EPÍLOGO

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Invariavelmente a distância é ferida em orgulho e preconceito, onde se perde ou conquista a confiança, num esquecer de tardia segurança, com você, de noite, de dia, em que o eclipse esconde a família, não a primeira, mas aquela despertada em delírio de lamento, na chance da volta sem parar a contagem regressiva: 3, 2, 1: estou aqui, depois em pausa de urgência, logo: sou. Mas, quem?

— ESTOU FARTA DO TEMPO! — Grita enfurecida.

Seu primeiro marido chega, aproxima-se devagar, seus membros não permitem mais agilidade alguma, está cansado, porém, resiste bravamente.

— Acalme-se, meu amor, daremos um jeito, sei que sim.

Ela se levanta raivosa da cama, afastando-se do que considera um de seus maiores fracassos. Ele não merecia sofrer tanto e ainda assim permanece ao seu lado, dando força, algo que ele nem possui há tempos. Respira fundo. Sai a passos largos, solicitando que a acompanhe. Chegam a uma sala grande, com mesas e diversos equipamentos eletrônicos. Ela passa a mão de leve pelo ar e uma imagem aparece translúcida. Observa atenta enquanto seu segundo marido entra afoito.

— Está borbulhando de novo, vem!

A mulher sai correndo, ordenando que o outro fique de olho em Rafael, não pode haver mais erros.

— Ele não fará nada, meu amor, está...

— Está vendo aquela linha? — Aponta ríspida para uma das partes da imagem translúcida. — Se ondular — diz entredentes, rígida, firme —, eu mesma acabo com aquele fedelho e você será o responsável, entendeu?

Ele engole em seco, os olhos vidrados na luz emitida no ar. Ela sai e o primeiro marido firma suas mãos nas rodas sob si e gira para garantir a segurança de todos. Sua esposa está mais irritada e impaciente a cada dia, esquecendo-se do que realmente importa, obcecada por uma solução que ele já considera perdida. Feliz ou infelizmente ela não faz ideia do porquê, mantendo a fagulha de esperança acesa. Desde que se lembrara de tudo, desde que ingressaram nessa jornada em busca... Balança a cabeça inconformado, levando a mão às têmporas. Tantas vidas, tantas pessoas queridas, tantas linhas... O peito infla e contrai ritmicamente. A velocidade aumentando, até que os pulmões se fecham e a respiração falha uma, duas, três vezes. Procura por seus comprimidos, nada. Esqueceu no quarto. Há tempos aprendera a seguir suas ordens. Quando ela o manda, é melhor obedecer. Todos sabem disso. Ela nunca erra. Nunca se engana. No entanto, se não... A mente começa a perder o foco... Olha, já quase sem fôlego, para a imagem. Se correr, se for rápido o suficiente, consegue ir e voltar sem que nada aconteça. Gira com destreza e num instante está no quarto, engolindo os comprimidos e voltando às pressas. É quando se dá conta. Ela não mandou ficar de olho na linha e sim no garoto. Céus!

Rodando habilmente por um dos corredores etéreos daquele lugar que ousam chamar de lar, o segundo marido o interpela.

— Sei o que está pensando e é melhor se manter de bico calado. — Aproxima-se, firmando suas mãos nos apoios de braços da cadeira de rodas. — Sobrevivemos até agora, daremos um jeito de vencer essa guerra, que já dura tempo demais.

— Dá licença, preciso ver o Rafinha. — Pede, forçando passagem com as rodas, não há motivo para debaterem aquilo no momento e não está nada disposto a jogar certas verdades na cara de quem um dia considerou seu irmão.

— Ele está controlado. Beth o monitora de perto, não haverá falhas dessa vez. — Levanta-se, endireitando-se e olhando melhor para o outro, a voz mais suave, amiga e compreensiva. — Sabe que posso colocar um sistema elétrico avançado e...

— Não quero nada disso! Prefiro movimentar meus braços o quanto puder. — Olha incrédulo para o outro, sentindo o desconforto no pescoço. — Sabe muito bem disso. — Cheio de amargura e com o peito inflado de rancor, as palavras saem. — Não sei porque você resiste e tenta tanto... Por diversas vezes, foi o que pôs tudo a perder, Pedro. Você nos traiu. Você teve outra família. Você matou o Vinny!

Dual_2Where stories live. Discover now