#2: "Esquecidos"

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A Avenida Boaquintas estava à apenas alguns quilômetros de distância da Rua Riveros (minha localização naquele momento). Enquanto pedalava, olhei a paisagem apocalíptica que me cercava... Em todas as ruas que passei, as casas seguiam um ritmo em comum: Estavam todas depredadas, e algumas soltavam fumaça. Sinalizando fogo recente. Comecei a me sentir fraco de repente. Eu não havia tomado o café da manhã, e aquilo foi se tornando cada vez mais um problema. Pensei comigo mesmo: "Não, Lucas... Não pensa nisso agora!" - Porém, a fome aumentava proporcionalmente. Mais à frente, meus olhos avistaram uma placa verde, que direcionava que a Avenida estava logo à minha direita. Virei a bicicleta no caminho ordenado e pedalei mais rápido. Na pista de subida, um grande tanque militar tomava a passagem. Sua visão me assustou. Afinal, eu não estava acostumado a ver um veículo daqueles na rua. Parecia em muito bom estado, e parecia que havia disparado um projétil recentemente. Já que havia rastros de fumaça pelo cano do tanque. Saltei da bicicleta para olhar o imenso veículo pintado de verde camuflado. Após dar uma rápida olhada, suspirei, pensativo: "O que o mundo se tornou?" - Falei a mim mesmo. Subitamente, ouço grunhidos distantes. Ao me virar, um imenso grupo das criaturas mortas andava em minha direção. Estavam a alguns metros de distância. "Ah, não! Merda!!" - Exclamei, desesperado. E, nas ruas à minha esquerda e direita, outros deles vinham até mim ao longe. Se apresentavam em números absurdos em todos os cantos. Num rápido movimento, peguei o rádio, pondo-o no bolso. Além de carregar o cano de metal enferrujado.

Deixei a bicicleta, subi no veículo e desci pela escotilha de vidro. Esta que me levaria para o interior do transporte. Ao entrar, os lamentos das criaturas foram abafados pelo tanque. Eu estava a salvo... Mas não por muito tempo. Uma criatura subiu no tanque e tentou esticar o braço para me alcançar. Me afastei, engatinhando para longe. Então, peguei a arma branca e fui até o bicho, batendo em sua cabeça. Ele caiu de lado, o que me deu uma brecha para fechar a escotilha. Após fazê-lo, outros tentaram passar por ela, batendo no vidro. Senti-me mais calmo ali dentro daquele lugar. O interior cinza-metálico era composto por um maço de cigarros e três latas de gás lacrimogênio. Felizmente, não tinha nenhum caminhante por ali. Porém, mesmo que o tanque fosse seguro, eu precisaria sair de dentro do veículo. Afinal, necessitaria logo de água e alimento. E nada disso se encontrava por ali. Enquanto tentava achar meios de fugir, um som de uma pistola carregada soou pelo local. E a arma foi posta em minha nuca. Logo após, ouvi uma voz: "Mãos ao alto e vire-se a mim!" - Fiz o que o homem pediu. Então, vi o rosto de meu ameaçador. Tinha uma barba meio acinzentada por fazer e cabelo liso e escuro, que caía sobre a pele branca. Além de uma mochila, camisa branca encardida e calças jeans. Em mãos, carregava uma SW22 prateada. Com o cano da arma apontado para minha testa. Tentei conversar, ainda de mãos levantadas: "Calma, amigo... Não precisa fazer isso!" - Ele, porém, fez sinal para que eu me calasse, e perguntou: "Você foi mordido?" - Neguei, sem entender o objetivo da pergunta.

O estranho olhou-me, e franziu as sobrancelhas: "Tá bem... E como posso acreditar nisso?" - Expliquei, confuso: "Olha, cara. Eu não sei nem o que tá acontecendo aqui! Eu saberia se tivesse sido mordido por alguém!" - Ele observou o rádio que carregava no bolso, e interrogou: "Espera aí! Você é o cara que tava do outro lado da linha, certo?" - Pensei um pouco e me lembrei da voz dele. Era a mesma voz do homem que havia se comunicado comigo pelo rádio. Consenti, balançando a cabeça em afirmação. O desconhecido abaixou a arma, dando um leve sorriso. E pôs a pistola no bolso da mochila marrom. Por fim, disse: "Que bom que tem mais alguém vivo por aqui. Eu já tava ficando louco... Tem certeza que não foi mordido?" - Afirmei, cansado: "Sim, sim. Eu tenho." - O homem balançou a cabeça, concordando. Recostei-me na parede do tanque, e um pouco de poeira caiu em meus cabelos pretos encaracolados. Limpei aquela sujeira e questionei: "E então? Vai me explicar o que tá acontecendo?" - Ele pareceu surpreso por eu não saber o que se passava. Demonstrou isso em sua fisionomia... Por fim, explicou: "Seguinte... O que tá acontecendo é que tem um vírus desconhecido que tomou conta do mundo... E transforma as pessoas em completos mortos-vivos. E tudo através de uma simples mordida!" - Aquilo foi um choque para mim. Eu havia visto a notícia que a jornalista disse, mas não sabia que era algo tão sério. Muito menos que tivesse alguma relação com o exército de criaturas mortas lá fora. Depois, o barbudo falou, limpando um pouco de suor da testa: "Tô surpreso que não sabia disso! A epidemia se proliferou no intervalo entre a tarde e a noite de ontem..." - E lançou um olhar triste, olhando para baixo logo depois. Levei as mãos ao rosto. Era bizarro demais para ser verdade.

Repliquei por fim olhando a escotilha, onde um morto-vivo batia no vidro com força: "Eu... Não achei que fosse tão grave..." - Após alguns segundos de silêncio tentando processar toda aquela loucura, perguntei: "Como vamos sair daqui?" - Ele pegou a mochila e retirou uma pistola sinalizadora. Erguendo-a, exclamou: "Com isso! Eles se atraem por qualquer coisa brilhante ou barulhenta..." - Então, esperou que o morto-vivo saísse do vidro. O estranho foi se esgueirando calmamente até a escotilha. Abriu-a rapidamente e atirou o projétil a uns cinco metros à frente de onde estávamos. O sinalizador caiu bem no meio da rua. Era de um brilho vermelho e começou a fazer um alto som de estouro. Olhei por uma janela do tanque, e avistei os mortos indo todos na direção do brilho. Foi nesse momento que ele saiu do tanque, e falou, dando-me sua mão: "Vem logo! Vamos!" - Peguei a mão dele e saí do tanque. Por cima do veículo, consegui ver todas as criaturas se dirigindo até o sinalizador. Eram muitas, e se cercaram em volta do objeto como se fosse algo de muitíssima importância. O sobrevivente pôs a mão em meu ombro, me apressando. Segui-o, indo na direção contrária à que os mortos-vivos estavam. Descemos do veículo e corremos pela avenida. Enquanto nos deslocávamos, o homem exclamou, ofegante: "Que sorte que isso funcionou... Era meu último sinalizador!" - Olhei rapidamente para trás, ainda sem acreditar no que havia acabado de ver. Então, voltei-me para a frente. O sobrevivente se apresentou: "Meu nome é Tommy, aliás!" - E, na corrida, apertou minha mão desajeitadamente. Fiz o mesmo, falando: "Sou Lucas... Prazer!" - Viramos uma das ruas e, após tomar uma boa distância dos infectados, perguntei-lhe aonde íamos. Sua resposta foi que iria passar rapidamente em sua casa, de modo a pegar algumas armas. E que precisaríamos de um carro.

Quando perguntei o por quê desta última escolha, ele respondeu: "Para fugirmos daqui! Você não tá pensando em ficar em Corssamar, né?" - E, realmente, o sujeito estava certo. Ficar ali seria suicídio... Sugeri que fossemos em meu Conversível amarelo, pois seria ágil pela cidade. Quando Tommy perguntou aonde eu morava, falei que minha casa era perto da Rua Riveros. Não muito longe dali. Ele exclamou, apertando o passo pelo caminho: "Não brinca! Eu moro por ali mesmo. Quero dizer, morava..." - Então, continuamos nossa jornada incessantemente pelas ruas de Corssamar. Era estranho ver a cidade na qual vivi meia década ruir daquele jeito. Mais à frente, um prédio queimava em uma das janelas. Abaixo deste, um aglomerado de carros bloqueava a passagem. Passei por entre os mesmos, prestando atenção nos interiores dos veículos. Um deles, um Sedan, tinha um urso de pelúcia que tinha uma gravata preta. Um possível sinal de haver alguma criança viva por ali. Pus as mãos em volta dos olhos e observei a parte de dentro, tentando achar alguém. Subitamente surgiu no vidro uma garota pequena, que tinha um laço vermelho na cabeça, além de um vestido branco. Porém, não tinha o brilho infantil no olhar. Seus olhos não traziam esperança nem alegria. Muito pelo contrário, tinha órbitas vazias nos olhos, e um cheiro horrível que era passado pelo vidro pouco aberto do carro.

Tommy, que estava alguns passos à frente, vendo que a pequena criatura tentava passar os dedos por entre a fresta, correu até mim, apontando a arma para ela. "Lucas! Cuidado!" - Avisou ele, cauteloso. Sinalizei para que ele não se preocupasse, ainda olhando-a. Sussurrei baixo para a morta: "Sinto muito, menina... Você não merecia isso..." - E sai calmamente de sua visão, continuando meu caminho por entre o aglomerado de veículos. O sobrevivente me encarou por algum tempo, ainda parado. Depois, prosseguiu sua caminhada, avisando: "Escuta, não se aproxime demais deles. Estão mortos... Olhe, eu sei que pode parecer cruel, mas não há nada que os ajude numa situação dessas." - Limpei o suor de meu rosto, sujando de poeira um pouco da testa. Enquanto limpava a poeira, respondi: "Espero que eu acorde logo desse pesadelo..." - Retirei o paletó que vestia, já que, além do crescente calor que enfrentava, não fazia tanto sentido usá-lo. Joguei-o em cima do capô de uma minivan vermelha abandonada. Onde, dentro do automóvel, um andarilho de roupas militares repousava no banco do passageiro. Tinha a barriga aberta, com vísceras caindo no chão. O que me chocou. Mesmo com o automóvel fechado, pude ouvir seus lamentos mórbidos através do vidro. Virei-me para a frente, perturbado pela cena. Tom murmurou para mim, andando com a pistola em mãos: "Você se acostuma depois de um tempo..." - Pensei comigo mesmo: "Não... Eu nunca irei... Acredite." - Continuei minha trajetória junto ao meu aliado e, após passar do grande conjunto de veículos abandonados, cruzamos uma rua à esquerda. Numa placa verde na área, o nome "Rua Riveros" apareceu em branco. Tommy apontou para uma casa branca com um pequeno jardim, dizendo: "É bem ali!" - Observei a moradia ao longe, e nos direcionamos até sua habitação. A fim de pegar as armas de fogo. Ao entrarmos pela porta, uma área totalmente bagunçada mostrou-se aos meus olhos. Uma lareira com várias roupas jogadas dentro, alguns talheres atirados ao chão e uma televisão quebrada formavam parte do retrato do lugar. O homem falou para que eu esperasse, pois ele iria pegar as armas no quarto dele. Eu disse que tudo bem, e sentei-me no sofá do local. Ainda com os ocorridos em minha mente, fechei meus olhos para tentar esquecê-los... Porém, foi inútil fazê-lo, já que tudo era muito recente.

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