27. Batalha

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Mark estava discando o número de Anne quando o celular tocou. O nome de Jeremy piscou na tela do aparelho e Mark sentiu uma onda de repugnância subir à sua garganta.

Rejeitou a ligação e em menos de dez segundos, antes que pudesse acabar de rediscar, o telefone tocou novamente.

Mark respirou fundo e atendeu a ligação.

- O que você quer? - disse com arrogância.

- Mark, pode me ouvir um minuto?

- Qual é a história que você vai contar agora?

- Mark, me desculpe, eu sei que pode não ser fácil...

- Não cara! - disse Mark quase gritando, interrompendo a frase de Jeremy - Você não sabe de nada. Você nunca teve um relacionamento sério com alguém. Como é que pode saber?

- Mark, eu sei que você está irritado, mas eu preciso falar com você. Quero que me escute por um momento.

Mark bufou audivelmente e se endireitou na cama, apoiando os cotovelos sobre os joelhos. Teria que ouvir o que quer que fosse. Seria melhor por telefone do que ter Jeremy dentro de sua casa.

- Seja rápido.

- Cara, você mora em Jeanville há... dez anos?

- Quatorze.

- E você sabe quando Liz veio para cá?

- Não me lembro mais - respondeu Mark de má vontade.

Jeremy fez um estalinho com a língua, como sinal de reprovação, mas Mark ignorou.

- Ela veio antes de você, Mark.

- Disso eu sei.

- Espero que você também saiba que a vida de Liz não começou quando você apareceu. Ela teve uma vida antes de você e, queira você ou não, ela era tão livre quanto está agora.

Mark pensou por alguns segundos e percebeu que Jeremy tinha razão, mas não concordaria tão rapidamente com ele.

- Mark, eu moro aqui desde que nasci. Você sabe disso, - continuou Jeremy - e eu também já existia antes de você aparecer por aqui.

- Onde você quer chegar com isso, Jeremy? - perguntou Mark um pouco impaciente.

- Num desses momentos eu conheci Liz, como você também já sabe e nos tornamos bons amigos, mas um tempo depois eu me apaixonei por ela.

Mark travou a respiração e se remexeu na cama. Ele já sabia, inconscientemente, onde essa história iria terminar, mas tentou se acalmar o máximo possível e ouvir Jeremy.

- Nós tivemos um pequeno romance, Mark, mas só durou um mês.

- Ah! Que lindo! - ironizou Mark - Estou feliz em saber.

Mark achou que aquilo era uma informação totalmente dispensável nessa altura do campeonato, mas não podia deixar de pensar que Liz havia omitido isso à ele durante anos. Talvez fosse porque Jeremy era um dos melhores amigos dele.

- Depois disso nós continuamos a ser bons amigos e prometemos nunca mais tocar no assunto. Foi difícil para mim, mas em nome da amizade que eu tinha por ela, respeitei a decisão.

- E assim que você a viu sozinha quis se aproveitar.

Jeremy suspirou.

- Mark, vamos deixar uma coisa bem clara: Liz está solteira há três anos. Ela não é mais a sua mulher e não te deve satisfação alguma e muito menos eu. Toca a sua vida para frente, cara. Quem vive de passado é museu.

Mark ficou em silêncio, mas a sua mente estava trabalhando a mil por hora. Jeremy estava coberto de razão. O que havia acontecido era um passado remoto que nunca poderia ser reparado. O casamento com Liz também teria que ser deixado para trás se quisesse viver uma vida feliz com Anne, afinal já haviam se passado três longos anos desde a separação.

- Ok, Jeremy, você está certo - disse Mark tentando convencer a si mesmo.

- Mark, eu sei que você não vai conseguir me ver com os mesmos olhos...

- Não, não vou.

- Sim, mas eu quero que você entenda que eu nunca desrespeitei você em seu casamento. Eu frequentava sua casa pela nossa amizade e não por causa da Liz.

- Vou tentar acreditar.

- Pode ter certeza disso. Eu via que estava Liz bem com você e isso já me deixava satisfeito. Logicamente eu preferia que ela estivesse comigo, não posso ser hipócrita em negar isso, mas aparentemente ela estava feliz ao seu lado.

Mark se lembrou das várias vezes em que Jeremy havia frequentado sua casa e nunca notara uma insinuação sequer de seu amigo em relação à Liz. Apesar das circunstâncias, Mark sentiu uma pontada de arrependimento por ter acusado e tratado Jeremy tão mal.

Jeremy havia sofrido por alguém e, para piorar a situação, ele poderia sempre ver a mulher que amava. O problema era que ela estava casada com um dos melhores amigos dele.

- Mas porque você precisou me contar tudo isso? - perguntou Mark - Você poderia ir viver a sua vida sem se importar comigo.

- Sim, eu poderia não dar satisfação alguma à você, mas depois do que aconteceu na Itália eu senti uma certa culpa e jamais conseguiria viver tranquilamente sentindo que estava, de alguma forma, me escondendo de você. Eu só não sabia que você reagiria daquela forma. Para mim você já tinha deixado Liz para trás.

- Pois é... Não foi tão fácil assim. Eu sempre achei que Liz dependeria sempre de mim e nesses três anos que se passaram eu nunca consegui imaginá-la com outra pessoa que não fosse eu.

- Eu entendo, Mark.

Mark suspirou alto e foi até a janela.

- Jeremy, tenho que desligar. Eu preciso pensar um pouco.

- Certo, Mark, mas não fique com raiva de mim. Eu só estou tentando correr atrás dos meus sonhos.

- Não vou ficar. Aproveite a sua vida.

E dizendo isso, Mark encerrou a ligação. Ele não queria admitir que no fundo sabia que na verdade, não era a falta de Liz que o havia afetado tanto e sim seus sentimentos machucados e a ideia de que a mulher que um dia fora sua, estar livre para viver outros relacionamentos com outros homens e viver como desejasse sem se importar com ele.

Para Mark, no dia em que Liz chegara em casa com aquela petição de divórcio, sem ao menos consultá-lo antes, havia sido a maior afronta, mas, pensando que a mulher voltaria atrás, ele assinou tudo sem muita resistência, mal sabendo que, dali em diante, não veria mais a esposa.

Desde então, Mark nunca havia conseguido aceitar o abandono e sofrera com solidão e uma esperança que nunca fora concretizada.

Agora, seu fantasma mais cruel estava ao seu lado. Logo agora que Anne estava entrando em sua vida, seu medo havia se tornado real justamente na vida de um de seus melhores amigos. Em seu interior, essa era a última prova que sofreria para, enfim, superar todos os seus monstros e então viver uma vida plena e feliz.

Mark decidiu que Anne não precisaria saber nesse momento sobre essa história. No fim, sua batalha mais cruel teria que ser travada sozinho. Ele teria que renunciar, superar e esquecer.

Renunciar ao seu passado.
Superar seu amigo Jeremy.
Esquecer para sempre de Liz.

Essa seria a luta final de Mark. Uma luta que ninguém poderia travar por ele e, se quisesse ser feliz, teria a obrigação de vencer a todo custo.

Um inverno entre nós (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now