01. a parafernália de effie

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véspera de natal, 1880
cidade fictícia | aos dezessete anos


Desvencilhei-me das beges sapatilhas que cobriam meus pés doloridos e deixei-os nus e crus acima do palco. Solitário, com apenas suspiros de cansaço e poeira em minha companhia, decidi praticar pela trigésima sétima vez os mesmos movimentos.

Mãos entrelaçadas vagarosamente, salto, movimento delicado com os dois braços esticados a seus extremos, salto, olhar sempre tão expressivo quanto os acordes, salto.

As partes mais carnudas de meus pés reclamaram ardentemente pelo contato com o piso liso quando, exausto, finalizei meus ensaios.

— Não achas tolice retirar-te as sapatilhas? — ouvi sua voz branda dizer ao segurar um sorriso, enquanto tinha os braços cobertos cruzados.

— Posso usar tuas belas palavras como argumento? — respondi risonho, enquanto me livrava da melodia triste que o gramofone dourado passou a reproduzir.

— Vá em frente, nobre irmão — respondeu-me com mesmo tom irônico, mas aconchegante.

"Todo homem, mesmo dado à extrema racionalidade, tem direito a suas superstições", e eu, como um ho...

— Não te digas homem, não passas de um moleque — ele gargalhou, acenando a cabeça negativamente.

— Contestações depois, Seokjin! Como dizia, e eu, como homem nada racional que sou, uso-as, pois em minha primeira apresentação, estas companheiras rasgaram-se poucos minutos antes de entrar no palco. E apresentei-me assim, descalço. E, modéstia a parte, foi um grande sucesso — aprontei-me, calçando meus lustrados e saindo do palco em direção aos assentos da plateia onde meu irmão mais velho estava.

Ele fazia total questão de buscar-me todas as segundas, terças, e sextas-feiras para acompanhar-me até nossa casa. Às douradas dezesseis horas da tarde. Desde que iniciei na academia, o que fora há dez anos.

Não me pergunte o porquê, afinal, superstições.

Vi sua visão alegre cair em meu solado descalço e pálido. Uma galáxia, eu diria: fixado a minha epiderme se ostentava máculas roxo-opaco, vermelho, rosa, certas áreas um tanto esbranquiçadas.

A arte dói, caros amigos.

Ouviu-me muxoxar em dor, era realmente incômodo e ardente. Ele suspirou ainda em silêncio e depois revirou os olhos, ação que julguei ser para si mesmo.

— Estou envolto pelo espírito do feriado, então far-te-ei um favor, mas se caçoares de mim terei total prazer em jogar-te no Encantado! E não tens noção do quanto está congelado aquele lago — ele resmungou cabisbaixo, como se estivesse forçando-se a proferir tudo aquilo e era hilário, pois parecia irritado consigo mesmo por ser gentil com o próprio irmão mais novo.

— E o que você fará para que eu tenha o enorme prazer de caçoar? — respondi, aproximando-se de si e soltando uma risada sarcástica.

— Te carregarei até em casa, mas apenas hoje! — ele exclamou, o dedo indicador na altura de meu maroto sorriso.

— Amo-te, Seokjin! — respondi no mesmo volume.

Suas mãos fortes buscaram minhas pernas e as aninharam fortemente em sua cintura. Aproveitei para abusar de minha oportunidade, e praticamente debrucei-me em suas costas, enquanto sentia seus braços preocupados em segurar-me com força suficiente para que não caísse e para que eu também não me machucasse mais do que o balé já o tinha feito.

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