O Treinador

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Embora eu estivesse com um corte na perna, andei o mais rápido que pude para meu dormitório. Todos nos corredores me encaravam. Nem sequer olhei nos olhos deles.

Cheguei até o elevador dos dormitórios e entrei. Eu estava sozinha. Mas a tatuagem em minha mão parecia pesar um pouco. Novamente tive aquela sensação das garras em meus ombros. Olhei nervosamente para os meus ombros, mas não havia nada lá. Aquilo era um pouco perturbador.

Logo cheguei até o quinto andar dos dormitórios. O corredor estava cheio de grupinhos. Alguns fumavam cigarros e conversavam, outros bebiam líquidos escuros. Enquanto a academia tinha regras rígidas sobre brigas, não se importava sobre uso de entorpecentes ou bebidas alcoólicas. Fazia vista grossa sobre isso. E não importava a hora que fôssemos dormir, desde que estivéssemos de pé para a aula no horário.

Os grupos eram mistos, e os jovens riam com os efeitos das drogas e das bebidas. Eu mesma já havia usado alguns daqueles "remédios" terapêuticos. Eles aliviavam a solidão. Foi depois disso que comecei a ver as garras.

Cruzei o corredor ouvindo murmurinhos e risadas, as janelas eram estreitas, e os vidros escuros não permitiam que muita luz entrasse.

- Parabéns pela luta, Luana.

Alguém falou. A voz estava estranha. Devia estar bêbado. O grupinho riu. Eu imaginava encontrar mais beberrões no Exército do general, então não me importava muito com aquilo.

Cheguei ao meu quarto e coloquei o polegar no leitor de digitais da porta. O prédio da Academia era moderno. Cinza, sempre muito ornamentado... Luxuoso. O pé direito passava a impressão de estar entrando em um lugar amplo e alto. Os ambientes sociais tinham mais iluminação, mas os ambientes não eram extremamente claros. A luz excessiva incomodava.

O piso era de mármore nos salões principais, e nos dormitórios era um piso acinzentado. As paredes eram metade azul escuro, metade creme. Cortinas na janela que ficava ao lado da cama. O armário era padrão. Havia uma escrivaninha, uma poltrona cinza próxima à janela. Alguns livros empilhados na escrivaninha, dois cactos que eu criava desde pequena, um criado ao lado da cama com uma luminária simples. A colcha e o travesseiro também eram cinza. Era um quarto padrão. Havia pouca coisa pessoal ali.

Fui até o armário, peguei uma muda de roupa limpa que não fosse uniforme. Uma calça jeans preta, um cinto de lona preto, uma camiseta cinza e uma blusa de mangas compridas marrom e um coturno preto.

Abri a porta do banheiro que ficava entre a cama e o armário e joguei todas as peças de roupa que estava usando no cesto de roupas sujas. Como era o uniforme da escola, eu só precisava deixar ali que alguém pegaria depois.

Tomei um banho não muito demorado, pois precisava estar pronta antes do meu orientador chegar. Eu finalmente o conheceria. Por meses ouvi apenas sua voz, e agora ele teria um rosto. E um nome.

Deixei a água limpa levar o suor e o sangue dos pequenos cortes. O vapor da água quente encheu o banheiro. Quando desliguei o chuveiro, me sequei e enrolei a toalha ao corpo. Ainda no banheiro, sequei meus cabelos longos e fiz minha maquiagem usual, sombra preta, pouco batom de uma cor mais escura, blush leve, delineado escuro nos olhos. Perfumei-me e sai.

Vesti minhas roupas. Peguei meu celular que estava sobre a cama. Eu ainda tinha uma hora e quarenta minutos. Peguei uma mala grande de rodinhas que estava debaixo da cama e comecei a colocar todos os meus pertences perfeitamente organizados dentro dela. Eu não tinha muitas roupas ou produtos de beleza, então levei pouco mais de uma hora para tirar tudo que era meu do dormitório.

Quase tudo que estava nas gavetas do criado mudo era material da escola. Provas, listas de exercícios, atividades. Joguei tudo no lixo. Foi então que eu achei. Era uma caixinha azul que eu usava para guardar coisas importantes e que eu não abria desde... Meus doze anos. Fitei-a por alguns minutos. A tampa era cheia de flores brancas, e havia um babadinho azul claro em torno das laterais da tampa. Minha mãe me dera ela quando eu tinha quatro anos.

Desde então eu guardava algumas coisinhas que fossem significativas ali dentro. Sentei na cama e tirei a tampa. Havia uma florzinha seca que colhemos juntas. Uma concha de uma vez que fomos à praia. Um papel dobrado com um poema que eu gostava muito, que mamãe escrevera. Eu sabia aquelas palavras de cor. Não desdobrei o papel. E no fundo da caixa, uma foto. Era eu e ela.

Mamãe era morena e muito jovem. Estava descalça, com uma saia rodada amarela de bolinhas brancas um pouco abaixo dos joelhos e uma blusa branca de alcinhas. Seus cabelos estavam curtos, cheio de cachos escuros. Sua pele morena parecia brilhar no sol intenso. E lá estava eu, de rabo de cavalo, com meus seis anos, correndo até mamãe. Ela corria mais à minha frente, e minha mão puxava a mão de papai. Eu não me lembrava dele. Ele morrera pouco depois daquele dia. Foi nossa última foto em família.

Eu conseguia ver nossas mãos direitas. Nenhuma serpente.

Pensei em amassar a foto e jogar fora. Mas era a única foto que eu tinha nossa. E papai nem mesmo aparecia todo nela. Eu não me recordava muito dele.

Guardei a foto novamente no fundo da caixinha, e todos os outros itens por cima. Coloquei a caixa azul no fundo da mala. E fechei. Era tudo. Não havia mais nada meu naquele quarto. Peguei uma caixa de sapatos vazio e sem tampa que eu deixara dentro do armário, e coloquei meus dois cactos dentro. Eu ainda tinha uns vinte minutos. Pensei em sair dali, mas não havia nenhum lugar no campus mais silencioso que o dormitório. Deixei a caixa com os cactos em cima da escrivaninha e coloquei a mala em pé no chão, perto da porta. Voltei para a cama e deitei, olhando para o teto.

Eu estava a poucos minutos de concretizar meu sonho, mas me sentia completamente vazia. Tentei encontrar o motivo disso, mas não me surgia nenhuma possibilidade. Era meu sonho, certo? Mas eu não estava emocionada. Ansiosa sim, claro. Eu não tinha ideia de como as coisas seriam a partir dali, mas não sentia empolgação. Sentia-me mais anestesiada, guiada por forças invisíveis que pareciam ditar meu destino.

Ah, não! Nada disso. Que horror. Eu era livre. Ninguém escolhia por mim ou insinuava o que eu deveria fazer. Afastei esses pensamentos quando alguém bateu à porta.

- Luana?

Era a voz do meu orientador. Eu já a conhecia perfeitamente. Levantei com um pulo e minha perna doeu, lembrando-me o corte. Fiz uma careta e manquei até a porta. Consertei a postura e tentei por um meio sorriso no rosto. Então abri a porta.

E meu coração quase parou.

- Olá, eu sou o Vitor.

Então abri meu melhor sorriso.




Olá, Leitores do meu coração!!!

Desculpem a demora a postar outro capítulo, mas os dias estão corridos. Postarei o próximo assim que for possível e posso garantir que vão gostar.

Deixem suas estrelinhas e comentem aqui o que estão achando. Vocês me ajudam muito com isso!

Gostaria de agradecer a parceira @DressaLennon pela capa nova!!!

Abraços a todos!!!!!


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