I -O início

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"Ela estava triste. Não era uma tristeza difícil. Era mais como uma tristeza de saudade. Ela estava só. Com a eternidade à sua frente e atrás dela." -Clarice Lispector


[Isla]

Palavras não poderiam expressar a dor e o estrago que a sensação de vazio poderia realizar ao coração de um ser humano. Se é que podemos assim nomear os animais que andam sobre dois pés, porém raciocinam e reagem como lobos selvagens antes de serem domesticados pelo homem há milhares de anos atrás.

Eu poderia gritar aos quatro ventos como me sinto, poderia cuspir as injustiças que vejo a minha volta e quebrar meio mundo por pura revolta, medo e loucura. Mas não, abstenho-me do direito de expressar seja com palavras ou gestos, tudo o que afeta e intoxica cada célula que compõe a estrutura corporal chamada Isla Tibuco.

Fecho os olhos tanto em metáfora como literalmente, enquanto passo água do café pelo coador de pano tão desgastado pelo uso, que já apresenta alguns furinhos perceptíveis ao seu fundo.

Estou em um nível tão alto de cansaço e sono, uma vez que eu tinha que praticamente madrugar todos os dias para conseguir chegar ao colégio no horário a risca, pois o Honório Potossin era bem conhecido por ser inflexível quanto ao descumprimento de algumas regras e essa era mais sagrada entre todas, a pontualidade, que esqueci completamente que ainda segurava o bule quente nas mãos e acabei por encostar o mesmo no braço oposto em um momento de descuido.

-Ai, que droga! -resmunguei deixando o objetivo cair com um estrondo dentro da pia.

Água quente respingou para todos os lados fazendo com que parte da camisa do uniforme se manchasse. Gemi frustada como minha falta de jeito e subi em direção ao meu quarto para trocar a peça parcialmente molhada, pois eu sequer seria permitida a colocar os pés no portão da instituição mais elitista e arrogante do estado, do jeito que me encontrava no momento.

Quando finalmente estava devidamente pronta para mais um dia de tortura, conhecido por algumas pessoas como aula, no inferno, também conhecido como Honório Potossin, eu já havia cometido o erro e o desperdício de ter gastado um tempo muito maior do que de costume, e se não saísse imediatamente de casa, me atrasaria feio, não podendo entrar no primeiro horário da minha grade curricular.

E por falar nisso, lembro-me perfeitamente o motivo pelo qual não posso matar a primeira aula.

Derek Blake.

Professor de literatura do ensino médio do colégio, com seus cabelos cor de areia penteados perfeitamente para a direita, grandes olhos verdes emoldurados por seus inseparáveis óculos quadrados de grau, uma barba fechada que lhe conferia o aspecto de um gentleman perdido em uma era totalmente aleatória, e suas roupas impecavelmente bem alinhadas ao corpo másculo e definido de homem, o qual a idade ainda era um mistério para muitos, era motivo suficiente para que eu jogasse a mochila nas costas e saísse em disparada, sem ao menos tomar uma mísera xícara de café antes de deixar minha casa.

Minhas pernas tremiam e eu começava a sentir pequenas pontadas de cãibra nas panturrilhas quando consegui alcançar o ponto de ônibus no exato momento em que a condução que eu precisava, abria as portas para que os passageiros pudessem subir a bordo. Eu não poderia me dar ao luxo de sempre utilizar o transporte público, o dinheiro que ganhava com meu serviço era pouco, apenas cobria meus gastos e despesas básicas, porém a situação presente forçava-me a ter tal atitude. Eu estava atrasada demais para poder realizar o trajeto até a escola a pé, então era isso. Não tinha outro jeito.

Me Ame -DegustaçãoWhere stories live. Discover now