O JOGO DE DAMAS

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Eu moro num barco, moro num barco desde que me lembro de existir. É um barco pequeno, está um pouco desgastado do lado esquerdo da proa, e a portinha do meu quarto as vezes emperra, mas eu o amo. Não cabe mais de uma pessoa nele, por isso moro sozinho. É um pouco solitário viver assim, mas é como eu sempre digo, estar sozinho é uma das únicas formas de sermos nós mesmos.

Batizei meu barco de Prieta Erito. Talvez seja um nome um tanto complicado, mas escolhi esse nome para lembrar da minha vozinha, sim, ela se chamava Prieta Erito dos Santos. Ela era tão aconchegante, tão necessária, fazia parte de mim. Se eu pudesse a levaria comigo em todos os lugares, mas não posso, vó Prieta tem o lugar dela, ainda assim, é sempre bom passar lá as vezes e lembrar dos tempos antigos, faz parte da gente. Gosto muito do meu barco, ele faz parte de mim, eu moro nele, mas ele não mora em mim.

De tempos em tempos navego pelos mares à procura de... algo que ainda não sei ao certo. Semana passada acabei parando em um lugar muito estranho, lindamente estranho, nele havia apenas uma casa velha, uma cabana de madeira, que possivelmente devia servir de abrigo para algum caçador, nela estava um homem, Mackenzie era o seu nome. Ele me contou uma história lindíssima sobre amar e ser amado, porém vou pular essa parte, este livro é destinado às estantes, então prossigamos.

Hoje de manhã, acordei com um sentimento bom, de que vou encontrar um ótimo lugar para pisar em terra firme. Molhei o rosto, baguncei meu cabelo cacheado, coloquei um dos meus moletons cinza e parti por cerca de quatro horas em direção do nascer do sol.

Já era hora do almoço, quando olhei em frente e vi uma ilha pequenininha, que aos poucos foi crescendo e crescendo até que meus olhos nem puderam mais enxerga-la, tamanha sua dimensão.

- Uau! Que ilha linda! – Pensei eu, diante daquela obra majestosa feita por mãos talentosíssimas.

Não era uma ilha repleta de árvores, e nem um pouco plana, como estamos acostumados a ver por aí, era tudo muito cinza, íngrime e acimentado. Lindo! Os muros que cercavam a ilha como um todo eram todos adornados de esculturas aparentemente feitas com pedras de cimento. Os prédios e casas pareciam estar dando as mãos e dançando ciranda diante da montanha central, todos banhados por uma imensidão de cor cinza que eu amo tanto. Na parte mais alta da cidade havia um estádio, imenso, que parecia ter sido esculpido de uma só grande pedra de mármore. Tudo incrivelmente espetacular. Amarrei Prieta no cais e me dirigi ansioso para a entrada da cidade.

Ao entrar por aqueles portões movimentados, meus olhos voltaram quase que automaticamente para um pequeno ponto verde, lá ao lado oeste da cidade. Era uma praça, de aproximadamente quatro por três metros. Nela havia apenas uma árvore e um banco. De fato, ninguém nem passava por perto de lá, estava bem vazia, talvez para as pessoas daquela ilha, a praça deveria parecer muito miúda, por isso nem se atreviam a passar por lá. Contudo, para mim, aquele pequeno pontinho verde naquela imensidão de cinza era a maior e mais linda praça que meus olhos já tiveram a sorte de ver. Afinal, nada é grande nem pequeno demais se comparado com a coisa certa. Sentei-me então naquele banco para descansar um pouco.

- Olá garoto Asher!

Meus olhos foram abrindo lentamente e a visão foi desembaçando aos poucos.

- Olá garoto Asher, como estás? – Dizia um senhor com cabelos grisalhos e um grande sorriso no rosto.

- Olá... estou bem... e o senhor? – Disse eu com a voz rouca.

- Estou ótimo! Meu nome é 381, e sou o guarda da cidade. Tenho uma grande responsabilidade que me foi concedida por causa dos meus esforços como guarda.

- Oh, 381? Que nome estranho. – Naquele momento percebi que as pessoas daquela cidade se importavam muito com números – Que responsabilidade é essa que dissestes?

Um Guia para EstantesWhere stories live. Discover now