2 - Velório e Cartão

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Uma brisa calma soprava, brincando com meu rosto. A claridade mansa e convidativa me incentivava a abrir os olhos. Tudo estava calmo, sereno. Minhas mãos e pés formigavam, causando certa nostalgia pela noite bem sonhada ou pior, aquilo não fora uma noite de sonho, e sim, de pesadelo. Suspirei. Abri meus olhos com lerdeza, espreguiçando-me por completo, sentindo meu corpo tremer e estalar. Olhei a minha volta, tudo era branco e frio. O ar condicionado apitava baixinho, distribuindo uma temperatura agradável. Tentei me mover, mas assim que me apoiei sobre as mãos, meu pulso latejou e perdeu sua força, gemi em resposta, encarando a atadura que circulava o local.

A porta do quarto se abriu, revelando um homem alto e fardado, que aos poucos se aproximava de mim. Encolhi-me na cama, sem saber ao certo o que estava acontecendo, apenas esperando o improvável.

- Megan Wooding?

- Sim?

- Eu sou o policial Alex Johnson, e queria fazer algumas perguntas sobre a noite de ontem.

E então, o que eu pensava ter sido um pesadelo, foi real. Minha família está morta. Minhas bochechas voltaram a queimar, meus olhos não sabiam se focavam num ponto único ou se vagavam pelo nada. Permaneci em silêncio, relembrando das cenas repetidas vezes.

- Acho que seria melhor senhor Johnson, as perguntas ficarem para mais tarde. Minha neta precisa descansar.

Encarei minha avó, que sorria com ternura. Tudo ao meu redor caiu, preservando apenas seu sorriso. Ela tocou minha bochecha, afagando-a. Não sabia se a abraçava, se chorava, ou se permanecia em silêncio. Minha cabeça tombou no travesseiro, pesada demais para meu pescoço suportar.

- Por favor, chame o médico. - Vovó suspirou. - Minha pobre menina... Não se preocupe, irá ficar tudo bem.

Fechei meus olhos, negando a passagem de qualquer lágrima ousada que tentava escapar, mas de nada adiantou. Eu vazava a dor e desamparo nos braços de minha avó, soluçando com força. Parecia uma criancinha de cinco anos que acabará de se perder dos pais num parque. Talvez eu os tenha perdido mesmo, mas infelizmente, não os perdi somente em um parque.

A explosão me despertou, o sangue explodiu, as armas dispararam. Olhei meu reflexo no espelho quebrado. Minha boca sorria, meus olhos choravam. Tudo estava desmoronando. Voltei a abrir meus olhos, sentindo cada pensamento fugir e embaralhar. Um labirinto, um limbo.

- Ora, vejam só quem acordou. - Um homem se aproximou exibindo seu jaleco branco e estetoscópio brilhante. - Bom dia Megan. - Uma maquina apitava no fundo, indicando linhas que subiam e desciam gradativamente. - Como se sente?

- Tonta... - O homem riu - Quem é você?

- Eu me chamo Nicholas Rundell, e, no momento, estou sendo seu médico. - Ele avaliou alguns papéis. - Megan, você ficará anestesiada por mais algumas horas, então não estranhe essa tontura, é normal.

Ele me avaliou, anotando vez ou outra em sua prancheta, informando meu estado e indicando o que seria melhor para mim. Concordei com tudo que fora recomendado, ignorando o fato de que a dor da alma machucava mais do que a corporal.

Dias se passaram com rapidez, como se a vida indicasse que o meu tempo também estava se esgotando. Meus machucados já não doíam tanto e alguns medicamentos já não eram mais necessários. Meu médico fora extremamente atencioso e meus avós me visitaram todos os dias em que fiquei presa no hospital. A policia não me perturbou em nenhum momento a mais, pois vovó pediu para que dessem um tempo a mim, para que respeitassem meu luto e não atrapalhassem minha melhoria. E, olhando meu reflexo agora, sabia que as coisas ficariam complicadas e que não iriam simplesmente melhorar. Meu vestido preto balançava conforme caminhava, meus cabelos pendiam sobre as costas, destacando o ruivo em meio a tanta escuridão. A mão de minha vó me conduzia para fora.

Tocando as notas do crime (Em Correção)Where stories live. Discover now