Alexia I

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    Enquanto caminhava pelos jardins de Tundor, Alexia aproveitava para sentir a brisa fresca batendo em seus cachos negros. A breve chuva de mais cedo deixou o clima úmido e sereno. O dia estava agradável. As nuvens dançavam pelo céu azulado e faziam sombra por todo o pátio, permitindo que escudeiros de todas as idades balançassem suas espadas uns contra os outros sem que o sol os atrapalhasse. Algumas vezes, os cavaleiros eram seus oponentes. Garotos de pouca idade deviam estar sempre preparados para enfrentarem o pior. Sir Grewen os olhava, soltando uma gargalhada sempre que um deles caia no chão.

    Alexia gostava de sua companhia. Era um dos poucos cavaleiros de Othila que conversavam com ela. Sua mãe, a Rainha Jillien, não permitia que falasse com qualquer um. Por isso, os cavaleiros a tratavam formalmente. Sir Grewen era a única pessoa que Alexia tinha como companhia amigável. Era um homem que beirava seus quarenta anos. Servia a Othila fielmente desde o momento em que se tornou cavaleiro. Talvez ver os garotos no pátio o fizesse recordar de seus primeiros golpes com a espada.

    — Está aproveitando sua estadia na capital, princesa? — perguntou o cavaleiro, chutando pequenas pedras brancas na beirada do pequeno jardim de tulipas tundorianas que, ao contrário das tulipas comuns, floresciam no início do outono. O jardineiro que as regava repudiou o ato do cavaleiro com protestos nada educados e Grewen apenas acenou para o velho.

    — Sim, Sir Grewen. Todos têm me tratado muito bem — respondeu, admirando o pouso gracioso de um beija-flor em uma orquídea rosada.

    — Que ótimo. Mas devo dizer que esperava por dias mais apreensivos.

    — Talvez esses dias cheguem após o conselho. — Alexia já havia conversado com sua mãe. O Conselho Imperial estava focado em decidir quem iria suceder o Imperador Gregory no comando do império. Rainha Jillien não tinha interesse no trono e não se manifestaria em uma possível guerra. Por isso, Alexia já estava prometida ao primogênito de Rei Ulisses e sua irmã mais nova, Laetia, ao filho mais novo de Rei Marcus. Por meio desse "tratado de paz" entre os reinos, sua irmã governaria Othila, enquanto ela seria rainha em Berkana. Era um ótimo acordo, já que não suportava mais viver no reino do sul. Em Berkana, ao lado do Príncipe Riasco, que logo se tornaria rei, viveria como uma verdadeira rainha e teria a atenção de todos.

    — Reze para que tais dias não cheguem, minha senhora.

    Alexia desviou de uma pequena poça d'Água, dando saltinhos para o lado, enquanto o cavaleiro não mediu esforços antes de afundar com a bota pesadamente na poça, fazendo a água lamacenta voar e sujar seu vestido de seda. Ele a olhou, procurando evidências de raiva em seu rosto delicado. Mas Alexia apenas riu. Gostava do jeito atrapalhado de seu cavaleiro favorito. Pararam embaixo de um flamboiã e sentaram-se no banco de mármore. As folhas avermelhadas da árvore caíam sobre suas cabeças e voavam para longe com o vento. O outono estava sendo magnífico. Sir Grewen a viu limpando as bordas do vestido com um lenço branco — agora da cor dos livros empoeirados de sua mãe — e pediu para que ela o deixasse limpar. Alexia assentiu e Sir Grewen ajoelhou-se em sua frente, esfregando o lenço em movimentos de vai e vem. Não mudou muita coisa, mas a cor escura do vestido ajudava a disfarçar.

— Obrigada, sir. — O cavaleiro curvou os lábios e balançou a cabeça. Depois, sentou-se ao seu lado e cruzou as pernas. Começou a assoviar a Cantiga dos Caminhantes. Alexia adorava o doce som do seu assovio e os pássaros pareciam gostar também, já que cantarolavam em resposta. O cavaleiro parecia estar relaxado e Alexia, sorridente, contemplava a beleza da flora da capital.

    Atravessando o corredor iluminado, Candice, filha de Lady Beatrice Villard, carregava consigo uma cesta cheia de rosas vermelhas. Quando viu Alexia, mudou a direção para vir ao seu encontro. As duas eram bem próximas, mesmo sendo de reinos diferentes e de famílias que... não se davam muito bem. Todas as vezes em que as famílias mais importantes do império se encontravam em Tundor, as duas garotas passavam a maior parte do tempo juntas. Candice morava na capital há algum tempo. Lady Beatrice queria que a filha tivesse a melhor educação do império, e os maltrieres de Tundor satisfaziam sua vontade. Mas mesmo tendo uma boa educação, a garota não sabia coisas básicas de uma dama, como costurar e bordar. Alexia a havia ensinado como fazer o ponto cruzado mais rápido. Candice tinha dificuldades com a costura, mas gostava de aprender novas técnicas. Em compensação, ela havia devorado uma quantidade enorme de livros da grande biblioteca da capital e sabia quase todos os poemas famosos sobre cavaleiros, princesas e feiticeiros. Tinha inveja da vida que a garota levava. Em Othila, Alexia passava a maior parte do tempo em seu quarto fazendo orações aos Espíritos de Luz e bordando em véus e vestidos. Suas únicas companhias eram a jovem criada, Lupia, e sua irmã. No seu tempo livre, tomava lições sobre o império e música. Já sabia tocar todas as canções místicas em sua flauta ornamentada.

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