Capítulo 9

54 4 31
                                    



2 dias depois.


A familiar escuridão preenchia não só o meu ser, como tudo o que estava ao meu redor. Suas garras geladas comprimiam o meu corpo, permitindo que o ar somente saísse em golfadas frias. A firmeza do chão sob os meus pés era a única certeza que eu conseguia ter. Ela se juntava a uma sensação de familiaridade, de reconhecer aquele lugar mesmo sem saber onde eu estava. Diante de mim, como a minha única fonte de luz estava um garoto.

Era ele, Dante.

Eu não precisava que ele se virasse para mim para reconhece-lo. Meu corpo reagiria ao dele à qualquer distância. O cabelo solto caído por sobre os ombros me impedia de ver seu rosto e quando toquei seu braço não obtive nenhuma resposta da parte dele. Ele continuou parado olhando para o infinito que se estendia diante de si, a um passo de um abismo que parecia querer engoli-lo.

O vento passeou pelo seu rosto, levantando algumas mexas do cabelo escuro. Somente com o vento gelado percorrendo seu corpo que finalmente se voltou para mim. Os olhos frios encaravam o nada, não olham para o meu rosto e nem deixava de me ver. A escuridão parecia tomar conta dele do mesmo modo que de mim. Mesmo tão perto, podendo tocá-lo, a distância se fazia presente mais do que nunca.

Numa estranha sensação de já ter vivido aquilo, me desesperei por poder beijá-lo. Eu queria — não, eu precisava — senti-lo novamente. Mas ao tentar alcançá-lo para puxá-lo para mim, seu rosto se contorceu dolorosamente. Ele não se afastou, mas sua boca entreaberta, a sobrancelhas enrugadas e seus olhos semicerrados, foram suficientes para congelar meus braços no ar.

"Me encontre" ele suplicou.

E um tufão de ar, que mais parecia uma tempestade, me atingiu. Como uma bala de canhão que me acertou no peito, fui arremessado para trás bruscamente. Percebi tarde demais, que em alguma virada inesperada, era eu que me encontrava na borda do que agora eu podia enxergar ser um prédio. O frio na barriga gradualmente explodiu dentro dia mim, naquela velocidade em que o corpo percebe que o chão não está assim tão perto.

Arremessei meus braços para frente, na busca desesperada por um apoio, por algum lugar ao qual me agarrar. Dante por sua vez, continuou encarando o vazio, paralisado e alheio à minha queda. Alheio a mim.

Meu corpo caiu de uma vez por sobre a cama, a consciência de um pesadelo se chocando contra mim em chacoalhadas brutas.

"Acorda, Enzo!" mamãe exigiu, já se virando para sair do quarto. "Vem cá que você precisa ver uma coisa na TV!"

"O quê?" me encolhi na cabeceira da cama.

"Vem!" sua ordem veio já do corredor.

Entrei na sala me arrastando. "O que pode ser tão importante?"

"Já voltou do comercial?" minha mãe gritou praticamente ao mesmo tempo.

"Shhh!" meu pai gralhou, irritado.

Os dois encaravam a TV com uma atenção que beirava à hipnose, mal piscavam. Papai estava no sofá com o misto quente pousado sobre o pratinho no colo e a xícara de café na mão. Enquanto mamãe estava dividida entre a TV e o celular, em pé ao lado do sofá.

O jornal da manhã voltou do comercial e a chamada que se seguiu forçou com que meu corpo procurasse por um assento.

"Festas, álcool e drogas: uma combinação tão perigosa, mas que já virou rotina para os jovens" O âncora introduziu solenemente. "Confiram na reportagem de Juliana Fontes, um exemplo de uma festinha adolescente que se tornou um caso de polícia!"

Em Queda LivreWo Geschichten leben. Entdecke jetzt