02. a luz do alçapão

80 17 103
                                    

  ❆ 
sete minutos de natal, 1880
o país das bonecas | ainda aos dezessete anos

— Comporte-se bem, Effie. Já tive que convencer o meu pai que você não ficaria trancada em algum lugar — ordenei, enquanto levantava o meu dedo indicador à gata.

Ela, que parecia ter entendido, miou.

Entreguei o presente perdido ao meu pai, que quase chorou de alegria. Descendo as escadas fui em direção ao espelho e observei que a minha gola em babados estava mais bonita do que eu imaginava. Portava uma blusa de seda branca, coberta por um sobretudo azul-marinho, abrilhantado por dourado em arabescos. Minha calça acima dos joelhos era marrom, e cobria até onde a meia se estendia.

Agradável, eu diria.

Em um piscar de olhos, eu já via os mais diversos parentes e amigos adentrando a sala de estar para esperar a ceia de Natal. Embora que fosse desconfortável e cansativo, tentava cumprimentar a todos e não mostrar o real sentimento que havia em meu coração.

Seria meu primeiro natal sem me questionar quando ele viria.

Talvez falando sobre isso eu esteja novamente me questionando, mas nos outros era bem diferente. Lembro-me de fazer malas na calada da noite para que eu não deixasse nada que me fosse importante.

Uma vez, Tio Drosslmeyer fez o meu cachorro de pelúcia latir. Não me perguntem como, mas pelas suas roupas extravagantes e brinquedos diferentes sei que ele não é apenas um marceneiro.

Depois disso eu passei a realmente acreditar que ele ganharia vida, tomaria a minha altura e me levaria consigo para o seu país. Ouvi tantas promessas que nem saíram de sua boca e acreditei.

"Todo homem, mesmo dado à extrema racionalidade, tem direito a suas superstições" — quase saltei em susto.

— Tio Drosslmeyer, de novo não — falei sorrindo, e apertando a mão no peito — Por que dizes isso?

— Jimin, sabes o porquê de teu irmão falar isso? — ele tomou um salgadinho que um dos nossos garçons servia e sentou no sofá ao meu lado próximo a gigante árvore de natal.

— Na verdade, não — respondi sincero.

— Lembra-te quando Effie sumiu com o seu relatório? Era algo que ele dependia muito para avançar nos estudos, praticamente o relatório de sua vida. Mas perdeu-se. E eu o disse que, por um minuto sequer, acreditasse no acaso e no destino. Que talvez essa fosse a melhor forma de conseguir o relatório novamente: ter fé. Ter esperança que as coisas iriam ficar bem em algum momento.

Eu sabia exatamente o porquê dele estar falando aquilo, ele não via mais a antiga fé e esperança em mim.

Talvez porque eu realmente não as tivesse mais.

— Se dê o direito de sonhar, Jimin. Apenas mais uma vez, eu te prometo, não vai ser em vão — ele sorriu, afagando a minha nuca com a mão cansada.

Eu sorri em resposta, porque ele sabia exatamente o que confortava o meu coração. Eu poderia realmente não acreditar mais que ele viria me buscar e que se preocuparia em tirar-me daqui, mas talvez fosse uma superstição nova a seguir: quando eu não o esperasse tanto, ele viria.

— Aqui — ele voltou com uma caixinha bem decorada em púrpura e deu-me alegre.

Ao abri-la vagarosamente e retirar o laço, encontrei ali três coisas: um recipiente cheio bem adornado em vidro, um par de sapatilhas cor de gelo e por último uma ratoeira.

o quebra-nozes.Where stories live. Discover now