Epílogo

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A garota dentro do metrô não conseguia parar de mexer os dedos e bater o pé contra o chão do vagão. Ela estava ansiosa, ela tentava olhar para fora, mas seus olhos estavam inchados e sensíveis. Ela passou a última noite em claro, chorou aos poucos, se agarrou ao cobertor como se o objeto pudesse salvá-la.

O doce sotaque dela não estava tão doce, sua boca parecia amarga com o chá que tinha tomado e seus passos eram pesados desde o momento que se obrigou a levantar da cama e sair de casa. Ela sabia que era a sua última chance.

As estações alheias pareciam chegar, mas a dela se mantinha distante. Ela não queria, ela não queria ter que descer na estação do aeroporto e andar até o portão de embarque. Ela não estava partindo, mas a pessoa que ela tinha acabado de conhecer e se tornado alguém mais em sua vida estava indo. Não era como se ele fosse voltar, morar do outro lado do mundo arrancava todos os pedaços do coração dela.

A estação de Laura chegou. Ela uniu forças para se levantar, pediu licença à mulher ao seu lado, mas quase que nãos desceu. A mulher segurou sua mão e disse para não se preocupar com o que a afligia. Ela agradeceu e desceu antes das portas fecharem.

A brisa fria começava a ir embora. A primavera traria boas memórias e oportunidades para cada um na cidade, menos para Laura, que tentava se prender ao passado. Pegou o celular, conferiu o local de encontro e correu entre as outras pessoas – um segurança até a perguntou para onde ia e ela se explicou.

Metros à frente, ele a esperava com apenas uma mochila no ombro. Ele tinha se atrasado e se não entrasse e corresse para o portão, ia perder o voo. Dacre precisava vê-la mais uma vez, apenas mais uma vez.

Então a garota mais veloz naquele aeroporto apareceu correndo. O viajante não teve nem tempo de se preparar para abraçá-la como deveria. Ela já tinha os braços em volta do pescoço dele, os pés não tocando mais o chão e as lágrimas quentes escorrendo pelo rosto.

Eles não conseguiam se soltar. Estavam presos um ao outro sem nem perceber, se amarraram lentamente às cordas da existência e o tempo não queria que um soltasse o outro – não só o tempo, também o universo.

Ela respirava fundo para não desabar em lágrimas, ele tentava fingir que não estava de coração partido por aquilo está acontecendo. Ele precisava partir e não sabia quando poderia voltar, esse era o problema. E ele não queria atrapalhar a vida dela, não queria tirá-la de um caminho que ela lutou para seguir.

Laura se afastou primeiro, mas sem tirar as mãos de Dacre. Ele não a encarava, o chão parecia presenciar momentos como aquele pela milésima vez naquele ano. Ela apertou a mão dele e mordeu os lábios avermelhados.

Dacre viu uma lágrima escorrer pela bochecha dela, por traços que ele desconhecia até algumas semanas antes. Enxugou-a com a ponta dos dedos e tentou sorrir numa situação que deveria ser impossível demonstrar um puxar de lábios para cima.

Ela olhou para a mochila, para o boné, os óculos escuros, o jeans detonado, a camiseta que ela queria ter roubado para si e um casaco que ela ajudou ele a escolher quando foram para o shopping e ficaram presos lá por mais tempo do que planejavam por conta do tempo.

E ele a olhou, usando o casaco vermelho, os lábios do mesmo tom, a calça jeans e tênis que ela parecia amar – um preto com o solado quase virando pó. Ela estava presa a todas as coisas que gostavam e amava, ele sabia que isso era perigoso e tinha tentado se manter longe.

Olhou no relógio e não conseguiu sorrir. Era agora ou nunca.

Dacre tinha que ir e Laura tinha sua última chance. Mas estava travado na garganta, preso pelo estômago, segurado pela alma.

Ela sabia que não conseguiria, então deixou os braços caírem ao lado do seu corpo, a cabeça cair e os olhos grudarem no chão. O celular de Dacre tocou, ele atendeu e desligou rapidamente.

Seus braços estavam ao redor de Laura no segundo seguinte e ele sussurrava algo para ela. Os estranhos ao redor perguntavam o que ele tinha falado para ela, talvez aquele último adeus antes da partida inevitável.

Laura ficou plantada no salão enquanto as pessoas passavam e Dacre ia embora. Em seus lábios de doces sotaques, ela sentia a amarga saudade entrando e tomando conta de seu corpo. Ela queria que não fosse permanente. Mas tudo ao redor dizia que sim.

Que aquele era o último adeus.

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