Capítulo XXIII - TIÃO

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Depois de semanas queimando neurônios de tanto pensar, finalmente eu chegara a uma conclusão: Eu ia embora desse lugar.

Você deve estar pensando que eu sou um baita egoísta para abandonar minha própria irmã, mas na boa, qualquer pessoa que conhece a Sara sabe que ela não precisa de mim para nada. De mim e de mais ninguém. Ela é durona e sabe se virar.

Não era uma decisão muito fácil, mas era o que precisava ser feito. Acho que no fundo, seria melhor para todos, já que eu não pertencia mais a esse lugar. O clima amistoso e tudo o que tínhamos de bom já não existia mais. Tudo estava diferente.

O Zeca estava tão distante que às vezes eu até me esquecia que ele fazia parte desse grupo. O Tonho, cada vez mais estressado e controlador. O Joca dispensa comentários. E as meninas cada vez mais fechadas no grupinho delas.

Eu me sentia sozinho o tempo todo e eu começava a pensar que era melhor estar sozinho definitivamente do que sozinho acompanhado.

Como eu não tinha nenhum pertence aqui comigo – nenhum que eu não pudesse carregar nos bolsos – não foi necessário arrumar nenhuma mala. Apenas levantei da cama no meio da madrugada e segui em frente.

Quando cruzei o pequeno portão e segui pela calçada, levei um tremendo susto.

- Também perdeu o sono? - indagou a Iolanda, materializando-se bem na minha frente.

Ela estava sentada na calçada e, se ela não tivesse chamado a minha atenção – nem se materializado - provavelmente eu teria passado por cima dela.

- Tem acontecido muito nessas últimas semanas - completou ela. - Então eu sempre venho sentar aqui.

Eu não sabia o que responder. Não queria dizer que estava indo embora para sempre, mas também não queria mentir para ela.

- Geralmente eu gosto de ficar sozinha – sorriu. – Mas acho que um pouco de companhia não me faria mal algum.

Ela deu um tapinha no chão, ao lado de onde estava sentada, sinalizando que eu deveria sentar ao seu lado. Não hesitei em fazê-lo.

- Tanta coisa mudou nesses últimos meses, não é? - tornou ela, parecendo triste. – A calmaria que pairava sobre a gente já quase não existe mais. Às vezes eu sinto que já não somos mais um grupo. Somos apenas um monte de pessoas que vive junto.

Concordei com um meneio de cabeça. Eu sabia exatamente sobre o que ela estava falando, afinal esse era o motivo que me levou a fugir.

- Eu tenho tanta saudade do tempo em que todos riam do Tonho medroso e da Sara o fazendo passar vergonha. Do tempo em que você vivia fazendo piadas sobre tudo e de quando a Helô não queria provar a todos que já crescera - ela suspirou, cansada. – E mais do que tudo isso, eu tenho saudades do tempo em que o Zeca não saía escondido no meio da madrugada para fazer sei lá eu o quê!

- Como é? - indaguei, perplexo – O Zeca não está lá dentro?

Ela negou com um movimento de cabeça, encarando o chão. Parecia ainda mais triste do que antes. Eu podia fugir daqui sem ter com o que me preocupar. A Sara, além de mais velha, sabia se virar. Mas a Iolanda não poderia se dar esse luxo nem se ela quisesse, pois o Tavinho ainda era uma criança.

- E você não perguntou pra ele onde ele tem estado todas as madrugadas? - perguntei, atônito.

- Não tive coragem, Tião - resmungou, cabisbaixa. - Além do mais, eu sei que ele vai inventar uma mentira.

- Não - disse, levantando do chão. – Isso não está certo. Ele te deve uma explicação, para dizer o mínimo. Se você quiser, eu vou atrás dele e...

- Não quero – interrompeu-me, levantando também. – Eu ainda não cheguei nesse ponto.

- Mas você não está curiosa para saber?

- É claro que estou! - exclamou. – Ele é meu namorado! Eu só não quero piorar a situação.

- Ah, Iolanda! - suspirei. – Você quer ou não saber a verdade?

- É claro que eu quero! - respondeu, meio nervosa. – Mas e se eu descobrir algo que eu não queira? O que eu vou fazer?

Aproximei-me dela o máximo possível. E com isso quero dizer que eu estava próximo o bastante para mostrar que eu estava do seu lado, mas nem tão próximo quanto eu gostaria de estar. Se é que você me entende.

- Vai seguir em frente, oras! - disse, como se fosse algo óbvio. – Além do mais, eu estou aqui. Todos nós estamos aqui.

- Eu não sei se é uma boa ideia, Tião. - resmungou, chorosa. – Eu não quero demonstrar que não confio nele.

- Você confia?

- Não muito, para ser franca.

- Então vamos lá – tornei, oferecendo-lhe a mão. – Vamos tirar essa dúvida de uma vez por todas.

Com o olhar assustado, de quem não tem muita certeza do que estava fazendo, ela aceitou minha proposta e segurou a minha mão. E neste instante toda a minha vontade de ir embora se foi.

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Vish... a situação está ficando tensa.

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Beijão

A Terceira Criança - Livro 2Where stories live. Discover now