princípio

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                   NO PRINCÍPIO, LUZ

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                   NO PRINCÍPIO, LUZ. Uma bela luz irradiando entre meus cílios, conforme forçava minhas pálpebras a se abrirem. Logo, a escuridão se tornava ausente.

Com dificuldade, avistei a minha frente uma realidade de confortar o peito: me encontrava num quarto aconchegante, salva.

Os mínimos detalhes do cômodo chamavam minha atenção: desde a jarra de flores na cabeceira ao lado, como a cortina bege que cobria boa parte da janela entre-aberta, possibilitando uma vista tanto quanto estonteante de uma magnólia branca, e os pássaros reunidos na copa da mesma.

Onde estava? Como poderia estar respirando ar tão puro, sendo que estava a beira da morte, algumas lembranças atrás?

Minhas dúvidas se tornaram latejantes e o receio ainda maior que elas, quando a porta de madeira foi aberta com cautela, revelando um homem de barba feita, vestindo um uniforme de xerife que exalava o cheiro característico de amaciante. Ele assentiu com a cabeça assim que me viu, se aproximando até a cadeira que havia ao lado da cama.

— Vejo que acordou... – Ele iniciou suave, seus olhos azuis me encarando de modo vago. — Tem sido uma semana difícil para que pudesse se recuperar.

Não o respondi, ainda não sabia ao certo o que tinha acontecido até então. Muitas perguntas rodavam pela minha cabeça.

— Quanto tempo esteve lá fora? Acredito, que já tenha visto o suficiente, que sabe sobre as coisas que acontecem. – Ajeitou sua postura no encosto. — Estava sozinha?

— Estávamos num acampamento. – Gesticulei com as mãos, massageando as têmporas num sinal de nervosismo. — Bom... eu e meu pai fugimos quando tudo piorou, o fogo se alastrou por todos os lados, e os mortos nos separaram. Não me recordo de mais nada assim que apaguei.

— Já passamos por isso, sinto muito. – O xerife esboçou um sorriso compreensível, tal carregava uma grande tristeza. Ele lamentava como se tivesse certeza. — Agora, você está em Alexandria. Somos uma comunidade protegida, temos muros, portões, suprimentos e guerreiros que lutam pela segurança dos cidadãos daqui. – Pelo seu porte confiante e voz descontraída me parecia ser o líder.

Ele se levantou, pousando a mão sobre o coldre. Logo, prosseguiu:

— Daryl Dixon, o nosso melhor caçador sugeriu que te acolhêssemos. Foi ele quem te encontrou na ribanceira, te trouxe nos braços. Mas, a escolha é somente sua, pode passar uns dias conosco e tirar suas conclusões.

— Estariam me aceitando como um membro? – Perplexa com a bondade do homem a minha frente, questionei.

— Quando vimos Dixon chegando com você ensanguentada da forma que estava, prestes a morrer, não hesitamos sequer um segundo. Existem pessoas ruins do lado de fora, e por um tempo impedi que muitas se alojassem aqui. Esse mundo te ensina a não confiar em desconhecidos. – O clima se intensifica, com a experiência que dizia parecia ter enfrentado os piores bocados. — Porém, mudei de ideia ao rever essa cena: seis anos atrás, era eu quem procurava por um médico desesperadamente em uma mata, com meu filho inconsciente sendo carregado, após levar um tiro de raspão no peito. As coisas não mudam, apenas se repetem de outros jeitos.

— Seu filho... resistiu?

— Qual seria a probabilidade de uma criança de doze anos sobreviver? Para todos nós parecia impossível, mas Carl provou o contrário. Na verdade, ele sempre me provou ser forte. – Todas as palavras vinham cobertas de dignidade e orgulho. Refleti se papai também falaria assim sobre mim. — O garoto não desiste, até mesmo quando pensei que iria perdê-lo, fosse naquele dia, fosse quando balearam ele de raspão num dos olhos.

Sorrimos ao mesmo tempo, certa admiração de ambas as partes. Para um adolescente, Carl lutava como um soldado adulto.

— Te acolheremos, se quiser ficar terá a esperança dos princípios, um teto sobre a cabeça e outra chance. Chances, elas são valiosas nos dias de hoje, não?

Nossa pequena conversa foi interrompida, pois um Doutor adentrou para verificar meus curativos, eles envolvendo minha face, braços e a região da costela.

— Qual seu nome? – Antes dele se retirar, intervi.

— Rick, Rick Grimes. — Acenou, gentil. — Quando terminar, leve-a até os arredores da capela, Dr. Carson, acredito que esteja faminta. Esperaremos por você no almoço.

[]

O médico me ajudou a sair do quarto, após higienizar meus ferimentos. Com passos suaves, andamos um ao lado do outro, Carson me guiando a saída.

Na varanda, a claridade solar raiava mais forte, o proveniente ar quente bateu contra meu rosto, o pouco vento balançando alguns fios do meu cabelo. Um baque ainda maior. Era um lugar muito bonito, casas grandes e com jardins verdes. Totalmente diferente do horrível cenário da floresta. Parecia mentira, parecia um sonho. As pessoas caminhando nas ruas, crianças brincando pelas calçadas. Parecia um lar. Papai iria gostar daqui.

Carson me levava até a igreja de porte minúsculo como Rick pediu, e de longe já conseguia identificar diversas mesas espalhadas, até algumas toalhas estendidas na grama, recordando um harmonioso piquenique. Se assemelhava a um delírio ver a tamanha felicidade das pessoas, como se a humanidade fosse resgatada diante momentos em família, e como se o fim do mundo tivesse sido limitado até os portões da comunidade. Não pude evitar que ficasse boquiaberta, ou arregalasse os olhos com cada surpresa boa que aquele lugar oferecia.

Grimes levantou discretamente a mão, chamando-me em sua direção. Muitos estranharam minha presença, talvez a aparência suja e cansada contribuísse com essa desconfiança alheia. Fui sozinha dessa vez, sendo recebida com um prato de macarronada e um copo de suco refrescante.

— Pessoal. – Rick chamou a atenção do grupo reunido na extensa mesa, com uma taça de vinho em mãos. Propôs um brinde: — Quase nunca agradecemos pela vida que temos, até que ela esteja atolada num estado sórdido de dor. Não agradecemos, pois ainda temos nossas perdas e o sangue envelhecido mancha nosso passado. Mas, hoje... – Suspirou, erguendo-a e os demais o imitaram. — Quero agradecer por mais um dia que passamos juntos, agradecer pela esposa que tenho ao meu lado, meu filho, meus amigos... A minha verdadeira família, que são vocês.

Brindaram. Fui contagiada com os sorrisos e gargalhadas, que por um fragmento de segundo, me fizeram esquecer da pura aflição e medo.

— Quer se apresentar? – Grimes perguntou.

— Sou a Rebecca, não vim de tão longe. Mas, agradeço pela oportunidade de estar aqui, com vida.

No princípio, não sabia ao certo. Não sabia qual decisão tomaria em relação ao futuro, mal conseguia cogitar a ideia de encontrar papai morto, ainda tinha fé em acha-lo, nem que tivesse que retornar aquele pesadelo. Não me era justo estar num lugar como Alexandria, sabendo que ele estaria sofrendo em algum canto escuro.

Tinha que encontrá-lo.

Stay Alive 》Negan [REESCREVENDO]Where stories live. Discover now