Travessias

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- Como foi a noite? - perguntou Maria à Janaina, com voz rouca de quem acabou de acordar e cara amarrotada.

- Já tive piores - disse passando a mão no rosto. Depois deu um bocejo misturado com riso.

- Nossa, assim eu fico até chateada.

- Para com isso. - empurrou o ombro de Maria - Pelo menos você não ronca - riu.

- Ah é? Mas você sim. - riram juntas.

Quando abriram o zíper da barraca, os olhos arderam com o sol. Era mais tarde do que pensavam, acharam ter perdido a ida pra ilha. Olharam envolta e havia apenas alguns gatos pingados aqui e alí. Maria olhou para Janaína, fez careta de "e agora?".

- Oi. - Jana chamou um grupo de desconhecidos.

- Oi. - Um dos caras respondeu.

- O pessoal já foi pra ilha?

- Vocês devem ter o sono pesado. - riu - de madrugada teve mudança nos planos, não vamos até a ilha hoje. Vamos acampar em outro campo, poucos quilômetros daqui. Tem vista para um desfiladeiro, acharam que ia ser legal passar o dia lá e depois ver o pôr-do-sol.

- E dá pra ir a pé? Pode nos ensinar como chegar lá? Acho que minha turma nos abandonou. - Maria sorriu sem graça.

- Posso sim.

O local não ficava muito longe dali, foram andando até lá. Não tinham muitas coisas para levar, e as duas se revezaram para carregar a barraca. Quando chegaram procuraram uma sombra pra sentar e esperar a fila do café da manhã diminuir, ou almoço, dependendo do ponto de vista.

- Ainda não consigo entender como nós duas coubemos naquela barraca. - Janaína riu.

- Ah, sabe como é aquele ditado? Minha barraca é igual coração de mãe, sempre cabe mais uma.

- Acho que não é bem assim. - riram.

- Mas o que quero saber, é do que você gosta, o que te trouxe aqui. - Maria olhou para Janaína, curiosa.

- Eu não tenho muito o que dizer, minha vida não tem muitas aventuras. Eu gosto de ler, gosto de cozinhar.

- Minha barriga está roncando aqui, então vamos falar sobre o primeiro.

- Ha ha ha, um dia eu cozinho pra você.

- Eu vou esperar em? E o que você gosta de ler? Você disse mesmo que gosta de histórias, mas não aprofundamos muito nessa história aí de leitora assídua. - sorriu.

- As-sí-du-a, uau, e eu que gosto de palavras difíceis? - riu. - Eu gosto de ler de tudo, gosto de ouvir música enquanto leio. Eu me emociono do choro a raiva, enquanto eu leio.

- E o que gosta de ouvir?

- Eu ouço qualquer coisa, mas a maioria é MPB.

- Interessante, mas deve gostar de música eletrônica também não é? Afinal, é basicamente o tipo de música que estamos ouvindo há dois dias.

Antes que a conversa continuasse elas perceberam que a fila estava quase no fim, e a fome soou mais alto do que aquelas palavras. As duas decidiram comer e depois voltar aquele papo. No fundo da alma das duas, aquelas conversas mesmo que sem nada muito profundo sobre a vida delas, era como uma travessia. Estavam passando rapidamente de duas desconhecidas para uma conexão forte, sem entender o que era a conexão. Nenhuma das duas haviam sentido algo assim antes, como em tão pouco tempo poderiam ter aquele sentimento de proteção projetado em alguém, era uma incógnita.

O dia passou tranquilamente, foi tido como um dia de descanso para atravessarem até a ilha no outro dia. No por-do-sol todos sentaram na grama, na beira do precipício. O sol se punha no horizonte em laranja e rosa. Todos aplaudiram o sol que estava indo embora, e a sensação era que as duas, ali sentadas, aplaudiam também aquilo sem nome, aquela novidade que as conectava. Elas decidiram permanecer ali, mesmo depois que a noite chegou, para mais uma vez observarem juntas as estrelas e conversar sobre aleatoriedades que fazem com que as pessoas se aproximem.

Instantâneo ⚢Where stories live. Discover now