Conto 5 - Eterno (Zilda Mariano)

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Autora: Zilda Mariano

Música-tema: Paralamas do Sucesso - Aonde quer que eu vá

Classificação: Livre

Sinopse:  Depois de 23 anos juntos, é hora da despedida. Jay e Aurélia se orgulham da família e sabem que o amor vai muito além daquilo que os olhos podem ver.

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Nosso quarto foi definitivamente transformado num leito de hospital

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Nosso quarto foi definitivamente transformado num leito de hospital. Cama especial, monitores e aparelhos apitando. Minha super king e seus lençóis caríssimos com milhares de fios em algodão egípcio jazia no quarto de hóspedes. Agora eu passava a noite no mesmo divã em que as muitas visitas sentavam durante o dia. Se eu me importava? Não mesmo! E isso era muito estranho, sempre fui meio neurótica a respeito de quem toca no que é meu. Mas o conceito do que é meu e do que é importante mudara radicalmente nos últimos meses.

Começava a anoitecer quando Josué, meu melhor amigo e parceiro da vida toda, levantou para partir e me garantiu que eu não precisaria acompanha-lo até a porta de saída.

- Amorzinho, ando aqui há tanto tempo quanto você, sei o caminho. Faz companhia pro bofe que continua muito pegável – ele falou e fez Jay dar uma risada fraca. Ele beijou meu marido na testa, um carinho de irmãos. Era isso que haviam se tornado há tanto tempo que eu nem lembrava da vida ter sido diferente algum dia.

Continuei no quarto segurando a mão dele e rindo das graças que nossos filhos faziam e não paravam nem para a enfermeira medicá-lo. Victor dispensou trabalho na construção de uma hidrelétrica na Nicarágua para ficar conosco. Aos trinta anos, era um engenheiro forte, alto, bonito, inteligente, muito divertido e com um grande talento para a solteirice. Dizia não ter tempo para relacionamentos enquanto viajava o mundo construindo o progresso, embora eu desconfiasse que seus motivos fossem bem menos nobres. Pedro tornou-se escritor como eu, e um cantor talentoso. Fugia dos holofotes, mas começava a ser alcançado por eles. Eu torcia que as lições da infância dessem algum resultado e ele se saísse melhor que eu nesse aspecto. Ele estava casado com uma linda moça brasileira há poucos meses. Karen é uma morena inteligente, culta e sagaz. Seria impossível dizer que eu já não caí de amores por ela. Acabei não conseguindo ser a sogra insuportável que planejei. Em pé, apoiado na parede e rindo das bobagens dos irmãos estava Joe, único filho que tivemos juntos, tão parecido com o pai fisicamente, quanto comigo na personalidade. Aos vinte e um anos, se destacava como ator numa série de TV e lidava numa facilidade invejável com as comparações inevitáveis com o, agora lendário, Jay Hite.

Eles contavam histórias que eu preferiria não ouvir. Pedro parecia se divertir questionando a veracidade das aventuras de Victor, o que irritava profundamente o gêmeo. Eu já perdi a esperança que algum dia eles parem de fazer isso. Agora até acho graça da cara emburrada que o mais apelão dos meus filhos faz quando perde a paciência. Joe ria com aquele olhar de admiração que só um irmão caçula sabe lançar aos mais velhos.

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