Capítulo 1

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Uma grande ruína com um formato circular, apinhava-se de criaturas fétidas, cheias de feridas e deformadas, se arrastando próximas à construção. Curupiras faziam ronda no alto das muralhas que ainda permaneciam de pé e também pelo ar, sobrevoando como corvos agourentos ao redor. O terreno, áspero, seco e aberto, impossibilitava uma aproximação furtiva de qualquer ser.

Bem ao longe se viam três tatuzinhos escondidos atrás de um montículo de terra. Ficavam de tal maneira imóveis, que quem passasse o olho por ali, poderia jurar que vira criaturas empalhadas. Mas claro, se prestasse bastante atenção, pois quase se camuflavam com o ambiente árido ao redor.

Por dois dias, esses três tatuzinhos faziam essa mesma rotina. Ao nascer do sol se plantavam naquele local e quando a noite caía, retornavam para um buraco escondido em uma pequena vegetação, rumo ao norte, onde se encontrava uma criaturinha agitada e ansiosa a espera da sua dona. O local em que se escondiam, era um imenso buraco abafado em baixo da terra, com uma abertura minúscula, do tamanho de um punho na entrada, obstruída em parte, por uma pedra.

No final do segundo dia, os três voltaram para o esconderijo. Chegarem perto da entrada, espiaram as redondezas à procura de inimigos e quando não avistaram viva alma por perto, empurraram a pedrinha e, com seus diminutos corpinhos, adentraram no esconderijo. Os tatuzinhos, então, transformaram-se em três jovens sacis musculosos. Abigail, agora com 17 anos, com o corpo esculpido e músculos trabalhados durante meses de treinos e batalhas, puxou, com delicadeza, a pequena pedra que cobria o buraco com dois dedos e fechou parcialmente a abertura novamente.

Havia pequenos furinhos em toda extensão de terra que cobria o buraco em que estavam para a ventilação. Não era o bastante para dissipar o calor, contudo era seguro e escondido de olhares hostis.

− Vai ser impossível invadirmos aquela fortaleza durante a noite – argumentou Elisa com a voz rouca, depois de horas de silêncio forçado e privação de água durante as vigílias. Ela era uma moça alta, de cabelos negros longos e lisos, presos num apressado rabo de cavalo.

− Tem razão. Nossas melhores chances de invadir são de dia, quando tiverem poucos curupiras e escravos por perto – concordou Miguel, o único jovem naquele grupo e maior de idade, com cabelos longos e estranhamente prateados que lhe caiam bem num rosto jovial e sério.

– O que não deixa de ser um completo suicídio – completou Elisa preocupada com o rumo dos acontecimentos.

Dentre os dois amigos de Abi, Elisa era a que mais sabia as complicações do plano maluco que estavam se metendo. A jovem sempre fez questão de esconder seu passado aos amigos, mas deixara soltar que já vivera fora de Isla, naquele mundo turbulento, em uma época do seu passado. Ela fora a única a sugerir a abandonar o amigo, Álvaro, que outrora fora seu professor e que havia se sacrificado para salvá-los, deixando-os fugir, enquanto distraía os inimigos. Não por desprezá-lo, mas pelo medo do que poderia acontecer a eles, caso fossem pegos.

Eles viram seu antigo professor ser levado por um grande grupo de curupiras e escravos humanos, que mais pareciam zumbis de tão magros e maltratados, com sangue seco grudado nos rostos. Então decidiram segui-los sorrateiros e depararam com uma antiga ruína ao longe. Eles ficaram preocupados e receosos de que o inimigo poderia matar Álvaro rapidamente, sem que eles pudessem ter a chance de resgatá-lo. Porém a segurança montada nas ruínas era muito alta e por bom senso, resolveram vigiá-la nesses dois dias e assim, conseguirem encontrar uma maneira melhor de resgatar o amigo. Se é que ele ainda estivesse vivo.

Não foi uma tarefa das mais fáceis. Constantemente ocorria um trânsito maciço de curupiras e escravos, além de uma ou outra pessoa que era levada como prisioneira. Da distância que observavam, não era possível identificar se os prisioneiros eram sacis ou simples humanos. Elisa confidenciou a eles que ainda existiam humanos livres correndo pelo mundo, lutando, se escondendo, sobrevivendo e resistindo aos curupiras como podiam. Ela cresceu vivendo com essa constante ameaça. Lembra muito bem como era comum ter entes próximos capturados e mortos.

– O problema maior vai ser como poderemos nos aproximar sem sermos notados – contrapôs Abigail, enquanto colocava quiabo cortado, carne de tatu e cobra e alguns temperos numa pequena bacia de barro com água extraída do solo através dos seus poderes e Miguel com a mão embaixo esquentando a bacia, com o fogo que dela – Acho que a melhor forma vai ser como um mosquito, mas será que vamos ter força suficiente para voar por todo aquele terreno? Um saci comum ficaria inconsciente na metade do caminho. Não sei se teremos poder suficiente.

– Não temos alternativa, vamos ter que tentar assim. Qualquer coisa maior do que uma muriçoca corre o risco de morrer se chegar muito perto. Você viu o que aqueles escravos estavam comendo, não viu? ­– Elisa jogou um olhar significativo para os dois. Durante todo o tempo que ficaram de vigias, eles presenciaram cenas grotescas que as centenas de escravos faziam. Eles procuravam qualquer coisa viva para se alimentarem e as comiam na mesma hora, da forma como capturavam. Seja formiga, lagartixas, cobras ou qualquer outro ser que ousassem chegar perto demais das ruínas, até mesmo outro ser humano que caísse adoentado ou morto. E se algo fosse visto voando muito perto, os curupiras matavam e jogavam para os escravos.

– Vamos fazer isso, mas assim que a maioria deles saírem da ruína ­– completou Miguel e as meninas concordaram.

– E o que eu vou fazer? ­– perguntou Laica animada. O pequeno felpudo pulava nos ombros de Abigail. Vez ou outra lhe dava pequenas lambidas e esfregava o seu corpinho no pescoço da dona.

– Você vai ficar quietinha com a gente num buraco que iremos fazer lá mais perto, mas não vai ir conosco depois, Laica. Ouviu? ­– ordenou Abigail e quando a criaturinha começou a protestar, ela continuou sem deixar que o felpudo falasse mais – Vai ser muito perigoso e você é grande demais para passar despercebida se chegar muito perto. Fique lá esperando a nossa volta. Se qualquer coisa der errado e sairmos por outro lugar, fique atenta e nos siga de longe.

– Não tem problema, mamãe – respondeu a criaturinha. Ela gostava de chamar a sua dona dessa forma, de alguns dias para cá e apesar dos protestos de Abigail, não conseguiu mudar a sua opinião – Eu posso sentir seu cheiro a quilômetros.

– E se nós não escaparmos, fuja e vá viver em algum lugar seguro – completou Miguel, embora soubesse pesaroso que se isso acontecesse, o pequeno felpudo seguiria Abigail até no inferno se fosse preciso.

Após conversarem, foram imediatamente dormir, ficando apenas um por turno acordado para vigiar. Passaram o dia inteiro descansando, caçando e colhendo qualquer coisa que pudesse servir como comida. Durante a noite dormiram e esperaram até a madrugada do dia seguinte para agir. Saíram sorrateiros do esconderijo e rumaram para as ruínas com o felpudo atrás, num voo pequeno e rasante para não ser visto facilmente. Assim que chegaram ao pequeno montículo de terra que funcionara como posto de vigia deles, Miguel e Abigail cavaram furiosamente o solo, enquanto o felpudo e Elisa ficavam de vigia.

O sol já estava quase surgindo no horizonte, quando terminaram o buraco e se esconderam dentro. Jogaram um pequeno montículo de terra na abertura, para escondê-la e esperaram pelos vários sons de passos dos inimigos passarem por eles e atravessarem para todos os lados, seguindo viagem. Assim que ficou mais seguro, cavaram uma pequena abertura, transformaram-se em pequenos mosquitos e partiram, deixando um felpudo preocupado para trás.


🐝 Primeiro capítulo estreando hoje, dia 25 de janeiro de 2018!

E quem gostou, dá um joinha e ajuda meu livrinho a crescer.   

Espero que tenham gostado e semana que vem, se Deus quiser, estarei postando o segundo. 😍😍

Ainda não separei minha história em capítulos, então por enquanto vão ficar sem títulos mesmo. 

Um beijo e um queijo de mussarela derretido.😘 xD 

Abigail e os Aliados Ocultos - Livro 2Where stories live. Discover now