5- Tortas E Respingos

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O som de água caindo me despertou do sono. Minhas pálpebras subiam e desciam com lerdeza, acompanhando o ritmo de meus pulmões. A luz entrava sorrateira, denunciando os pequenos buracos que enfeitavam as cortinas. Deixei minhas mãos escorregarem pela manta, permitindo o frio alcançar minha pele nua. Minha garganta ardia de leve e meu pulso ainda latejava. Me sentei com cuidado, ciente de que minha cabeça pesava mais que tijolos amontoados. Um bocejo escapou entre os lábios secos. A água continuava a cair do outro lado da porta, me convidando a sair do quarto. Minhas pernas fizeram seu trabalho e me guiaram a procura de roupas. Tudo pesava toneladas, mas o sono embriagava e deixava as coisas um pouco mais leves.

Destranquei a porta e deslizei pelo corredor. O cheiro de café invadiu meus sentidos, acolhendo meu coração com sutileza. Espionando pelo batente avistei minha tia, só de hobby, bebericando um pouco do café. Pretendia voltar para o quarto em silêncio, determinada a tomar um banho, mas um espirro me incriminou, denunciando minha presença a minha tia.

- Megan? - Respirei fundo e entrei na cozinha.

- Bom dia tia Desiree. - Fui até o armário e peguei uma das xícaras. - Posso? - Apontei para o café. Sua resposta não passou de um simples balançar de ombros desinteressado. Colei um pouco de açúcar no mesmo e me sentei em uma das cadeiras velhas, bebericando da bebida quente.

- Gostei do que fez com a casa - Minha tia tomou mais um pouco de café. - Seria interessante se você desse uma olhada no quintal também.

- Ok...

- A propósito, comprei tinta pra pintar a casa... Se puder fazer esse favor também. - Ela bocejou com a graça de uma poderosa leoa, exibindo seus dentes brancos e bem cuidados. - Você sabe pintar?

- Sei... Eu pintei a minha casa com o meus pais e a...

- Uhum, interessante. - Ela se levantou, fazendo pouco descaso. - Tem pincéis e coisas do tipo na parte dos fundos... e... Estou me esquecendo de alguma coisa... Ah... Gregório ligou, pediu para que fosse visitá-lo hoje.

- O vovô ligou? - Um sorriso preencheu meu rosto. - Está bem. Obrigada.

Sem dizer mais uma palavra sequer, minha tia saiu da cozinha, desfilando como uma modelo profissional, para longe de mim. Assim que terminei o café lavei as xícaras e fui para o quarto, a procura das roupas velhas que tinha encontrado no armário do quarto. Iria cuidar do jardim e dar início a pintura da casa, adiantando todos os afazeres pela manhã, para assim, conseguir tempo de sobra na visita que faria ao vovô. Peguei os pincéis junto do cortador de grama, pronta para mais um dia de trabalho terapêutico. Talvez não fosse terapêutico, mas era incrível como arrumar aquela casa conseguia me acalmar. Prendi o cabelo num coque frouxo e vesti as luvas de proteção. O cortador despertou e então começou a fazer seu trabalho. Empurrei com cautela pela grama, criando caminhos retos e perfeitos.

- Estou indo pro trabalho - Tia Desiree me despertou, entrando rapidamente em seu carro. - Deixei um pouco de dinheiro pra passagem em cima da mesa.

Acenei com a cabeça em silêncio, acompanhando o carro sumir até perdê-lo de vista. Voltei com os afazeres, focada na grama verde. Em questão de tempo, já me via usando um longo pincel de rolo envolto de tinta branca, trazendo-o para cima e para baixo com capricho. Meus braços ardiam, mas continuavam persistentes com o trabalho, pintando com esmero a pequena casa. Estava com tanta convicção em terminar aquilo, que não dava dois dias pra terminar ela toda, mas infelizmente, ou talvez felizmente, a hora do almoço já estava chegando e eu precisava me apressar. Guardei os pincéis e a tinta junto da máquina de cortar, correndo apressada para o banheiro.

Nem fiz questão de relaxar embaixo da água, entusiasmada em ver meu avô. Não importava se só fazia dois dias que eu não o via, estava com saudades e ansiava ver o pedaço que restava da minha verdadeira família. Vesti um jeans rasgado e uma blusa folgada, calçando sem jeito a botina nova que havia ganhado de meus avôs. Sequei o cabelo e o prendi numa trança firme, enfeitando-o com um boné escuro e surrado do ex-armário de minha tia. Peguei o dinheiro da mesa e tranquei a casa, saindo as pressas de lá, descendo rua abaixo com a rapidez de uma pessoa atrasada para o trabalho. Fiz sinal para o ônibus e entrei, saltitando os degraus do mesmo com rapidez.

Tocando as notas do crime (Em Correção)Onde histórias criam vida. Descubra agora