Valerie

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— Quem ousa entrar em minha propriedade sem autorização?

A voz grave e medonha soou, cessando os movimentos da criatura magra. Este, por sua vez, baixou a cabeça com o medo a enrijecer-lhe os músculos. Nunca ousara aproximar-se daquela casa, e muito menos, dos habitantes da mesma. Presava imenso pela sua longa vida.

Na verdade, os ocupantes da mansão proibiram qualquer um de se aproximar deles e da casa, obrigando-os também a curvarem-se perante a sua passagem. Outra regra que ninguém se atrevia a desrespeitar era nunca manterem contato visual com eles. O castigo era claro: a vida que lhes fora oferecida, da mesma forma, lhes seria roubada.

— Perdoe-me, senhor, esta invasão, mas trago-lhe novidades que lhe agradarão imenso.

— Ai sim? Que novidades seriam essas, meu caro?

O homem alto com um enorme manto negro sobre os ombros e costas caminhou até à luz proveniente da janela, deixando à vista a sua aparência aterradoramente bela. Cabelos claro, assim como os olhos e a pele. Um sorriso tão belo quanto medonho. Nas mesmas proporções, este possuía beleza e maldade. Não havia quem não o respeitasse.

— Um humano ousou entrar em suas terras e instalou-se no hotel local.

— Belas notícias me trazes, Marcus. Estás disposto a ajudar o teu senhor? — indagou, recebendo um "sim" como resposta — Seguirás as minhas instruções sem falhas.

O sol brilhava já no céu nublado quando Nathan decidira abandonar a cama de hotel, empurrando, posteriormente, o lençol e deslocando-se para a casa de banho.

Debaixo de seus olhos, descansavam profundas olheiras provenientes da noite mal dormida devido às sensações estranhas que lhe queimavam a pele e o deixavam absolutamente desconfortável. Sentira-se observado a noite inteira, o que resultou num incómodo incomum.

O cansaço era bastante evidente, e os movimentos quase absurdamente lentos e mecânicos. Sykes sentia que, a qualquer momento, poderia perder a total confiança nos seus membros inferiores e ir de encontro ao chão como manteiga derretida.

Assim que as gotas suficientemente quentes chocaram contra a pele morena, o de olhos esmeralda suspirou prazerosamenete ao sentir todos os seus músculos relaxarem e entregarem-se a um descanso merecido, mesmo que o historiador não tenha praticado nenhum esforço físico. Tratavam-se dos efeitos secundários da noite mal dormida.

Longos e prazerosos minutos foram dispensados debaixo do chuveiro, e, posteriormente, após estar divinamente vestido para aquele dia, Nathan serviu-se do restante café da sua garrafa térmica enquanto lia os emails recebidos e reencaminhava-os para Arthur. Apesar de não gostar muito de café frio, nunca se negaria a consumí-lo. A paixão excessiva não lhe permitia tal ato.

No momento em que abrira a porta, um par de olhos tão negros quanto as trevas invadira-lhe o campo visual, levando-o a recuar intintivamente. Era inegável, Nathan estava assustado e deixara o medo bailar com o sangue nas suas veias.

E lá estava a criatura! De olhos cravados no moreno, postura ereta e expressão séria e aterradora. Parecia hipnotizado. Não movia um músculo, só se ouvindo a respiração calma. As ordens tinham sido bem claras, assim como a ameaça. Não havia perdão para qualquer erro.

Cobrindo-se de coragem, Sykes avançou até ao exterior e fechou a porta atrás de si. Posteriormente, em passos apressados abandonou o hotel sem olhar para trás, sentindo o olhar do estranho queimar-lhe a pele das costas. Não sabia quem ele era, mas tudo lhe dizia para manter distância.

Os seus pulmões expulsaram todo o ar neles contido quando alcançou o exterior do hotel, e, por momentos, a tensão muscular dissipara-se para volta assim que o moreno abrira os olhos.

Diversos pares de olhos colaram-se a ele, e um oceano de pensamentos ondulava ensurdecedoramente num discussão infinita. Todos com o mesmo propósito. Não obstante, nenhum movimento era feito, pois, da mesma forma que o desejo os beijava, o medo também. Colocar a preciosa vida numa bandeja não era, definitivamentem uma opção.

Contrário aos demais, a curiosidade mergulhara-lhe no sangue, fazendo nascer em si o interesse em analisar aquele moreno atraente. Achava-o bastante idêntico àquele que amara no passado, e a vontade de se aproximar formigava-lhe no interior. Tão proibido e tão apetecível!

Suavemente, o cotovelo do parceiro tocara-lhe as costelas, e a acebça deste movera-se discretamente, indicando o moreno que seguia o "turista". Por sua vez, a loira semicerrou os olhos e cerrou os punhos. "Nem penses, Marcus", grunhira.

— Segue-os. Encontrar-te-ei de imediato. — ordenou, e, então, seguiram caminhos opostos.

Fascínio substituíra qualquer desconforto anterior à medida que seus olhos capturavam a beleza das edificações e da decoração exterior. Era tudo encantador, principalmente, para um historiador apaixonado como Nathan.

A câmara do seu telemóvel registava todos os mínimos detalhes para, posteriormente, Sykes expor no seu museu. Com certeza, um secção somente de fotografias seria bastante inovador e combinaria perfeitamente com os arterfactos.

A curiosidade instalara-se ao cravar o olhar na enorme habitação isolada das demais, com somente um caminho que a ligava às outras. À sua volta, algumas árvores acompanhavam a imensa e alta vegetação caraterística de abandono. Percebia-se que ninguém cuidava daquela área da mesma forma que cuidavam das restantes, e tal aumentara a curiosidade do historiador.

Conduzido a pôr termo à curiosidade sobrenatural, os seus pés pisaram o estreito caminho arenoso, sem prever que estaria a ir de encontro à jaula do leão faminto.

Atrás de si, silenciosamente, caminhavam três criaturas de olhos postos nos seus movimentos. Um com a sede a salivar-lhe a boca e a afiar-lhe as garras mortais, esperando apenas uma curta distração para executar o que lhe fora incumbido. E, na hora em que a presa se distraiu com uma delicada flor selvagem, os olhos raiaram de negro e os caninos surgiram num grunhido faminto.

Mais afastada e percebendo a intensão do outro, levou a mão ao bolso traseiro das calças e acenou ao companheiro num pedido de cobertura. Que a guerra começasse!

Várias fotografias daquela incomum flor foram guardadas na memória do aparelho eletrónico do de olhos verdes. Ficara absurdamente rendido à beleza e delicadeza selvagem da pequena planta. Com certeza, aquela cidade tinha tanto de fantástica como de assustadora.

Um grunhido invadiu-lhe o campo de audição, instalando o medo e fazendo-o erguer-se velozmente. Seu corpo travou ao encarar o ser à sua frente. Seus olhos negros e dentes afiados como lâminas levaram o historiador a engolir em seco. E, no momento, em que decidira fugir, tudo ocorrera-lhe diante dos olhos como um flash, levando-o a arregalar os olhos e cessar qualquer movimento.

Exatamente quando a criatura se atirou na direção de Nathan, um vulto loiro interseta-o, empurrando-o para o chão. Sem desperdício de tempo, um grunhido de dor ecoou pelo ambiente.

— Dou-te três segundos para saíres daqui, Marcus!— rosnou a mulher. Seus olhos azuis igualmente raiados de negro.

— As ordens são para ser cumpridas, sabes tão bem quanto eu. — troçou o moreno, fazendo a loira cravar a estaca mais fundo, arrancando-lhe mais um grunhido de dor.

— Três segundos ou morres.

Ameaçado pela imagem da morte, empurrou a loira e desapareceu por entre a vegetação. Esta, por sua vez, erguera-se, limpando a roupa, e caminhou até Nathan que a encarava amedrontado, perdido no que acabara de acontecer diante de si. Parecia surreal.

Apercebendo-se de que o moreno não diria nada, sorriu-lhe meigamente, com o intuito de o acalmar. No entanto, para sua surpresa e emoção, a voz aveludada fora expulsa num quase grito. "Exatamente como a do Allen", pensou.

— Que merda se passou aqui? O que sois vós?

— Acreditas em anjos da guarda? — questionou, recebendo do moreno um olhar confuso — Prazer Valerie Adams, o teu anjo da guarda.

Ainda tomado pelo susto e hipnotizado pela beleza do olhar da loira, Nathan uniu as mãos de ambos num cumprimento educado, deixando-se encantar pela maciez da pele alva.

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⏰ Last updated: Dec 01, 2017 ⏰

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