a tempestade diminuir e depois iria até a casa do Matt.
Se eu conseguisse ficar com os olhos abertos e se a chuva não estivesse chicoteando minha cabeça para todas as direções, eu teria visto a pessoa em frente à porta antes de dar de cara com ela.
— Ei! Presta atenção! Cambaleei para trás, deixando metade do corpo para fora da marquise, mas não sem antes perceber que a figura estranha estava encostada na porta e com as mãos no vidro, como se espiasse o lado de dentro. Ele se virou e abaixou o capuz.
— Joshua?
— Tyler?
— O que você está fazendo aqui?
— perguntamos os dois ao mesmo
tempo.
— Esqueci minhas chaves e fiquei trancado para fora de casa.
Joshua assentiu, pensativo. Esperei
por uma resposta. Depois de uma longa pausa, ele respondeu calmamente.
— Eu queria ver você.
Outro raio iluminou o céu e pude ver o rosto dele. Sua expressão estava séria e estranhamente vulnerável. Era esquisito pensar que havia esse lado nele; eu o imaginava sempre valente e muito confiante. E perigoso, lembrei a mim mesmo com um susto. Concentre- se, Tyler. Instintivamente, dei um passo para trás e fiquei imóvel sob o dilúvio.
— Você não deveria estar aqui
— falei, satisfeito com a firmeza da
minha voz. — Não acho uma boa ideia a gente se encontrar.
— Como assim? — perguntou
ele, com a voz de repente cautelosa.
— Eu sei que você mentiu Joshua. — A memória de manhã do torneio voltou e estendi o braço para abrir minha Mochila. Peguei o canivete dentro dela: estava fechado, mas ainda assim meus dedos tremeram ao tocarem o cabo de metal gelado. Eu não achava que ele o arrancaria da minha mão, mas parte de mim não estava convencido disso; como eu poderia ter certeza? Dei um passo
para trás e segurei o canivete com mais força, tentando ignorar a chuva que encharcava minhas roupas.
Joshua se aproximou. Vi seus olhos
se desviarem para minha mão, mas
ele não se mexeu para recuperar o
canivete.
Com cuidado, eu o levantei para que ficasse entre nós dois.
— Reconhece isso Joshua?
Ele me observava com uma imobilidade calculada. Minha mão tremia e não havia nenhum som além da sua respiração irregular e os trovões distantes.
— E então? — perguntei.
O silêncio permaneceu. A respiração de Joshua voltou ao normal, mas sua expressão continuava inalterada, determinada. Quando ele enfim me respondeu, parecia estar usando toda a sua energia. Ele apertou os lábios e empurrou as palavras para fora, pronunciando-as lentamente, como se sua língua o traísse.
— É meu.
— Achei na grama depois que você foi embora. — Era um detalhe desnecessário; ele provavelmente tinha voltado ao local para procurar o canivete depois de eu ter ido embora. Mas me senti na obrigação
de lembrá-lo de que estava certo e ele errado por tentar me convencer do contrário. Ele sabia que eu sabia que o canivete era dele e, quanto menos ele falava, mais eu ficava desconfiado.
Baixei minha mão e dei um passo à frente até ficar perto dele, abaixo da cobertura, para que a barreira entre nós se desfizesse.
Os ombros dele se enrijeceram.
— Por que você carrega um canivete por aí?
Ele tentou ganhar tempo passando a mão no cabelo e puxando as mechas para dentro do capuz. Quando tirou as mãos da cabeça, deu um suspiro de resignação.
— O canivete foi um presente do meu pai — começou ele, devagar, como se estivesse lendo um roteiro. — Ele é um pouco... excêntrico.
Virei o canivete em minha mão, passando o polegar na insígnia com o urso e na inscrição embaixo.
— No mínimo — falei.
— Na minha família, quando
fazemos 16 anos, meu pai dá um canivete personalizado com o nome e a data de nascimento — continuou ele, parecendo mais confiante. — É algo que era feito pelo pai dele, meu avô, então ele faz com a gente. É apenas uma tradição familiar.
— Me parece um pouco perigoso. — Não tentei encobrir o julgamento no meu tom de voz.
Joshua deu de ombros e admitiu calmamente.
— É, acho que dá para dizer isso
sobre Bill Dun.
— Eu ganhei sapatos quando fiz 16 anos. Nenhuma arma, infelizmente. Joshua passou o polegar pelo lábio inferior e me vi concentrado no jeito como ele o mordiscava.
Ignorei o pensamento e me afastei dele de novo.
Concentre-se.
— Eu vi você pegar o canivete
durante a briga com Brad. Você ia... — Minha voz vacilou. — O que você ia fazer com isso?
— Nada. — respondeu ele com tamanha convicção que quase acreditei. — Eu jamais usaria o canivete contra ninguém, muito menos contra o irmão do seu amigo. Mas pensei que, se ele o visse, se
afastaria e deixaria meu Primo em paz. Ele já tinha nocauteado Jesse, mas continuava querendo brigar. Ele é tão competitivo e estava tão irritado por termos ganhado. Estava convencido de que tínhamos
trapaceado. Eu só queria me livrar
dele antes que meus outros irmãos
aparecessem.
— Então você ia ameaçá-lo com um canivete? — perguntei, incrédulo.
— Não, não desse jeito. Eu só... eu não sei. Estava tentando apartar... — Ele interrompeu a frase.
Precisei lutar contra a vontade de segurar o queixo de Joshua e encará-lo até que me dissesse a verdade.
Aquilo era a verdade ou uma mentira elaborada?
— E por que você carrega isso Joshua?
— É difícil de explicar —
respondeu ele com a expressão repentinamente envergonhada. —
Acho que carrego o canivete comigo para me sentir protegido, e para defender meus primos se for preciso. Desde que meu pai me deu Eu fiquei diferente. Não conheço esse lugar nem as pessoas daqui, e estou tão acostumado a levar o canivete comigo que deixá- lo no bolso é quase natural. Não me sinto seguro sem ele. — Ele engoliu em seco, escondendo o sentimento que estava fazendo sua voz falhar.
— Sei que é uma maneira estranha de lidar com algo desse tipo, mas tem me ajudado.
De repente, o canivete parecia
pesado na minha mão.
— Eu não sabia que significava tanto.
Joshua deu de ombros. Outro clarão
iluminou o rosto dele e pude ver que estava tomado pela lembrança.
Ele deixou o corpo cair contra a
porta, derrotado. Fosse qual fosse o
jogo da verdade que jogamos, eu
ganhei, e me sentia enjoado por causa disso.
— Não é culpa sua. — murmurou ele.
Precisei desviar o olhar.
— Sinto muito se fiz você pensar que tinha perdido o canivete.
— Não, eu que sinto muito. — Ele se endireitou abruptamente, como se alguém acima dele o puxasse por cordas, e a vulnerabilidade desapareceu da sua postura. — Fui um idiota de puxar o canivete, mas eu não machucaria Brad, prometo. Eu jamais faria isso. Por favor, diga isso para Matt.
— Não falei sobre o canivete com o Matt — falei e meu estômago se revirou de culpa. Era uma revelação e tanto.
— Ah — disse ele calmamente.
— Brad não viu o canivete e eu não queria piorar tudo. Além do mais, ele me mandou uma mensagem depois pedindo desculpas pela situação ter ficado tão complicada, então achei melhor lidar com o que aconteceu como um incidente isolado que saiu de controle. Quem sabe vocês dois possam deixar isso para trás. — As palavras saíram rapidamente, emboladas uma na outra. De repente meu rosto parecia estar pegando fogo. Eu não havia contado tudo para Matt. Eu era uma amigo ruim? Ou apenas uma idiota?
Porque apesar de saber que eu não deveria gostar de Joshua, eu gostava, e embora estivesse tentando evitá-lo, eu esperava vê-lo; para que ele tivesse a chance de se explicar.
— Obrigado — disse ele com sinceridade. — Desculpa se assustei você e se eu menti. Achei que seria mais fácil, mas depois percebi que não foi a coisa certa a fazer.
Quis vir aqui para falar com você.
— Então é por isso que está aqui? — perguntei, curioso sobre o horário da visita.
Joshua sorriu, revelando uma fileira
de dentes brancos no escuro. — Você me pegou. Enfiei o canivete de volta na mochila e fui espiar pelo vidro, como ele tinha feito. Não porque pensei que alguém pudesse estar lá dentro, mas porque, de repente, estava me sentindo envergonhado e não sabia o que fazer.
— Você consegue entrar? — perguntou ele.
— Todo mundo já foi embora.
— Talvez eu possa fazer alguma coisa.
— Pode usar seus poderes de alienígena e me teletransportar para dentro?
Ele inspirou o ar irregularmente e perguntou de forma tímida:
— Quer que eu tente?
— O teletransporte?
— Não. — Ele pigarreou. — Posso tentar abrir a porta, se quiser.
— O quê? Como?
— Você me dá permissão para tentar?
Levantei as mãos em falsa rendição.
— Por favor.
— Você se importa de chegar um
pouco para trás?
— Vai mesmo fazer isso? Ele se manteve impassível.
— Sim.
Eu teria concordado com basicamente qualquer pedido dele naquele momento, porque ali, sob a chuva, ele estava incrível. O cabelo rosa molhado e colado no rosto revelava o efeito completo das suas maçãs do rosto bem-delineadas. Dei um passo para trás.
Joshua ficou de costas para mim e
retirou do bolso algo que parecia
uma caneta tinteiro.
— O que é isso Joshua?
— Outro presente que você não
aprovaria — disse ele com sinceridade antes de mover o objeto para perto da porta, tirando- o da minha visão.
Por mais ou menos um minuto, tudo que eu via eram movimentos sutis de braço enquanto ele mexia na porta — primeiro na fechadura superior, que cedeu com um leve clique, e depois a inferior, mais
complexa, que demorou mais
tempo. Finalmente, ele girou a maçaneta e a porta se abriu à nossa frente, chacoalhando o sino acima
dela.
Fiquei de queixo caído.
— Você acabou de arrombar a
lanchonete Joshua.
— Você me deu permissão. —
Ele enfiou o que quer que estivesse usando de volta no bolso e deu um passo para trás sinalizando que eu entrasse na frente dele. — Você primeiro.
Eu o encarei e corri para desligar o alarme antes que disparasse.
— Isso é um hábito seu?
— Não. — Ele me seguia de perto. — Meus irmãos e eu procurávamos por objetos que nos ajudassem a invadir os quartos uns dos outros quando éramos mais novos. Nunca fizemos nada mais grave do que uma guerra entre quartos. Foi uma sorte conseguir abrir a porta com uma chave de fenda velha. As fechaduras não são tão resistentes quanto deveriam.

Heavydirtysoul // JOSHLERWhere stories live. Discover now