Nas entranhas da floresta

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Após uma corrida matinal, e antes de ir para o trabalho, um homem com cerca de quarenta anos recebe do porteiro do prédio onde mora uma correspondência. Achou estranho receber cartas em uma época tão eletrônica, ainda mais em se tratando de um amigo que ele via com frequência. Era fato que este amigo tinha desaparecido de uma forma muito estranha; que seus irmãos estavam à sua procura; que circulavam fotos na internet e que ninguém sabia sobre seu fim. Após uma viagem, não tiveram mais notícias do desaparecido. Sabiam que ele estava cansado da rotina da cidade e decidiu tirar umas férias improvisadas.

Mas era apenas isso que sabiam, e após ler aquela carta de letras trêmulas o destinatário decidiu por assim manter.



Prezado João Pedro,

Escrevo-lhe esta carta como o último suspiro de um condenado. Não anseio que entenda as razões pelas quais nunca mais voltei para nossa cidade e não espero que você explique à minha família o motivo do meu sumiço nestas últimas semanas. Correspondo-me apenas para que alguém, além de mim, saiba que existem coisas neste mundo que ainda desconhecemos, aberrações que talvez a natureza, em sua colossal magnitude, tenha gerado em um momento de desgosto.

Peço que não divulgue minha história para mais ninguém. Tal trágica narração deve ficar apenas em sua memória. Espalhe qualquer notícia para todos que me conhecem, visto que isso pouco fará alguma diferença. E também não venha me procurar ou tentar um resgate, pois está feito, não tem mais volta. Solicito, inclusive, que queime este papel após a leitura. Talvez as repetidas leituras o levem a um estado de desgosto e loucura, a qual não desejo a mais ninguém.

Vou contar-lhe tudo desde o início.

Minha infelicidade começou quando tive a ideia de querer esquecer a cidade e sua rotina. Quem dera eu ter resistido... Talvez percebesse que a realidade é menos cruel que a obscuridade da noite. Os centros urbanos foram feitos para nos afastar dos males primitivos, e hoje vejo que a cortina das nossas "verdades" está prestes a cair. Não, João, nunca escolha o recatado em vez do povoado; a solidão em vez da companhia, eles sabem bem como encontrá-lo se isso acontecer.

Não sei se você se recorda de um grande amigo nosso, Manoel, que tinha uma fazenda muito afastada da civilização. À Noroeste da cidade de Belo Horizonte, horas após Ribeirão das Neves, havia numa pequena entrada de placa já desgastada, e ali eu entrei. Eram quilômetros de mata. No início, havia um pequeno povoado com três mil habitantes em média. Quilômetros depois, havia um segundo povoado bem menor, com apenas dez casas, e após seguir por vários minutos por uma estrada de chão, circundada por pura mata virgem, chegava-se à fazenda dele.

Como era uma viagem meio longa, acabei passando por esses povoados, e lá, eles me esclareceram algumas questões. Corria o boato de que Manoel estava enlouquecendo. Falava sobre seres de membros encolhidos que só apareciam à noite, pois o dia revelava suas identidades, e eles não toleravam isso. Seres esses que estavam pelas redondezas e deixavam um cheiro repugnante de suor por onde passavam. Mas praticamente não eram vistos; as descrições eram muitas vezes vagas. Para o povo, ele parecia lúcido na maioria do tempo, mas à noite seus delírios tomavam forma. E também havia um "ruído" sobre seu filho.

Eles asseguravam que o rapaz desaparecera misteriosamente na floresta e que, desde então, o velho não era o mesmo. Durante a noite, ele saía pela mata o chamando, e algumas pessoas, por acidente, já haviam presenciado a cena. Ademais, existiam histórias sobre uma coisa gigante, o chamado "Bicho-Homem". Do tamanho das árvores mais altas, de forma não definida. Falava-se em pele descamada e ausência de boca, mas para mim era impensável tal coisa.

Na Escuridão da NoiteWhere stories live. Discover now